7. Salve-se quem puder - Part 1
Alô moradora, alô morador, chegou a hora da segunda dose. Nos dias 14, 15 e 16 de outubro
vai rolar a antecipação da segunda dose da vacina Covid-19 aqui na Maré.
Quando a vacinação contra a Covid-19 finalmente começou no Brasil, as redes sociais ficaram
lotadas de posts celebrando o SUS, o nosso Sistema Único de Saúde.
Viva o SUS!
Viva o SUS!
Viva o SUS!
Afinal, mesmo com todo o esforço que o governo federal fez para que não houvesse vacinação,
foram os profissionais da saúde pública e a experiência de um sistema acostumado a
fazer campanhas nacionais de vacinação que garantiram que as coisas não fossem ainda
piores.
Que não morresse ainda mais gente.
E morreu muita gente.
No começo da pandemia, tinha aquela ideia de que o vírus era democrático, né?
Atingia todo mundo, independentemente de cor, gênero, classe social.
Na prática, num país tão desigual quanto o Brasil, não foi isso que aconteceu.
Com a pandemia, o estado de São Paulo registrou mais mortes de pessoas negras do que brancas
em 2020.
Negros morreram mais de Covid-19 do que os brancos, mesmo nos bairros mais ricos da capital
paulista.
O que essas informações atestam é que as desigualdades estruturais tiveram influência
sobre as altas taxas de mortalidade.
Esse é um trecho da CPI da Covid no Senado.
Essa que estava falando é a Jurema Werneck, ativista e diretora executiva da Anistia Internacional
Brasil.
E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que
morreram no Brasil eram negras, eram indígenas, eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade.
Já sabíamos que o Brasil tinha uma desigualdade nesse campo.
E deixamos passar.
E deixamos passar.
Não foi por acaso que o Brasil negligenciou a compra da vacina.
Não foi por acaso que não se investiu em testagem em massa.
Não foi por acaso que houve uma atuação tão forte contra a ciência e contra tudo
que os cientistas diziam, como a necessidade de distanciamento social, do uso de máscaras,
enfim.
Não foi por acaso que justamente as autoridades que deveriam nos guiar investiram tempo e
dinheiro na propagação de mentiras sobre o vírus, sobre a vacina, sobre um tratamento
precoce que nunca existiu.
Não foi por acaso, não foi por acidente, foi por propósito mesmo.
Foi por projeto.
Tem a questão do coronavírus também, que no meu entender, está sendo superdimensionado
o poder destruidor desse vírus.
Até porque o brasileiro tem que ser estudado, ele não pega nada.
Tem um cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, e não acontece nada.
Tem uns idiotas aí, fica em casa.
Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa.
...todos os mortos, mas é o destino de todo mundo.
Mas é o destino de todo mundo.
Não foi por acaso.
Assim como não tem sido por acaso o desmonte do SUS.
Um processo que começou há algum tempo, antes ainda da gestão Bolsonaro, mas que
se acentuou nesse governo.
O resultado da falta de investimento na saúde pública se reflete muitas vezes na baixa
qualidade do atendimento no SUS, o que obriga muitos brasileiros a contratarem os planos
de saúde.
E isso tudo foi agravado pela ineficiência de um Ministério da Saúde que permite o
encolhimento desse orçamento ano após ano.
Por mais que exista um corajoso quadro técnico de profissionais que, apesar de tudo isso,
seguiram manter as coisas minimamente funcionando nos últimos anos, a gente não pode esquecer
do tipo de gente que o presidente escolheu para comandar a saúde.
Toda essa gente parece estar saudosa de um tempo, não muito distante, em que não tinha
saúde pública gratuita para todo mundo.
E o SUS é, sim, para todos.
É claro que ele tem vários problemas e a gente vai falar sobre eles.
Só que até a criação do SUS, o que só aconteceu em 1988, as pessoas negras, indígenas,
as pessoas pobres no Brasil, estavam largadas à própria sorte.
Deixadas para morrer.
Antes do SUS era assim.
Porque antes dele era o salvo-se-quem-puder.
E a sociedade brasileira disse que assim não funcionava.
Aqui de novo a Jurema Werneck, agora numa conversa que eu tive com ela.
A sociedade brasileira fez luta social, fez movimento social para garantir que a resposta
fosse a de um salvo-se-quem-puder.
Quem nasceu de 88 para cá já nasceu com a existência do SUS, mas eu nasci em 61.
Nasci sem isso, sendo uma criança asmática.
Então, antes de 88, tem todo o resto da história do Brasil onde não havia.
