O que querem os manifestantes que tomam as ruas da Colômbia
Os colombianos conseguiram a retirada de pauta de uma controversa reforma tributária e a
queda do ministro da Fazenda, e continuam nas ruas protestando.
Essas manifestações acontecem por todo país, em pequenas e grandes cidades também, com
apoio de diversos setores.
E têm ficado cada vez mais violentas e mortais.
Hoje, dá para dizer que a reforma tributária foi apenas um gatilho para que se retomassem
os protestos do dia 21 de novembro de 2019.
Naquele dia, nasceu a Greve Nacional, um movimento inédito na história da Colômbia.
Eu sou Laís Alegretti, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou resumir em 3 tópicos as
principais demandas dos colombianos que participam dos protestos.
Esse é um movimento cheio de contradições e conflitos internos.
Não existe uma liderança clara, e há representações de quase todos os setores.
Mas então o que querem esses colombianos que estão indo às ruas?
Em primeiro lugar, os protestos querem uma polícia diferente.
Nos últimos dias, milhares de casos de violência policial foram denunciados, e há um número
desconhecido de mortos e desaparecidos.
Estações de transporte foram incendiadas, estradas foram interrompidas por diversos
dias e também há escassez de produtos na Colômbia.
Em resumo, a Colômbia vive um estado de incerteza e nervosismo agudo.
As pessoas nas ruas dizem que estão cansadas dos abusos de autoridade da polícia.
E isso não apenas durante os protestos, mas na vida cotidiana.
Muitos colombianos consideram que a polícia não está sujeita a mecanismos disciplinares
que sejam imparciais, rigorosos e eficientes.
E essa desconfiança na força pública, especialmente entre os que protestam, tem uma razão histórica.
A polícia colombiana foi estruturada e treinada em um contexto de luta armada contra guerrilhas.
Mas os cidadãos que saem para protestar esperam ser tratados pelas autoridades não como inimigos,
e sim como civis que fazem uso de seus direitos democráticos.
O presidente Iván Duque deu um passo importante nesse sentido nas últimas semanas.
Ele decretou que a Justiça Penal Militar seja um órgão independente dos comandos
militares.
Mas para os seus críticos isso não foi suficiente.
Eles reivindicam uma reforma mais abrangente, que retire a polícia da lógica de conflito.
Uma segunda demanda dos manifestantes pode ser resumida na busca por um país pacífico.
Duque chegou ao poder com o desafio de implementar o acordo com os guerrilheiros das FARC, feito
no Tribunal da Paz, em 2016.
Mas seus críticos dizem que ele, e principalmente seu partido, não só sub-financiaram os programas
de proteção às vítimas, mas também questionaram a legitimidade do
tribunal, que visava trazer justiça e paz ao conflito armado no país.
Além disso, a oposição acusa Duque de usar velhas e criticadas estratégias
para resolver os problemas do país.
Um exemplo é a volta da fumigação de plantações de Coca,
que foi suspensa em 2015 sob suspeitas de que causaria danos à saúde e ao meio ambiente.
A fumigação é um tipo de controle de pragas através do tratamento químico.
Duque quer voltar a utilizar esse método, que ele considera
mais eficaz para erradicar o cultivo da droga no país.
Um outro exemplo é o uso das forças armadas nas ruas durante protestos,
que já falamos aqui.
Duque defende a sua política de paz.
O seu principal compromisso, e muitos especialistas na área o celebram por isso,
é o desenvolvimento produtivo das regiões mais afetadas pelo conflito armado.
Mas, para aqueles que foram às ruas, a não implementação dos acordos de paz
criou um clima de violência no país.
E o resultado fica evidente a cada semana com o aumento dos massacres, os assassinatos
de líderes sociais e os deslocamentos em massa de pessoas em
áreas remotas do país.
Com isso, dá para ver que os colombianos não querem apenas uma nova polícia após
os conflitos.
Mas um novo país.
A terceira demanda dos protestos é exatamente na busca por um modelo de país diferente.
Um modelo que não supere apenas os traumas do conflito armado,
mas também tenha condições de acabar com a desigualdade e exclusão social.
Uma das principais críticas ao projeto de reforma tributária, que engatilhou o início
desses protestos, como eu falei no começo do vídeo,
é que ele prevê aumento de impostos sobre a renda e sobre produtos básicos, cobrando
uma carga alta da classe média, que foi muito afetada pela pandemia.
Mas, além da reforma, a continuidade dos protestos mostra que as pessoas estão cansadas
de um modelo econômico conservador que garante certa estabilidade macroeconômica,
mas é acusado de proteger certas pessoas e setores da população,
e não lutar contra a desigualdade.
Duque é visto também como um dos principais executores desse modelo econômico.
Isso porque ele é um grande aliado do setor privado e representa um partido,
o Centro Democrático, que é conhecido por seus vínculos com o setor latifundiário
da Colômbia.
Vários grupos civis, políticos e até acadêmicos que são a favor tanto da reforma tributária
como dos protestos dizem que é necessário uma economia menos
clientelista.
Ou seja, que o governo acabe com as isenções fiscais para grandes empresas
e abra a economia de uma vez por todas, permitindo uma concorrência mais ampla e democrática.
Como eu disse, a Colômbia é extremamente desigual.
O país tem a segunda maior taxa de desigualdade da América Latina, atrás só do Brasil,
e a sétima maior do mundo, segundo o Banco Mundial.
E isso não significa apenas desigualdade financeira,
mas também implica em disparidade no acesso a serviços básicos como educação e sistema
de saúde.
Assim, uma mudança profunda no modelo econômico que governa a Colômbia há mais de um século
está no centro desse movimento de protestos.
E, por enquanto, se as pessoas nas ruas não sentem que esses problemas estão sendo atacados
pelas autoridades, é difícil que os protestos não continuem.
Bom, eu fico por aqui.
Espero que esse vídeo tenha sido útil pra você.
Obrigado pela audiência e até a próxima.