O MINISTRO SINISTRO - EDUARDO BUENO
Qual a maneira de você realmente entender, compreender e analisar um país? Eu vou te
dizer, cara: não é sabendo quem é o rei, quem é o imperador, quem é o presidente,
e nem mesmo quem é o povo. Uma maneira exemplar, maravilhosa, quase uma radiografia de uma
nação está em você analisar quem é o ministro da justiça. E eu vou te dizer, cara:
o nosso ministro da justiça é ladrão, é venal, é sem vergonha... Ele roubou! O ministro
da justiça é uma vergonha! Fica sentado aí que eu vou te provar palavra por palavra
tudo o que eu disse. Assiste o episódio até o fim e tu vai concordar comigo! "Sinistro,
sinistro, não pode haver justiça com esse ministro!". Cara, o passado, em geral, não
ensina nenhuma coisa para a gente. O passado é uma coisa, estanca, depois vem o presente
e lá adiante o futuro! Não são coisas conectadas, não é preciso aprender história, a história
seria assim mais uma diversão, um divertimento, quase uma série, assim dessas da Netflix.
Aliás, bem que esse canal podia estar na Netflix, né. Você não acha que esse canal
podia estar na Netflix? Manda lá uma carta pro Netflix: "Buenas Ideias no Netflix!".
Bom, como dizia eu antes de me interromper tão estupidamente, a justiça brasileira,
começou, nasceu, aonde? A justiça no sentido jurídico? Nasceu em Portugal. Nasceu no mundo
ibérico. E o que que os portugueses do século 16 achavam e julgavam da Justiça? Eles achavam
que a Justiça era "o atributo mais importante do governo e a justificativa primeira do poder
real". A aplicação da Justiça, só existe reino, só existe poder real se a Justiça
é aplicada. E, baseadas em precedentes romanos, em Portugal as questões do Direito tinham
separado muito claramente as questões fiscais das questões jurídicas, né. E aí cara,
não foram os escrivães, não foram os fiscais, não foram os vedores da Fazenda, não foram
os caras ligados aos impostos, aos tributos e ao dinheiro que assumiram o poder na vasta
burocracia imperial que Portugal teve que estabelecer tão logo se expandiu pelos mares
do mundo, né. Foi o maior império ultramarino daquele momento específico, do alvorecer
do século 16. Quem assumiu realmente o poder em Portugal e aí conseguiu expandi-lo para
as suas colônias foi o sistema judiciário. Foram os caras ligados ao aparelho jurídico.
Que seja, quais sejam os escrivães, corregedores de justiça, meirinhos, juízes e, acima de
todos, pairando como sobrejuízes, como de fato eram chamados, os desembargadores. O
órgão central burocrático do Império Português do Século 16 foi o Desembargo do Passo, a
chamada "casinha", porque de fato era uma casinha, onde, de início, seis desembargadores
detinham uma grande quantidade de poder e toda, uma vez por semana, às sextas-feiras,
o rei Dom Manuel e depois seu filho, o Rei Dom João III, iam lá confabular e decidir
os destinos e os caminhos do Império. Era uma lei também que ajudava... todo esse aparelho
jurídico aí... ajudava a manter intacto um dos preceitos básicos do mundo ibérico:
de que aquela era uma sociedade desigual, divida entre homens de alta condição e homens
de baixa condição. E a lei era diferente pra eles, isso que é o melhor de tudo, né.
Porque isso fazia parte da representação mental coletiva, as pessoas tinham plena consciência
de que existia gente superior e gente inferior, e a lei geral do reino sancionava essa desigualdade.