Não existia saúde pública.
De onde eu venho, não existia saúde pública.
A minha mãe um dia apareceu com fortes dores de cabeça e que a gente tratava em casa como
podia.
E meu pai era porteiro de um hospital da aeronáutica, ou seja, não era um hospital público.
Mas minha mãe ficou muito, muito mal.
Muito mal.
Então ele pediu ao médico para fazer o favor de atender ela.
E esse médico, no esquema, passou o horário do expediente de noite e ele concordou em
atender.
Foi daquele jeito.
A gente pega a ônibus, uma pessoa super doente, pega a ônibus, vai lá, vai andando até
o ponto do ônibus, volta, tudo com muitas dores.
E ele tratou ela com analgésico.
Algum tempo depois ela morreu.
E quando ela morreu, o atestado de óbito dizia hemorragia subdural que pegava quase
o hemisfério todo do cérebro.
A metade da cabeça dela sangrou.
E quando eu já estava na faculdade de medicina, no livro de neurologia, tem a descrição do
quadro clínico de ruptura de neurisma cerebral.
O caso exemplar que tinha lá era exatamente a história da minha mãe.
O que a história da minha mãe conta?
Primeiro que ela não teve nenhuma chance, né?
Porque não existia onde buscar.
Segundo, aquele médico fez o favor para ela.
Fez o favor, mas gente, aquilo estava escrito no livro, ele não leu aquela página possível.
A gente pode falar que o SUS hoje é muito ruim.
E é mesmo, tem gente que ainda vive essa história da minha mãe.
Eu tinha 14 anos quando ela morreu.
Tem gente que ainda vive essa história da minha mãe.
Tem gente que não tem onde recorrer.
Não estou dizendo que ela poderia ter sobrevivido daquele aneurisma, né?
Ter tido o diagnóstico correto, a internação, a cirurgia.
Não estou dizendo isso.
Mas ela teria uma chance, mas não teve menor chance.
É essa a história, não é?
Essa a história que causa a tristeza do revolta.
A população realmente reivindicou.
E a população negra reivindicou mais, porque era a população que estava relegada.
O SUS é o projeto da sociedade brasileira.
É um projeto da sociedade brasileira.
Um projeto da sociedade brasileira.
E que surgiu para combater um outro projeto do Estado brasileiro, do Brasil oficial.
A história que a gente vai contar hoje, de como e por que o SUS foi criado,
tem tudo a ver com algo que a Conceição Evaristo, a nossa grande escritora, escreveu num conto.
Eles combinaram de nos matar, a gente combinamos de não morrer.
Eu sou o Tiago Rogero e este é o podcast do Projeto Quirino, produzido pela Rádio Novelo.
Episódio 7, salve-se quem puder.
Nos tempos do Brasil Colônia, antes da chegada da família real, quase não tinha médico.
Os poucos que estavam no Brasil Colônia, eram os que estavam no Brasil.
Os poucos que estavam por aqui eram todos formados na Europa, principalmente em Portugal, em Coimbra.
Mas não davam conta de atender toda a população.
Até porque as consultas eram particulares, salvo um ou outro caso de filantropia.
Quem era muito pobre só conseguia atendimento via igreja nas Santas Casas de Misericórdia.
A primeira Santa Casa foi construída no século XIX,
mas ainda tinha todo o restante da população.
Quem não era rico e que não conseguia pagar um médico,
ou quem não era extremamente pobre e que não conseguia atendimento numa Santa Casa.
E esse grupo gigantesco estava totalmente desassistido pelo poder público,
que já coletava impostos e tudo mais, mas não oferecia atendimento.
Pessoas largadas à própria sorte, desassistidas pelo Estado, mas não por elas mesmas.
A gente criou ou cultivou as nossas próprias sabedorias e conhecimentos,
nosso sistema tradicional de saúde, e diga que bastante sofisticado, né?
Tem um método de diagnóstico sofisticado que fala direto com a divindade,
que é o método de diagnóstico de saúde.
A atividade da cura nunca foi uma função exclusiva da medicina.
Os nossos povos originários, por exemplo, já cuidavam de si.
Inclusive estavam bem melhores antes da invasão portuguesa.
Assim como as diversas populações e culturas que se juntaram ao sistema.
A cura foi uma função exclusiva da medicina.
Essas terapeutas populares...
Esta é a Regina Xavier, historiadora e professora.
Normalmente os sangradores, os barbeiros, os curadores, na maior parte, são africanos.
São os que estão mais africanos, que são os que estão mais africanos.
Então, a gente tem que ter cuidado com a nossa saúde.
