A HISTÓRIA DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS | EDUARDO BUENO
"Presidente, estamos pensando em fazer uma nova avenida" "Muito bem! E como ela vai se chamar?"
"Pensamos que talvez se chame Avenida 10 de novembro" "Não gostei
muito desse nome. Quem sabe escolhemos um nome de um
grande presidente brasileiro para homenagear?" "O Marechal Deodoro?" "Não, esse está
ultrapassado" "O Marechal Floriano?" "Não também não" "Que tal então Presidente
Vargas?" "Excelente ideia" disse o Presidente
Vargas. "Vamos fazer a Avenida Presidente Vargas".
Picaretagem! Picaretagem! Venha acompanhar mais um bota-abaixo no Brasil.
Era o glorioso mês de novembro de 1938, mais especificamente 10 de novembro
de 1938, estava se completando um ano do dia 10 de novembro de 1937.
E o que aconteceu no mês de novembro de 1937, seu ignorante? Vai lá! Vai pesquisar, cara.
Foi o chamado Golpe do Estado Novo. Em 1930, outubro de 1930, Getúlio Vargas tinha
derrubado o que passou a se chamar então de República Velha, a
República dos Fazendeiros, a República Belle Epóque e tinha tomado o poder, né?
Na chamada Revolução de 30. Embora a gente também possa chamar de golpe militar de
1930. Mas não foi bem bem um golpe. Golpe mesmo foi o que ele daria sete anos depois. No dia
10 novembro de 1937, quando realmente suspendeu a constituição, fechou o
congresso e mergulhou o Brasil numa das suas maiores... Numa não. Na sua maior ditadura.
Na sua mais sangrenta e mais repressiva a ditadura em todos os tempos.
Um ano depois, estava ele e o prefeito interventor do Rio de Janeiro, Henrique
Dodsworth, passeando pela Exposição Novo Brasil. Era uma maravilha a Exposição Novo
Brasil. Ela estava se realizando num pavilhão na então vazia Esplanada do
Castelo. O Morro do Castelo, você bem sabe, tinha sido derrubado em 1922, 24, 25.
Demoraram anos para derrubar, para arrasar o morro e ficou uma grande
esplanada vazia, onde depois surgiriam o Ministério do
Trabalho, Ministério da Justiça, vários prédios públicos que estão lá até hoje.
E ali fizeram uma exposição para mostrar o Brasil, o Novo Brasil e aí o
Henrique Dodsworth disse "Presidente, estamos pensando em fazer uma larga
avenida, transversal à Avenida Rio Branco". A Avenida Rio Branco você sabe, já viu aqui
no maravilhoso Não Vai Cair no Enem. Ta aqu ó, clica aqui em cima. A história da Avenida Rio
Branco, que tinha sido construída entre 1904 e 1906, pelo Rodrigues Alves, já
tinha tido um bota abaixo, o povo já tinha sido escorraçado para os morros em 1904, mas já
passava um tempão. Já era hora de escorraçar o povo outra vez, não é? E resolveram
então fazer uma avenida transversal à Rio Branco, que uniria o Centro do Rio
de Janeiro com a Cidade Nova. É bem engraçado o nome Cidade Nova porque, na
verdade, Cidade Nova era Cidade Celha, né? Ela passou a ser chamada Cidade Nova quando
Dom João VI chegou ao Rio de Janeiro, em 1808, né? O centro do Rio de Janeiro era ali
naquela zona portuária e o Dom João VI foi morar lá na Quinta da Boa Vista,
perto do Estádio do Maracanã, perto da Estação Leopoldina atuais, perto
da Central do Brasil e aquela área passou a ser chamada Cidade Nova.
Inclusive fizeram uma trilha pelo meio dos charcos, aquilo era cheio de charcos.
O Saco de São Diogo, que era um pântano perigoso, que depois foi aterrado.
Fizeram pra lá o Caminho das Lanternas porque era cheio de lanternas vermelhas.