Tanto é que as chamadas "pessoas de baixa condição" eram os "peões". Que que quer
dizer "peão"? Peão é aquele cara de chão de fábrica lá no ABC Paulista! Hahaha! Uma
vez peão sempre peão! Não, cara, "peão" quer dizer "aquele que anda a pé". A pessoa
que andava a pé não podia servir seu rei a cavalo, entendeu. Então, quando estourava
uma guerra, e ele era convocado, ele era um soldado raso, um soldado a pé, um soldado
da infantaria. E quem tinha um cavalo era "cavaleiro", dando origem inclusive à palavra
"cavalheiro", e esse era um homem de alta condição, podia servir o seu rei a cavalo,
né. A cavalaria sempre venceu a infantaria ali no período medieval e está na origem
do poder dos reis, do poder dos ricos sobre os pobres. A porra do cavalo, não é. Então
os homens de alta condição, que de início eram cavaleiros, viraram cavalheiros e viraram
ricos, eram "fidalgos". Que quer dizer "fidalgo", cara? "Filho de algo", "fidalgo". Filho de
algo, filho de alguém, o cara dava um carteiraço, "sabe com quem tá falando!? Sou filho do
fulano!". Exatamente. E os fidalgos não podiam ser condenados nem a açoites, nem à chamada
"pena vil". A pena vil era a pena de morte. Só os peões, só você, que é um peão,
só você que é um miserável, operário desgraçado, nem sei como tem dinheiro pra
ter um computador e tá me vendo aqui, podia levar açoite, né, tcha tcha tcha, chibatada,
e ser condenado à morte. Então, esse aparato ã ã ã judicial de Portugal e da Espanha
e, na verdade, do resto da Europa inteiro, mantinha intacta a essa desigualdade. Desigualdade
que foi aumentando cada vez mais, à medida que as pessoas ligadas ao Judiciário foram
ficando cada vez mais ricas, e obtendo tensas, obtendo isenções de imposto e obtendo regalias
e obtendo uma série de favores num regime nítida, absurda, gritantemente clientelista
e nepotista, porque eles davam emprego um pro outro. E é o seguinte, cara, pra tu virar
desembargador, que era o topo da carreira udiciária, não bastava tu ser um aluno brilhante
em Coimbra ou em Salamanca, onde basicamente eles estudaram, era importante também que
o teu pai também tivesse sido desembargador!!! E aí de vez em quando tu vê umas matérias
assim: "uma família de desembargadores" HOJE NO BRASIL "fulano, o avô de Dadadã, o pai
de desembargador, o filho desembargador"... E ainda é considerado isso daí LEGAL! Legal
no sentido de bacana. Pelo amor de deus! Eu vi uma matéria uma
vez na Zero Hora, de Porto Alegre, "família de desembargadores". SIM, SIM!!! Bom, era
assim, né. Bom, a questão da Justiça do Brasil foi muito atribulada durante as Capitanias
Hereditárias. Um dia eu ainda vou falar sobre isso. Porque os donatários tinham que trazer
todo o funcionalismo que eles próprios iam ter que pagar, né. Só os cobradores de impostos
eram do Rei. Os caras da Justiça tavam ligados ao Judiciário mas quem pagava os vencimentos
deles eram os próprios donatários. E a lei era uma para cada capitania, então se tu
cometesse um crime numa capitania e fugisse pra outra, tu não podia ser condenado naquela
capitania. Então era uma desordem completa, deu tudo errado nas capitanias, como você
sabe, né. Então quando o governo chama pra si a responsabilidade de colonizar o Brasil,
a partir de 1549, e está tudo escrito neste extraordinário, fantástico, maravilhoso
livro aqui ó, pra essa câmera aqui, "A Coroa, A Cruz e a Espada", tudo isso que eu tô te
falando tá nesse livro, TU TEM QUE LER, se é que tu sabe ler, em vez de ficar só ouvindo!