A gente tem que ter cuidado com a nossa saúde.
A gente tem que ter cuidado com a nossa saúde.
A gente tem que ter cuidado com a nossa saúde.
Os sangradores, os barbeiros, os curadores, na maior parte, são africanos.
São homens e a maior parte são homens africanos.
Normalmente se dizia barbeiro porque eram aqueles indivíduos que faziam barba mesmo.
Então eram aqueles que normalmente trabalhavam com navalhas.
E que além de fazer a barba, podiam fazer pequenas incursões.
Eram chamados também os sangradores.
Então eles podiam extrair dentes, podiam fazer pequenas manipulações.
Então eram aqueles que faziam as ventosas, que aplicavam sanguessugas.
E que através dessas atividades, teoricamente, extinguiriam as doenças dos corpos dos enfermos.
Acima dos barbeiros sangradores, nessa hierarquia social da cura, estavam os cirurgiões.
É difícil essa palavra porque ela faz a gente pensar na medicina de hoje.
Mas o cirurgião nessa época ainda não precisava de diploma.
Eles só tinham que conseguir uma licença com o cirurgião-mor do reino.
E a maior parte dos cirurgiões eram brancos.
Tinha um ou outro negro livre nessa função.
Daí dentro dessa hierarquia, ficavam os barbeiros na base.
Acima deles os cirurgiões.
E bem lá em cima, acima de todo mundo, lá no topo, tinham os médicos diplomados.
Cada vez mais os médicos vão reclamar o diploma nas faculdades de medicina
como aqueles que dariam as credenciais necessárias para que eles pudessem atuar na cura da população.
Então os médicos vão, paulatinamente, reclamando um lugar exclusivo de atuação
na exclusão desses outros personagens.
Então, tanto os curandeiros, quanto os homeopatas, quanto todos os outros
vão estar imersos num contexto de muita tensão
porque os médicos justamente vão defender a sua sabedoria,
o seu conhecimento científico, em detrimento dos conhecimentos populares.
Mas por maior que fosse o lobby dos médicos,
não tinha diplomado suficiente para atender toda a população.
E nem tanta gente que conseguisse pagar.
Mas também não foi só por isso que a população recorria às outras formas de cura.
E a maneira então desses médicos olharem para os curadores,
assim como olharem também para os seus possíveis clientes,
é evado de preconceitos baseados na forma como aquela sociedade se hierarquizava socialmente.
Então quando você tem as epidemias, por exemplo,
o que os médicos vão dizer?
Que aquela população se contamina mais porque é a população ignorante,
é a população que não faz os cuidados higiênicos,
que está mais propícia ao endoecimento.
É o chamado pensamento higienista.
Foi uma corrente muito forte no Brasil.
Isso faz com que essa população seja refratária também à atuação do médico.
Porque do ponto de vista desses escravizados,
baseados nessa cultura africana,
se a doença é, de alguma maneira, inoculada através dessas ações maléficas que você tem no cosmo,
você ter um curador que seja capaz de compreender esse desequilíbrio
entre o bem e o mal, entre o sobrenatural e o natural,
é aquele que está mais próximo da sua cultura, dos seus modos de vida,
e que, portanto, teria melhores possibilidades de intervir.
A Regina é a biógrafa de uma figura fascinante que viveu em Campinas, no século XIX.
É um africano muito habilidoso, muito talentoso,
que, apesar de ter vivenciado as agruras da escravidão,
soube ser protagonista da sua própria história,
soube lidar com esse mundo, com essa violência,
de maneiras criativas, de maneiras diversas,
e de conquistar margens de autonomia.
Não se sabe qual era o nome dele antes de ser trazido para o Brasil,
o nome africano dele.
Aqui, ele foi batizado como Tito.
A gente sabe que ele é africano, que ele foi escravizado ainda criança,
e a gente sabe também, Tiago,
que o tráfico trouxe muitas crianças africanas para o Brasil.
A gente sabe que o Tito foi escravizado,
que ele foi escravizado por uma família africana,
que trouxe muitas crianças africanas para o Brasil.
Na primeira vez em que ele aparece na documentação,
como escravizado de um dos senhores mais ricos de Campinas,
o Floriano de Camargo Penteado,
o Tito tinha só 11 anos.
Mas a gente não conhece exatamente de qual parte, especificamente,
ele veio da África.
O que nós sabemos, no entanto,
é que aquela região recebeu, nesse momento,
um grande contingente de escravos vindo da África centro-ocidental,
principalmente ali da região de Congangola.
