O TRAFICANTE DOS TRAFICANTES - EDUARDO BUENO (1)
Cara, eu sei que tu tá de saco cheio da incompetência do Brasil. Tu diz "não é possível, esse
país ineficiente, esse país que não funciona, esse país que não sabe ganhar dinheiro,
esse país que não se integra ao grande jogo de trocas mercantis da globalização, é
impressionante... com todo esse potencial, com todas essas riquezas naturais, por que
que o Brasil não sabe fazer negócio?". Tu tá enganado, cara. O Brasil já foi o país
do mundo mais eficiente num determinado tipo de comércio. No comércio de gente, no tráfico
de escravos. Nenhum país foi tão eficiente, nenhum país executou isso com tanta grandeza,
com tanta astúcia.. astúcia é a chave do negócio... com tanta visão, é... Porque
os caras produziam aqui no Brasil tabaco de terceira e cachaça de segunda que vinha das
plantações de fumo e das plantações de cana que eram plantadas por quem, que eram
colhidas por quem... Por escravos! Levavam açúcar de primeira e o tabaco de primeira
pra Europa, abasteciam lá na Europa com alguns tecidos e trocados, iam até a África também
cheios de tabaco de terceira e cachaça de segunda, viciaram tribos inteiras de... africanas
em tabaco e em cachaça, e também claro, naqueles tecidos, e trocavam por mais escravos.
Levavam, traziam os escravos de volta pro Brasil, já que eles duravam sete anos, né,
essa gente gastava, impressionante, sete anos, que ingratidão deles, a gente pagava um dinheirão
e o cara só durava sete anos! O bom é que ele se pagava em quatro, né, então tínhamos
três anos de lucro do trabalho desses caras, né. E assim cara, um grande comércio triangular
que rendeu muito dinheiro, que fez muitas famílias que hoje tem sobrenomes pomposos
ricas e felizes. Mas nenhum, nenhuma dessas famílias, nenhum desses traficantes chegou
aos pés do extraordinário, do inigualável Francisco Félix de Souza, o Chachá, o vice-rei
de Udaiá, O MAIOR TRAFICANTE DE GENTE DE TODOS OS TEMPOS, que você vai conhecer agora
numa história que deveria cair todos os dias no Enem, mas que não cai. "Chocante, chocante,
venha conhecer a história do maior traficante!". Cara, o Francisco Félix de Sousa, dizem que
ele era mais malvado que o Felix da novela "Amor à Vida". Hahaha última novela que
eu acompanhei, como eu adorava o Félix! Pois é, é envolto em mistério, claro que é
envolto em mistério a maior, boa parte da vida daquele que viraria Chachá. Chachá
é um título que foi dado a ele, que quer dizer tipo assim, primeiro amigo, sabe assim
tipo o PC Farias do Collor ou o Zé Dirceu do Lula. Primeiro amigo, sabe como é que
é, o cara que tã. Chachá, ele era o primeiro amigo do Dadá. Que quer dizer Dadá, cara?