Vermelha você sabe é uma palavra oriunda de verme. Vermelha vem de verme e era um
caminho de lanternas vermelhas que conduzia até à Quinta da Boa Vista. Mas não
era uma ligação efetiva, tanto é que, passados 130 anos de 1808, portanto 1938,
eles disseram "É preciso fazer uma avenida larga que una o centro do Rio
de Janeiro com a Central do Brasil, que estava surgindo, ali a grande estação
ferroviária com a estação Leopoldina, com um prédio do Ministério do Exército, que
já existia com o Campo de Santana. Resolveram então fazer uma nova avenida,
ela teria 4 quilômetros de extensão por 80 metros de largura. Seria
a maior avenida do mundo. Só que vazou a informação e Perón lá na Argentina disse
"na na ni na não, a nora avenida do mundo vai ser a minha"
E ele fez lá a 9 de julho, que é maior do que a Presidente Vargas.
Só que o Presidente Vargas ainda não tinha nome e aí o Henrique Dodsworth disse
Presidente Vargas "Como pode chamar essa avenida?"
Aliás, o Vargas perguntou para ele "Como essa avenida vai se chamar?" E ele disse "pensei em
chamá-la 10 de novembro" que é o dia do Golpe de 1937.
E o Vargas disse "quem sabe a gente escolhe um nome de um grande presidente
brasileiro para homenagear?" e aí pessoas perto, aqueles raposos disseram
"Marechal Floriano? Marechal Deodoro?" Henrique Dodsworth disse "Que tal Presidente
Vargas?" E o Vargas disse "Excelente! Vamos fazê-la" e decidiram fazê-la e começaram de
fato a fazê-la, em 1941, três anos depois. A avenida fazia parte do antigo plano
Agache. O Alfredo Agache era um urbanista francês que, aliás, foi criador da
palavra urbanismo, que tinha sido trazio para fazer um grande plano de
reurbanização do Rio de Janeiro. Esse Agacha ganhou 17 mil contos, não sei
quanto é que 17 mil contos, só sei que é uma fortuna para fazer o tal plano Agache, que
não saiu do papel, em 1922. E aí o plano acabou sendo revitalizado e posto em
prática todos esses anos depois. A picaretagem exatamente que nem no caso
da Avenida Rio Branco. A picaretagem se iniciou em abril de 1941 e os caras
destruíram 900. Pera aí! Pera aí! Preciso olhar aqui. 958 e foi no dia 19 de abril de 1941
diz aqui a minha cola porque eu passei a vida inteira colando no colégio, não vai ser
agora que eu não vou colar na tua frente. 958 prédios. Só derrubaram prédios de
pobre é claro, não é?
A esta altura vocês aí da platéia já estarão perguntando aos vizinhos de
poltrona que obras serão essas que se estendem por tantos quartões e que
mobilizam tantos operários. Na verdade, não há nenhum mistério nisso, amigos.
Estamos no ano de 1943, em pleno centro da nossa querida cidade de são sebastião
do rio de janeiro, assistindo as obras iniciais da abertura da Avenida
Presidente Vargas hoje a mais importante artéria da
capital da República.
Planejam os engenheiros, fibram os músculos dos operários, movimentam-se ruidosamente
as escavadeiras numa autêntica sinfonia de trabalho, na realização da grande obra.
A cidade cresce vertiginosamente e urge da metrópole uma avenida moderna, que vem
descongestionar o tráfego e facilitar o escoamento para a zona norte. Além da
Rio Branco, já se torna pequena para conter o número sempre crescente de viaturas.
Mas o mais legal é que a avenida ela
seria um pouco mais à direita do que ela é. E aí o Presidente Vargas, este homem de
visão disse "Quem sabe passa a avenida um pouquinho mais para a esquerda?" Só que ao
passá-la pra esquerda, na verdade, estava tomando uma atitude
de direita porque ele desviou o trajeto da avenida, é verdade, pra passar exatamente em
cima da Praça Onze.