Quando o governo chama pra si a responsabilidade de colonizar o Brasil e estabelece o governo
geral, chega, pela primeira vez no Brasil o aparato burocrático da cobrança de impostos,
né, os cobradores de impostos, os fiscais da Fazenda, os auditores, essa gente legal,
estamos todos apoiando eles sempre, e chega, chegam os representantes do Judiciário, da
Justiça. E chega um cara que é o ouvidor geral. Ouvidor geral é o cargo que a gente
poderia dizer que é equivalente a Ministro da Justiça. O primeiro Ministro da Justiça
da história do Brasil. Meu personagem favorito! Já dei um milhão de palestras sobre o extraordinário
Doutor Pero Borges. O Doutor Pero Borges ganhou esse cargo que era a mais alta instância
do poder Judiciário no Brasil, em 1548, chegou no Brasil em 1549... Só que ele tinha a ficha
suja! É, é, a lei da ficha limpa não colou, naquela época. Sabe por quê? Porque em 1543...
Eu já contei essa história aqui! Vai lá pra ver se eu tô me repetindo, se eu tô
copiando de mim certo ou se estou copiando errado. É assim cara, eu já contei essa
história na Fundação de Salvador, na Fundação da Primeira Capital do Brasil. Porque ele
é um cara que vem junto com o Tomé de Sousa, vem junto com o primeiro ministro da Fazenda,
que chamava provedor mor, que é o Antônio Cardoso de Barros... Vem o doutor Pero Borges.
O Doutor Pero Borges tinha sido corregedor da Justiça em Elva, no sul de Portugal, quase
fronteira com a Espanha e foi encarregado de supervisionar a construção de um aqueduto.
É, um aqueduto. Aí aquela é uma época tão primitiva, tão primitiva, eu já fiz
essa piada antes, que a obra parou no meio. E o povo fica assim ó esperando a água chegar.
Quando a obra parou no meio, naquela época as obras públicas paravam no meio... Houve
um clamor popular, é, um clamor popular, e foi convocada uma comissão de inquérito.
É, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara de Vereadores de Elva, em Portugal.
Não tô brincando, cara, eu adoraria estar brincando, mas é verdade. E aí chamaram
pra depor um empreiteiro. Sim, porque a obra foi construída em regime de empreitada, em
regime de empreitada. POR UM EMPREITEIRO! Não é uma maravilha!?!?! Por um empreiteiro!
Então, o empreiteiro disse o seguinte "o doutor Pero Borges recebia indevidamente quantias
de dinheiro que eram levadas à casa, provenientes da obra do aqueduto, para que fossem, sem
a presença de um depositário nem um escrivão"... disse na delação premiada o empreiteiro!
É, cara, é é é. Aí o doutor Pero Borges foi rapidamente promovido a desembargador,
só podia ser julgado pelos seus pares, aí foi adiando, adiando, adiando, o julgamento
deles, aí tem uma troca de WhatsApp, impressionante, tem uma troca de WhatsApp entre ele e o e
o e o PROMOTOR, HAHAHA, e aí um site canalha roubou, ROUBOU, ROUBOU, a troca de mensagens
do Doutor Pero Borges em 1548, contra ali, ali com relação ao promotor, e aí, mesmo
assim cara, o desembargador foi condenado a devolver metade da grana... É sensacional,
né... E nunca mais ocupar um cargo público. Nunca mais ocupar um cargo público! Isso
ficou decidido e quem assinou a sentença foi o rei Dom João III. E isso foi no dia
17 de maio de 1547. Né. E aí no dia 17 de dezembro de 1548 ele foi, escolhido pelo mesmo
rei, Ouvidor Geral do Brasil. E veio para ser O PRIMEIRO MINISTRO DA JUSTIÇA DO BRASIL!!!
O PRIMEIRO MINISTRO DA JUSTIÇA DO BRASIL!!! Não chamava assim, chamava Ouvidor Geral,
mas era o primeiro Ministro da Justiça do Brasil! É isso cara. Então, pra que estudar
história? Pra que se interessar por história? Porque a gente sabe que a história JAMAIS
se repete! A história JAMAIS se repete! Não há nenhuma ligação entre presente, futuro
e passado e é isso, cara, vai jogar videogame em vez de ficar se metendo com História.
Tá bom? Então tá, tchau.