A HISTÓRIA DA PRIMEIRA FAVELA DO BRASIL | EDUARDO BUENO
As coisas têm nome e a gente tem que dar o nome correto das coisas, tipo dar nome
aos bois. Então, o nome é favela! Favela! Repita
comigo! Favela! Vela, vela! Acenda uma para a nossa primeira favela.
Não sabe o que é favela? Sabe ou não sabe? É claro que sabe. Favela é
uma árvore, cara, é uma árvore de três a cinco metros de altura da família das euforbiáceas.
A mesma família da seringueira. É uma árvore que tem favos. Daí, favela.
Favos verruginosos, que têm umas verrugas e essas verrugas são
profusamente espinhosas e esse espinho é um espinho cáustico, que quando pega a tua
pele tem uma espécie de látex, que dá uma ardência horrorosa, mas pior! Esse espinho
entra na tua pele porque são aqueles espinhos andarilhos, caminhantes, ele vai caminhando e
tem neguinho que diz que chega até o coração e é assim que a gente chega ao
coração da questão, cara. Como é que surgiram as favelas? Por que hoje favela quer dizer
comunidade, quer dizer os barracos nos morros?
É simples, cara, porque tudo começou no Morro da Favela.
Onde é que era o morro da favela, ô mané? Tu não viu o episódio de Canudos na semana
passada? Vê lá, vai lá, clica lá! Canudos! Só que o
seguinte: eu não falei do Morro da Favela. Falei!
Mas muito rapidamente do Morro da Favela. O Morro da Favela
ficava no interior da Bahia no Arraial de Canudos. Foi em cima desse morro que o
exército brasileiro botou um canhão chamado a matadeira e mirou exatamente
na igreja de canudos. Um ataque final que acabou arrasando aquele arraial
evangélico liderado pelo Antônio Conselheiro. Esse morro estava coberto de
uma árvore chamada favela. Os soldados brasileiros que foram convocados, alguns
deles meio que à força, para combater os miseráveis de canudos em 1897, voltaram
para o Rio de Janeiro e um dos motivos pelos quais eles tinham se alistado, ou meio
que sido levados conduzidos para participar desse massacre, é que eles
haviam recebido a promessa de que teriam uma casa própria.
Tão logo retornassem desse confronto. Eles foram lá mataram 25 mil sertanejos, sujaram
as suas mãos com sangue, retornaram para o porto do Rio de Janeiro e foram esperar
a sua casa própria e vão para a frente do ministério do exército, no mesmo lugar
onde hoje ainda existe uma grande instalação do exército, no fim da Avenida
Presidente Vargas, à sombra do morro que então se chamava o Morro da Providência,
pois nenhuma providência era tomada pelo exército e os caras acabam subindo esse
morro e algumas fontes dizem até que as grandes caixas de madeira, nas quais os
canhões Krupp, comprados da empresa bélica alemã Krupp, que ainda existe, estavam
ali e com aquelas caixas. Talvez seja lenda, mas pelo menos faz sentido.
Aquelas caixas. Eles subiram e construíram os seus barracos no morro que, até então
chamava Morro da Providência.
A questão é que já havia barracos. Isso se deu em 1897, virada para 1898. Na verdade, já era
1898. A questão é que esse Morro da Providência, que aliás tem milhões de anos, né? É um morro de granito, que existe, portanto, há provavelmente 800
milhões de anos, portanto ele já estava aqui quando a cidade do Rio de Janeiro
foi fundada em 1565 e a cidade nasceu ali na zona portuária, foi se expandindo,
chamou Cidade Nova, hoje ainda chama Cidade Nova, mas foi batizada de Cidade
Nova no tempo do Dom João VI porque ficava ali perto da Quinta da Boa Vista,
que era o palácio onde Dom João morou, onde Dom Pedro I, onde Dom Pedro II morou.
