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Os Escravos, por Antonio Frederico de Castro Alves, 28º Poema: O vidente, de Os Escravos, de Castro Alves

28º Poema: O vidente, de Os Escravos, de Castro Alves

O vidente

Virá o dia da felicidade

para todos.

(ISAÍAS)

Às vezes quando à tarde, nas tardes brasileiras,

A cisma e a sombra descem das altas cordilheiras;

Quando a viola acorda na choça o sertanejo

E a linda lavadeira cantando deixa o brejo,

E a noite - a freira santa - no órgão das florestas

Um salmo preludia nos troncos, nas giestas;

Se acaso solitário passo pelas picadas,

Que torcem-se escamosas nas lapas escarpadas,

Encosto sobre as pedras a minha carabina,

Junto a meu cão, que dorme nas sarças da colina,

E, como uma harpa eólia entregue ao tom dos ventos

- Estranhas melodias, estranhos pensamentos,

Vibram-me as cordas d'alma enquanto absorto cismo, Senhor! vendo tua sombra curvada sobre o abismo,

Colher a prece alada, o canto que esvoaça

E a lágrima que orvalha o lírio da desgraça,

Então, num santo êxtase, escuto a terra e os céus.

E o vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!

Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;

No mar das matas virgens ouço o cantar do vento,

Aromas que s'elevam, raios de luz que descem, Estrelas que despontam, gritos que se esvaecem,

Tudo me traz um canto de imensa poesia,

Como a primícia augusta da grande profecia;

Tudo me diz que o Eterno, na idade prometida,

Há de beijar na face a terra arrependida.

E, desse beijo santo, desse ósculo sublime

Que lava a iniqüidade, a escravidão e o crime,

Hão de nascer virentes nos campos das idades,

Amores, esperanças, glórias e liberdades!

Então, num santo êxtase, escuto a terra e os céus,

O vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!

E, ouvindo nos espaços as louras utopias

Do futuro cantarem as doses melodias,

Dos povos, das idades, a nova promissão...

Me arrasta ao infinito a águia da inspiração ...

Então me arrojo ousado das eras através,

Deixando estrelas, séculos, volverem-se a meus pés...

Porque em minh'alma sinto ferver enorme grito, Ante o estupendo quadro das telas do infinito...

Que faz que, em santo êxtase, eu veja a terra e os céus,

E o vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!

Eu vejo a erra livre... como outra Madalena,

Banhando a' fronte pura na viração serena, Da urna do crepúsculo, verter nos céus azuis

Perfumes, luzes, preces, curvada aos pés da cruz...

No mundo - tenda imensa da humanidade inteira

Que o espaço tem por teto, o sol tem por lareira,

Feliz se aquece unida a universal família.

Oh! dia sacrossanto em que a justiça brilha,

Eu vejo em ti das ruínas vetustas do passado,

O velho sacerdote augusto e venerado

Colher a parasita - a santa flor - o culto,

Como o coral brilhante do mar na vasa oculto...

Não mais inunda o templo a vil superstição;

A fé - a pomba mística - e a águia da razão,

Unidas se levantam do vale escuro d'alma, Ao ninho do infinito voando em noite calma.

Mudou-se o férreo cetro, esse aguilhão dos povos,

Na virga do profeta coberta de renovos.

E o velho cadafalso horrendo e corcovado,

Ao poste das idades por irrisão ligado

Parece embalde tenta cobrir com as mãos a fronte,

- Abutre que esqueceu que o sol vem no horizonte.

Vede: as crianças louras aprendem no Evangelho

A letra que comenta algum sublime velho,

Em toda a fronte há luzes, em todo o peito amores,

Em todo o céu estrelas, em todo o campo flores ...

E, enquanto, sob as vinhas, a ingênua camponesa

Enlaça às negras tranças a rosa da deveza;

Dos saaras africanos, dos gelos da Sibéria,

Do Cáucaso, dos campos dessa infeliz lbéria,

Dos mármores lascados da terra santa homérica,

Dos pampas, das savanas desta soberba América

Prorrompe o hino livre, o hino do trabalho!

E, ao canto dos obreiros, na orquestra audaz do malho,

O ruído se mistura da imprensa, das idéias,

Todos da liberdade forjando as epopéias,

Todos co'as mãos calosas, todos banhando a fronte Ao sol da independência que irrompe no horizonte.

Oh! escutai! ao longe vago rumor se eleva

Como o trovão que ouviu-se quando na escura treva,

O braço onipotente rolou Satã maldito.

É outro condenado ao raio do infinito,

É o retumbar por terra desses impuros paços,

Desses serralhos negros, desses Egeus devassos,

Saturnos de granito, feitos de sangue e ossos...

Que bebem a existência do povo nos destroços .............................................................................

Enfim a terra é livre! Enfim lá do Calvário

A águia da liberdade, no imenso itinerário,

Voa do Calpe brusco às cordilheiras grandes,

Das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes!

Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira,

A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira-.

São livres os escravos... quero empunhar a lira,

Quero que est'alma ardente um canto audaz desfira, Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,

Às harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!

.............................................................

Mas, ai! longos gemidos de míseros cativos,

Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,

Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vedeta:

"Que pensas, moço triste? Que sonhas tu, poeta?" Então curvo a cabeça de raios carregada,

E, atando brônzea corda à lira amargurada,

O canto de agonia arrojo à terra, aos céus,

E ao vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!