Por que? Porque a Praça Onze era reduto de comunidades afro-brasileiras, para não
dizer negão, né? Era um dos berços do samba no Brasil,
lá tinha a tia Ciata, sob a qual um dia falaremos aqui e era cheio de imigrantes
judeus de esquerda e anarquistas italianos e espanhóis. Aí o Vargas "Bom,
vou construir uma avenida e aí tem um lugar no Rio de Janeiro que é cheio de
anarquistas espanhóis, anarquista italiano, comunista e negão". Passou por
cima! Passou por cima da Praça Onze e acabou a Praça Onze. Tô falando
sério. Vai e tenta descobrir no mapa onde é que fica a Praça Onze. A Praça Onze fica num
canteiro. Um canteiro onde anos depois o Darcy Ribeiro resolveu fazer uma
homenagem ao Zumbi e botou uma escultura aliás roubada, duma escultura
do museu britânico, uma escultura nigeriana com a cabeça do Zumbi. E é uma
maravilha, né? Porque ao fazer isso ele botou o Zumbi decapitado, né? Ele
reproduziu o que os caras que mataram o Zumbi fizeram. Porque quando Zumbi foi
capturado e morto, cortaram a cabeça dele e botaram em praça pública e hoje está
lá a homenagem involuntária do Darcy Ribeiro
aos caras que decapitaram zumbi, né? Mas pelo menos existe aquela lembrança ali, faz
sentido porque é o Zumbi. Bom, mas nenhuma avenida do Brasil nenhuma, nem mesmo a
Avenida Rio Branco ocupa um papel na história como a Avenida Presidente
Vargas. Não exatamente ela, mas esse trajeto. Porque foi nesse trajeto que o
Tiradentes foi enforcado na atual Praça Tiradentes, que fica quase do lado
da atual Presidente Vargas. Foi nesse lugar no Campo de Santana, chamado Campo
da Aclamação, que o Dom João, que era príncipe regente virou rei. Foi nesse
local que o Dom Pedro I foi aclamado imperador, por isso o Campo da Aclamação,
também chamava Campo da Aclamação já antes, com o Dom joão VI. E foi nesse
local que o Dom Pedro II virou imperador também, num episódio que você já viu aqui
no Enem, quando o povo gritava "Queremos Dom Pedro II embora não tenha idade.
O país dispensa a lei e viva a maioridade" né? Que maravilha o Brasil
dispensa lei e cantando e o Dom Pedro II virou imperador também ali. Aí, cara, ali
do lado morava o Marechal Deodoro da Fonseca e
ele saiu da casa dele, que era na frente do Campo de Santana e foi até o Ministério do
Exército e derrubou o império justamente ali proclamando a
república exatamente onde hoje fica a Avenida Presidente Vargas.
Além disso, foi ali que o João Goulart fez o comício da Central do
Brasil, no dia 13 de março de 1964 sendo derrubado logo depois. E onde é que o golpe
foi articulado? O golpe de 31 de março de 64? Ali no Ministério do Exército, que fica
do lado da Central do Brasil e onde é que começaram os movimentos de protesto
contra o regime militar em 1968? A chamada passeata dos cem mil? No exato
encontro da Rio Branco com a Presidente Vargas. E onde é que se deu o movimento
pelas Diretas Já? Exatamente na esquina da Rio Branco com
a Presidente Vargas. E onde é que se deu o movimento para
derrubar o Fernando Collor? Os caras pintadas? Exatamente na Presidente Vargas.
Quer dizer, é uma rua por onde o Brasil desfila e desfila sem se reconhecer
porque neguinho esquece da história. Então é um monte de prédio. É um monte de
engarrafamento. É um monte de poluição. É um lugar horroroso a Presidente Vargas hoje.
Ela decreta o início do reinado do automóvel. Esse meio de transporte
horroroso e também o transporte coletivo brasileiro, igualmente horroroso com o
trem da Central do Brasil cheio, com o trem da Central da Leopoldina com os
ônibus engarrafado, cheio de pivete e é no começo da avenida que fica a igreja
da Candelária, onde teve o Massacre da Candelária, né? O Massacre da Candelária,
daqueles garotos de rua que foram mortos. Então, é o seguinte, cara. Povo que não
conhece a sua história está condenado a ficar engarrafado na Avenida Presidente
Vargas.
Então, tchau!
O que você acaba de ver está repleto de generalizações e
simplificações, mas o quadro geral era esse aí mesmo.
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram. Ah, então você vai ter que ler.