E esse morro se chamava Morro do Paulo Caieiro, já se chamava
assim em 1600 e tanto, depois passou a chamar Morro da Formiga, depois passou a
chamar Morro do Livramento, ele ainda conserva esse nome em alguma parte dele
porque na verdade é tipo uma espécie de cordilheira, né? Tem vários nomes, do
Valongo. Começa lá no Morro da Conceição, vai pelo Morro do Valongo, chega no Morro
do Livramento e chega no morro que, então, passou a ser chamado Morro da
Providência. Providência no sentido de o todo poderoso, a providência de deus, mas
ainda tem um jogo verbal porque alguns dizem que passou a se chamar Morro
da Providência porque o exército não tomva nenhuma providência para dar as
tais casas que tinha prometido para os combatentes de Canudos. Não é verdade, mas
pelo menos o jogo verbal faz sentido. Outro jogo verbal que também faz sentido
é que os combatentes de Canudos, especialmente as chamadas vivandeiras,
eram as mulheres que acompanharam essas tropas para Canudos, algumas delas,
inclusive, era mulheres dos caras ou amantes ou amancebadas, outras não eram nada.
Eram vendedoras de comida, eram mulheres que forneciam, que esquentavam, que cozinhavam
os mantimentos, a comida para o exército, quando o exército estava lá em Canudos.
Essas vivandeiras não apenas vieram junto de volta para o Rio de Janeiro, de onde,
provavelmente, tinham saído, como subiram o morro e não apenas subiram o morro, como
se diz, que elas tinham conseguido o crucifixo que pertencia à própria igreja
de Antônio Conselheiro, lá em Canudos.
E ergueram um oratório e ergueram um campanário lá no topo do Morro da
Providência. Que ainda existe! Ainda existe! A questão é que para chegar
lá não é mole. Eu cheguei lá uma vez, mas é difícil chegar lá e esse crucifixo
estaria lá. Inclusive, foi tombado pelo patrimônio
histórico nacional na década de 1970 esse campanário.
Bom, o fato é que já existiam pelo menos cem barracos no Morro da Providência
antes de que os combatentes de Canudos ocupassem e o rebatizassem sem como o
nome de Morro da Favela. Esses barracos eram de pessoas que tinham sido expulsas
daquela que se chama a primeira cortiço brasileiro porque não chamava favela,
chamava cortiço e até aquele livro maravilhoso, que você foi obrigado a ler
no vestibular do Aluísio de Azevedo, O Cortiço e como tu foi obrigado achou que o livro é chato,
mas não é chato. É maravilhoso! Se eu fosse tu ia lá ler ler de novo O Cortiço de Aluísio de Azevedo.
Ele conta a história de um cortiço chamado Cabeça de Porco, que ficava
justamente ali nessa região perto do atual Campo de Santana, Campo da
Aclamação, a Central do Brasil e esse no lugar que foi o Ministério do
Exército, pois esse cortiço dizem que pertencia ao Conde D, o genro do
Dom Pedro II, marido da Princesa Isabel.
O fato é que esse curtiço acabou sendo arrasado pelo prefeito Barata
Ribeiro, em 1893. Ele mandou desocupar o cortiço porque o
engenheiro Carlos Sampaio ia fazer um túnel
ali naquela região e urbanizar, não sei que, não sei que. Inclusive o Ângelo
Augustinho, que foi um jornalista e, acima de tudo, um ilustrador maravilhoso, que
tinha um jornal satírico, escreveu "quem diria que uma barata seria capaz de
devorar um porco" e devorou porque, em janeiro de 1893,
eles atacaram. A polícia atacou esse cortiço e devastou o cortiço, expulsando
dali 4 mil pessoas. E por que que chamava cabeça de porco? Que daí virou um nome
quase um sinônimo de cortiço, cabeça de porco, mas o original era esse porque
os ricos botavam um leão na entrada de sua chácara, daí que vem
a expressão Leão de Chácara! Que programa maravilhoso. Você está sempre
aprendendo. Inclusive tinha que ter uma vinheta aqui "morrendo e aprendendo com Eduardo Bueno".