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28º Poema: O vidente, de Os Escravos, de Castro Alves 28th Poem: The Seer, from The Slaves, by Castro Alves

O vidente

Virá o dia da felicidade

para todos.

(ISAÍAS)

Às vezes quando à tarde, nas tardes brasileiras,

A cisma e a sombra descem das altas cordilheiras;

Quando a viola acorda na choça o sertanejo

E a linda lavadeira cantando deixa o brejo,

E a noite - a freira santa - no órgão das florestas

Um salmo preludia nos troncos, nas giestas;

Se acaso solitário passo pelas picadas,

Que torcem-se escamosas nas lapas escarpadas,

Encosto sobre as pedras a minha carabina,

Junto a meu cão, que dorme nas sarças da colina,

E, como uma harpa eólia entregue ao tom dos ventos

- Estranhas melodias, estranhos pensamentos,

Vibram-me as cordas d'alma enquanto absorto cismo, Senhor! vendo tua sombra curvada sobre o abismo,

Colher a prece alada, o canto que esvoaça

E a lágrima que orvalha o lírio da desgraça,

Então, num santo êxtase, escuto a terra e os céus.

E o vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!

Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;

No mar das matas virgens ouço o cantar do vento,

Aromas que s'elevam, raios de luz que descem, Estrelas que despontam, gritos que se esvaecem,

Tudo me traz um canto de imensa poesia,

Como a primícia augusta da grande profecia;

Tudo me diz que o Eterno, na idade prometida,

Há de beijar na face a terra arrependida.

E, desse beijo santo, desse ósculo sublime

Que lava a iniqüidade, a escravidão e o crime,

Hão de nascer virentes nos campos das idades,

Amores, esperanças, glórias e liberdades!

Então, num santo êxtase, escuto a terra e os céus,

O vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!

E, ouvindo nos espaços as louras utopias

Do futuro cantarem as doses melodias,

Dos povos, das idades, a nova promissão...

Me arrasta ao infinito a águia da inspiração ...

Então me arrojo ousado das eras através,

Deixando estrelas, séculos, volverem-se a meus pés...

Porque em minh'alma sinto ferver enorme grito, Ante o estupendo quadro das telas do infinito...

Que faz que, em santo êxtase, eu veja a terra e os céus,

E o vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!

Eu vejo a erra livre... como outra Madalena,

Banhando a' fronte pura na viração serena, Da urna do crepúsculo, verter nos céus azuis

Perfumes, luzes, preces, curvada aos pés da cruz...

No mundo - tenda imensa da humanidade inteira

Que o espaço tem por teto, o sol tem por lareira,

Feliz se aquece unida a universal família.

Oh! dia sacrossanto em que a justiça brilha,

Eu vejo em ti das ruínas vetustas do passado,

O velho sacerdote augusto e venerado

Colher a parasita - a santa flor - o culto,

Como o coral brilhante do mar na vasa oculto...

Não mais inunda o templo a vil superstição;

A fé - a pomba mística - e a águia da razão,

Unidas se levantam do vale escuro d'alma, Ao ninho do infinito voando em noite calma.

Mudou-se o férreo cetro, esse aguilhão dos povos,

Na virga do profeta coberta de renovos.

E o velho cadafalso horrendo e corcovado,

Ao poste das idades por irrisão ligado

Parece embalde tenta cobrir com as mãos a fronte,

- Abutre que esqueceu que o sol vem no horizonte.

Vede: as crianças louras aprendem no Evangelho

A letra que comenta algum sublime velho,

Em toda a fronte há luzes, em todo o peito amores,

Em todo o céu estrelas, em todo o campo flores ...

E, enquanto, sob as vinhas, a ingênua camponesa

Enlaça às negras tranças a rosa da deveza;

Dos saaras africanos, dos gelos da Sibéria,

Do Cáucaso, dos campos dessa infeliz lbéria,

Dos mármores lascados da terra santa homérica,

Dos pampas, das savanas desta soberba América

Prorrompe o hino livre, o hino do trabalho!

E, ao canto dos obreiros, na orquestra audaz do malho,

O ruído se mistura da imprensa, das idéias,

Todos da liberdade forjando as epopéias,

Todos co'as mãos calosas, todos banhando a fronte Ao sol da independência que irrompe no horizonte.

Oh! escutai! ao longe vago rumor se eleva

Como o trovão que ouviu-se quando na escura treva,

O braço onipotente rolou Satã maldito.

É outro condenado ao raio do infinito,

É o retumbar por terra desses impuros paços,

Desses serralhos negros, desses Egeus devassos,

Saturnos de granito, feitos de sangue e ossos...

Que bebem a existência do povo nos destroços .............................................................................

Enfim a terra é livre! Enfim lá do Calvário

A águia da liberdade, no imenso itinerário,

Voa do Calpe brusco às cordilheiras grandes,

Das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes!

Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira,

A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira-.

São livres os escravos... quero empunhar a lira,

Quero que est'alma ardente um canto audaz desfira, Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,

Às harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!

.............................................................

Mas, ai! longos gemidos de míseros cativos,

Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,

Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vedeta:

"Que pensas, moço triste? Que sonhas tu, poeta?" Então curvo a cabeça de raios carregada,

E, atando brônzea corda à lira amargurada,

O canto de agonia arrojo à terra, aos céus,

E ao vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!