Dadá era o título dos reis do Daomé, né, um reino super agressivo ali da da da África,
né, na chamada, não sei por quê, Costa dos Escravos, que hoje é o Benim ou Benin,
se você for francófilo que nem é o canal Buenas Ideias, né. Ali Nigéria, né, e Benin,
que era essa costa de onde veio o maior número de escravos pro Brasil, não é, e pra vários
outros lugares do mundo, pra Havana, pra Cuba, porque o nosso extraordinário Chachá também
exportava escravos para as plantações de cana de Cuba. Ninguém sabe como é que ele
foi dar com os cos.. ninguém sabe na verdade quando que ele nasceu, né. Alguns dizem que
foi 1754, outros dizem que foi 1768, o que se sabe é que ele nasceu na Bahia e muito
provavelmente em Salvador. E mais provavelmente ainda que foi degredado, o cara já era gente
fina, né, foi degredado pra cidade de Badagri, Badagri é um, era, quando ele chegou lá
um pequeno entreposto comercial na Nigéria, e graças ao empreendedorismo, à visão e
à competência e à eficiência do extraordinário Francisco Félix de Sousa, um dos maiores
empreendedores da história do Brasil, que injustamente o Brasil não reconhece, se transformou
num tremendo entreposto de escravos. Só que antes disso ele virou escrivão e almoxarife,
mesmo tendo sido degredado, escrivão e almoxarife da grande fortaleza de São João Batista
de Judá, né, a Fortaleza de Judá ou a Fortaleza de Juda, né, que os portugueses tinham criado
já no século 16 e que era o mais terrível entreposto de escravos da história do mundo,
né, com as suas masmorras gotejantes, as suas paredes limosas onde milhares de tribos
e milhares de escravos ficavam aguardando o momento de serem transportados num cruzeiro
para o Brasil. E o Francisco Felix de Sousa viveu ali, conheceu aquele ambiente e começou
a ter ideias, ter ideias. Na verdade dizem que ele voltou pra Bahia, se acha mesmo que
ele voltou pra Bahia, e em 1800 ele tava na Bahia. Aí então ele retorna pra pra África,
pra Benin, e ele se torna... e vai pra uma cidade chamada Popô Pequeno. Ahaha não é
bonitinho? Popô Pequeno, parece que do lado ficava o popô grande. E lá em Popô Pequeno
ele vai pra uma ilha próxima chamada Ilha de Glipe, e ali ele se casa, é, ele se casa
com a filha do rei Comolangá. É, casou com a filha do rei, se deu bem, parará parará,
se vinculou com uma linhagem real ali dessa costa africana, repetindo, chamada não sei
por quê de Costa dos Escravos, e aí se muda pro Daomé, né, que era o reino que realmente
escravizava todos os reinos ali do lado, se metia em mil guerras tribais barará barará
barará, e começou a haver uma demanda cada vez maior né, já havia, desde a descoberta
das minas, desde o início do plantio do açúcar no Brasil, na verdade, né cara, só que isso,
a maior parte dos escravos até então vinha de Angola, né, os escravos que os holandeses
e portugueses usavam na plantação de açúcar. Mas depois são descobertas as minas lá em
Minas Gerais né, lá por volta de 1670, por aí e vai aumentando, aumentando a demanda
de mão de obra barata, no caso escrava, não é, e o Chachá vai vendo tudo aquilo ali,
parará parará, e resolve entrar nesse negócio. Sabe como é que ele entrou nesse negócio,
cara? É maravilhoso, é maravilhoso, que empreendedor. A religião daquela região
ali tinha um pouco a ver com o vudu, né, chamava vudu inclusive, embora o vudu seja
haitiano, né, lá do Caribe. Mas faziam oferendas aos deuses com búzios, e os búzios eram
a moeda da época, inclusive na Bahia também né, que tinha muito búzio na Bahia, era
moeda na África e na Bahia, e ele roubou, ele roubou os búzios dos templos, ele roubava
oferenda, ele roubava oferenda!! Imagina onde o Chachá está ardendo nesse momento, né,
ele roubava as oferendas cara, dos templos, e aí fez um capital inicial e aí aprendeu
a vender escravos a crédito, a crédito, e ele estudava as flutuações do mercado,
as flutuações do mercado, não é, e aí em 1815, né. Bom, daí ele se muda lá pro
Daomé e fica amigo do Dadá Adandozan, Adandozan, era o Dadá, Dadá quer dizer "rei", Idi Amin
Dadá, né, Vinde a mim Dadá, né, então o Dadá era o Adonzan, ele ficou numa boa
lá com o Adonzan. Aí em 1815 fica proibido pela Inglaterra o tráfico de escravos ao
norte do Equador. Sul do equador nãa, azar pro sul do equador, não existe pecado do