Leão de Chácara vem daí porque os caras faziam pórticos com leão e aí o
povaréu botou o que? Botou uma cabeça de porco. De início era uma cabeça de porco
verdadeira, né? Depois fizeram uma escultura de argila lá com uma cabeça de porco, o local
chamava Cabeça de Porco. Foi devastado o lugar foi, derrubado o lugar e aí alguns dos
refugiados subiram o Morro da Providência, ou Morro da Formiga, ou Morro do Livramento
fazendo ali esses casebres. E em 1898, esses casebres aumentaram grandemente em
número e os combatentes anunciaram "Olha! Parece o Morro da Favela" e virou
Morro da Favela, meu chapa. E a favela só fez crescer, especialmente porque quando
teve o bota-abaixo, que falaremos aqui nesse programa num episódio posterior.
O bota-abaixo para dar origem à Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, no Rio
de Janeiro, também o prefeito Pereira Passos mandou derrubar um monte de
cortiço, que ficavam na zona central do rio de janeiro, em torno da Igreja da
Candelária especialmente, mais de 500 imóveis foram derrubados e essas pessoas,
sem ter onde morar e expulsas pelo governo federal, pelo governo estadual,
pelo governo municipal do Rio de Janeiro foram se instalar aonde? No Morro da
Providência, no Morro da Favela, dando origem à favela.
E hoje o Brasil é assim "Nós estamos com problemas com as favelas! Olha
quantas favelas! O morro vai descer para o asfalto!" Aliás, eu falei que o morro ia descer para
asfalto aqui no episódio da Revolta da Vacina e um monte de gente porque
tem essa gente que fica comentando. Eu não quero comentário no Youtube. Não me
interessa a tua opinião. Aí, me acalmando, tomando meu remédinho. É isso, cara, é uma
metáfora. O morro descer para o asfalto é uma metáfora. Não pensa que eu sou a
favor do asfalto ou a favor do morro e, inclusive, eu estou contra tudo e contra
todos. Menos contra você que vai dar um like nesse episódio. E antes de me interromper
bruscamente, eu estava falando sobre o que mesmo? Eu estava falando sobre o
Morro da Favela, a favela original, que começou a virar um problema. Um problema
criado, evidentemente, pelo próprio Brasil, pelo próprio governo brasileiro, mas a
favela foi crescendo, a favela foi desenvolvendo e a favela acabou
virando a arte, meu irmão. Virando arte! Porque, em 1935, o grande cineasta Humberto Mauro, cara,
fez um filme chamado Favela dos Meus Amores, filmado ali. Depois teve
Orfeu do Carnaval, que também era uma peça de teatro escrita pelo
Vinícius de Moraes, que depois virou filme do Marcel Cami,
depois teve o filme Cinco Vezes Favela, também espetacular. E na favela, no morro
da providência, o samba teve grandes momentos, grandes sambistas, grandes
malandros cariocas. Muito da cultura popular brasileira surgiu no Morro da
Favela, no Morro da Providência e o morro continua lá, o Rio de Janeiro continua
lindo e continua problemático e o Brasil
continua tendo problemas para conviver com as comunidades, que hoje dizem que
a gente não pode mais chamar de favela, tem que chamar de comunidade.
Então, tudo bem, eu vou chamar de comunidade porque você já sabe que favela é uma árvore, uma
árvores espinhenta, que quando entra na tua circulação. Então o seguinte, cara, povo
que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.
Vocês vão ter mais 500 anos iguais que passaram, a não ser que você
seja salvo pelo Canal Buenas Ideias e pelo programa Não Vai Cair no Enem.
Muito obrigado, até a próxima
O que você acaba de ver que está repleto de
generalizações e simplificações, mas o quadro geral era esse aí mesmo.
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram. Ah, aí então você vai
ter que ler.