Então, acredita-se que ele seja um escravizado dessa região,
que veio ainda pequeno e que foi escravizado na fazenda
que, então, cultivava açúcar.
O Pagem, junto com os copeiros, as cozinheiras,
as mucamas, as amas de leite,
era aquele escravizado que trabalhava na domesticidade,
trabalhava na casa grande,
trabalhava opciando os cuidados direcionados a essa família senhorial.
O Pagem, em geral, é aquele criado de servir
que serve especificamente ao seu senhor.
Mas quando ele cresceu,
ele acabou também desenvolvendo um trabalho por fora.
E é esse que vai ser central na nossa história aqui.
O Tito era curandeiro.
O curandeiro, no caso do Tito, o que ele fazia?
Em alguns momentos, as atividades de sangrador e de curandeiro se misturavam.
E o Tito, além de ser sangrador,
portanto, de fazer essas atividades específicas,
ele também era conhecido como um urbanista,
aquela pessoa que tem conhecimento das plantas
e que fabrica com elas algumas beberagens,
ou algumas pomadas, ou alguns medicamentos,
para justamente o combate às doenças,
e aí às doenças mais variadas que a gente tem no período.
O curandeiro era o equivalente na terapia popular ao farmacêutico
ou ao boticário, que era quem cuidava dos medicamentos.
No caso do curandeiro, a conexão era não só com a natureza,
mas também com o mundo espiritual.
Os médicos, por um lado, vão dizer,
olha, para a gente combater as doenças,
nós temos que nos voltar para suas causas naturais.
Então, eles acreditavam que a sujeira dos solos,
os gases presentes no ar,
era aquilo que causava as doenças,
então você precisava urbanizar,
você precisava organizar cidades para evitar as doenças.
Já os africanos acreditavam que as doenças
eram casadas pelas energias maléficas no cosmos
e que teria, de alguma maneira, interferido na vida material.
Uma percepção que é também espiritualizada,
que é religiosa,
que faz parte da concepção africana de doença e de cura,
que vai rivalizar também com a medicina,
que tende a negligenciar essa questão religiosa
a favor de uma percepção mais natural das doenças, etc.
Naquele momento, no século XIX,
Campinas passou por duas grandes epidemias.
A primeira de 58 e a outra de 62,
ambas epidemias de varíola que são assustadoras.
E, nesse momento, ele ainda é escravizado,
mas é muito provável que, diante do flagelo da varíola,
como eles chamavam,
que ele tivesse sido licenciado pela senhora
para ajudar nas operações de cura,
porque logo depois ele já consegue ter uma soma vultosa
para comprar a liberdade dele e da esposa.
Então, é muito provável que essa atividade
tenha propiciado a compra da liberdade.
O Tito comprou as alforrias e continuou trabalhando como curandeiro.
E não era só entre a população mais pobre, escravizada ou livre,
que ele fazia sucesso.
Por exemplo, tinha um médico lá em Campinas, o Ricardo Daut,
que era um árduo defensor dessa ideia
de que o conhecimento médico era o único possível.
Esse médico chegou a defender a criação de leis
que proibissem a atuação dos curandeiros.
Mas ele próprio vai se aproximar do mestre Tito
e ele próprio reconhece que, em alguns casos, em algumas doenças,
a medicina não dá conta
e que ele não tem os conhecimentos necessários.
Então, ele chega a indicar pacientes dele
para que sejam curados por ele.
Então, isso mostra um pouco essa ambiguidade
que você tem naquele momento.
Isso me fez lembrar do caso da Tia Ciata com o presidente da República.
A Tia Ciata, o nome dela era Hilária Batista de Almeida.
Ela foi um monte de coisa, né?
Quitandeira, uma das matriarcas do samba,
e ela também foi curandeira.
E uma vez, durante o mandato do Wenceslau Brás na presidência do Brasil,
ela foi chamada para o Palácio do Catete, no Rio,
que era a sede do governo federal.
O presidente estava com uma ferida na perna
que médico nenhum curava.
Ele pediu ajuda para a Tia Ciata
e ela deu um jeito no machucado.
Agora, Thiago, eu não vou dizer para você
que essa é uma coisa que você pode fazer.
Thiago, eu não vou dizer para você
que essa forma de enxergar as doenças
fosse algo exclusivo dos africanos.
Você tem apenas matrizes intelectuais que são um pouco diferentes.
Porque se você pensar a população de Campinas, católica,
ela também tem uma visão espiritualizada da doença.
Então, você tem uma atuação da igreja
que produz o guentos para proteger os corpos dos enfermos.