lado debaixo do Equador, né, sobe sobe sobe o som, "não existe pecado do lado de baixo
do Equador", então poderia ter, não é, tráfico de escravos, a Inglaterra proíbe,
em 1815, dali pra cima. O Benim ficava pra cima, aí foi a chance do do do nosso querido
futuro Chachá, que ainda não tinha virado Chachá, virar um traficante melhor ainda,
porque aí ficava contra a regra, contra a lei, os escravos baixavam muuuito de preço
porque ficava proibido o tráfico e ele PÁ, fez mais lucro ainda. Daí acontece a história
mais maravilhosa de todas, que é o seguinte: ele desagrada o Chachá e é preso, preso,
imagina ficar preso no Daomé. E enquanto ele está preso no Daomé ele recebe a visita
de um cara chamado chamado chamado Gapê, que era um príncipe meio irmão do Adandozan,
né, o Adandozan era o rei e o meio irmão dele, príncipe, estava conspirando contra
ele, e faz um pacto de sangue com o Francisco Felix de Sousa e diz pra ele "eu te solto
da prisão se você liderar uma guerrilha e derrubar o Adandozan" e solta ele da prisão
numa noite obscura e ele lidera o movimento e derruba o rei, que é morto e aí o o o
Gapê assume o poder, muda de nome pra Guezo e transforma o nosso querido Felix em Chachá
de Udaiá, é, o primeiro amigo. Bá cara daí assim é uma maravilha, é uma maravilha,
ele vira aquele que possivelmente foi o maior traficante de escravos da humanidade! Não
é uma maravilha, cara, é um empreendedor, um verdadeiro Barão de Mauá, um Matarazzo,
só que o Matarazzo fazia banha e ele vendia carne humana e viva, de preferência se mexendo,
né. E então ele vira o reizaço lá da parada, cheio de dinheiro, parará, e aí tem uma
história incrível cara, porque em 1835 estoura a Revolta dos Malês, lá em Salvador, na
Bahia, os escravos muçulmanos ou islamizados né, que você já viu aqui no canal Buenas
Ideias, e ai muitos desses que participaram dessa revolta... vários foram mortos e outros
foram mandados embora do Brasil pro exílio em Benin, em Benin. E quem que os acolhe?
O Chachá, o Chachá, e eles passam a se chamar agudás, agudás, que é o cara ali que chegou
de volta, é o nativo que foi levado embora e que daí voltou pra... Caiu uma coisa aqui
mas não faz mal, continuaremos assim, foi o som, se o som continua continuamos, porque
o canal Buenas Ideias não aceita interrupções, né! Do meu fluxo de pensamento privilegiado.
E aí o o o, ele recolhe esses caras e muitos desses caras viram eles próprios traficantes
de escravos!! Porque traficavam escravos de outras raças, de outras raças! É uma maravilha,
só que daí em 1839 vem o Equipation Act, da Inglaterra... A Inglaterra se autopermite
a atacar navios negreiros pelo mundo inteiro, em águas internacionais, né. E aí sim,
aí o negócio do Chachá, né, se meteu com inglês, começa a dar pra trás. Muitos dos
traficantes, ingleses inclusive, britânicos, de escravos diversificam seu negócio e passam
a plantar e comercializar azeite de dendê. Mas o nosso querido Chachá acha que o negócio
vai continuar para sempre e continua numa gastança, numa abastança, ele tinha 59 mulheres,
ele tinha duzentos filhos, ele criou uma linhagem ligada a linhagem real que existe até hoje,
que existe até hoje no Benin. E tanto é que existe até hoje que um dos maiores historiadores
de todos os tempos, o grande e que tenho a honra de conhecer, Alberto Costa e Silva,
que além de ser diplomata e escritor é um gênio extraordinário, tá na casa dos noventa
anos de idade e tem que ser abençoado, mais abençoado ainda pelas luzes do que já é,
escreveu um livro maravilhoso sobre o Chachá e esteve lá naquela região onde ele já
foi embaixador... é o maior africanista brasileiro, é um dos maiores africanistas do mundo, Alberto
Costa e Silva, escreveu uma biografia maravilhosa sobre o Chachá que eu recomendo que você
desligue esse canal e vá correndo ler, e aí ele visita lá a família que ainda existe,
alguns meio que falam português enviesado, parará, são Chachás, são Chachás, e no
meio da festa um cara chama ele e diz assim: "olha cara, quero te dizer que o Chachá não
foi tudo isso. Na verdade, ele foi o personagem principal de um pesadelo medonho". E é o
que ele foi mesmo, né cara. E é o seguinte cara, tem duas outras histórias incríveis