E até hoje é assim.
O tanto de gente, de tudo quanto a religião,
que pede oração quando está doente.
Então, você tem uma aproximação da maneira religiosa
de entender a doença e a cura, só que a matriz é diferente.
O Tito tinha uma circulação tão grande em Campinas
que, com o passar do tempo, começou a ser chamado de mestre Tito.
Há um reconhecimento da sabedoria dele
enquanto um curandeiro popular, por um lado,
mas, por outro, também tem uma concepção religiosa.
Porque essas duas coisas foram sendo construídas concomitantemente.
Ao mesmo tempo que ele vai se construindo como curandeiro,
ele vai se construindo como mestre religioso.
O mestre Tito era um adepto do que se pode chamar de um afro-catolicismo.
Porque ele era católico, era devoto de São Benedito.
Ele é um santo negro, tido como protetor dos africanos e dos descendentes.
A atividade dele enquanto curandeiro é concomitante à atividade dele
como mestre religioso, como líder religioso.
O santo o ajuda nas curas, o santo o ajuda na sua própria imunização
e, em contrapartido, como uma retribuição, ele constrói a igreja para o santo.
O mestre Tito conseguiu juntar dinheiro para construir uma igreja
em homenagem a São Benedito.
E a igreja existe até hoje, no centro de Campinas.
Então, o Tito está nessa confluência.
Ele é católico, mas ele é fortemente herdeiro dessa tradição africana,
da maneira como ele estabelece a sua relação como curandeiro, com a igreja e etc.
À medida em que o tempo foi passando,
essa tensão entre os chamados terapeutas populares e os médicos foi só crescendo.
Especialmente com o surgimento da classe médica brasileira,
quando essa turma começou a se formar aqui.
As primeiras faculdades de medicina foram criadas
só depois da chegada da Família Real Portuguesa, em 1808.
Acabaram sendo as primeiras instituições de ensino superior do país,
primeiro a de Salvador, depois a do Rio.
Aliás, isso mostra o tipo de preocupação que Portugal tinha com o desenvolvimento da colônia.
Só mais de 300 anos depois da invasão é que resolveram criar uma faculdade aqui.
E no caso dessas de medicina, ainda não eram nem faculdades também.
No começo, eram só escolas de cirurgia, uns cursos ainda bem precários.
Para entrar nelas, além de obviamente ser livre,
precisava saber ler e escrever, compreender francês e inglês.
Ah sim, e precisava ser homem.
Só em 1879 é que abriram para mulheres.
Foi só 10 anos depois da independência
que essas escolas se transformaram de fato em faculdades de medicina,
seguindo o modelo da Faculdade de Paris.
Aí aumentaram também os requisitos.
Agora, além de inglês e francês,
precisava saber latim e apresentar um atestado de bons costumes.
E tinha uma taxa de matrícula salgada, 20 contos de réis,
o que era um valor bem alto para a época.
Não por acaso, era um curso altamente elitista, absurdamente branco.
O que não quer dizer que não houve negros formados médicos nesse período, ainda que poucos.
É claro que houve.
E muitos deles de destaque, disruptivos.
Como a Maria Odília Teixeira, por exemplo.
A primeira mulher negra formada médica na Bahia
e também a primeira professora negra daquela faculdade.
Ou a Maria Odília Teixeira, por exemplo.
A primeira mulher negra formada médica na Bahia
e também a primeira professora negra daquela faculdade.
Ou o Juliano Moreira, também da Faculdade de Medicina da Bahia,
que revolucionou a psiquiatria no Brasil.
Mas até hoje, a proporção de médicos negros em comparação com a população é pequena.
Segundo o IBGE, só 20% dos médicos brasileiros são negros.
Um longo caminho.
Médicas negras e médicos negros ainda são a exceção.
A política do Estado brasileiro em relação às pessoas negras,
depois que derrubamos o regime da escravidão, a política foi a política de eliminação.
É para matar. Se não dá para matar, deixa morrer.
É matar ou deixar morrer, que é outro jeito de matar.
Racismo é aniquilamento, gente.
Aqui de novo, a Jurema Werneck.
Por que eu virei ativista da saúde? Porque eu queria.
Nem tanto, porque eu passei pela saúde, fiz medicina, trabalhei um pouco, mas larguei logo.
Mas o movimento não me deixou guardar o meu diploma na gaveta.
Movimento é o movimento negro.
O movimento negro sempre denunciou o extermínio, o genocídio e a morte,
que a gente tinha que fazer alguma coisa.
Onde tem o racismo, tem o racismo.