AMOR PRÓPRIO | EMBRULHA PRA VIAGEM
Ah, eu não acredito! Olha quem tá aqui!
E aí, Rogério. Tudo bem? Como é que você tá?
Porra, melhor impossível.
Puta fase boa, rapaz. Uma alegria atrás da outra.
-Legal! Mas... -Feliz.
-Muito feliz. -Que bom, que bom.
E assim, já conseguiu superar, então?
Superar? Superar o quê? Quê você tá falando?
-Da Marcela, né? -Marcela?
Quem que é Marcela?
Entra aqui. Você tá falando da Marcela do escritório,
da Marcela chefe de cozinha?
Da recepcionista do café gourmet?
Que Marcela você tá falando?
Tô falando da sua Marcela, Rogério.
Aquela que você teve lá o lance de uma semana.
Aí ela terminou com você.
Você não aceitou de jeito nenhum.
Meu Deus do céu.
Agora eu lembrei que Marcela você tá falando.
Você foi desenterrar uma história de seis anos atrás?!
Cara, ali na segunda semana eu já tava em outra, pelo amor.
Sim, eu lembro que você falou que tava tudo bem.
Mas é que assim que vocês terminaram,
você se matriculou imediatamente na academia dela, né?
Imagina!
Eu entrei na academia dela
porque o custo-benefício lá era bem melhor que a minha.
Você acha que eu vou deixar a rotina da minha vida
por causa de uma mulher?
Ah, que isso, Paulo! Sem amor próprio, né?!
Mas é que foi estranho, né?
Porque você fazia spinning na mesma turma dela,
Natação, musculação no mesmo horário,
E quando acabavam as aulas você seguia ela até em casa.
Quem que disse que eu seguia?
Foi ela? Meu Deus do céu.
Essa Marcela tem complexo de gostosa.
A perseguida, né? Me responde.
Que culpa eu tenho que eu morava no mesmo bairro que ela?
Mesmo bairro, não. Você morava no mesmo prédio.
Porque depois que ela te deu o pé na bunda,
você alugou um apartamento do lado do dela.
Lógico!
Puta prédio legal, cara!
Condomínio barato, apartamento bacana!
Eu vou deixar de morar lá por causa de uma mulher
que eu tive um rolo de uma semana?!
Eu sei, Rogério. Mas é que ficou estranho.
E aquele tiro que você deu no primo dela
achando que era um namorado saindo ali do apartamento.
Não, eu não dei um tiro no primo dela.
Muito menos no namorado. Imagina se fosse namorado,
tava tudo certo. Nós estamos em 2020, cara.
Eu dei um tiro num ladrão que eu achei que estava
tentando arrombar a porta dela.
Às dez horas da manhã de um domingo?
O cara com um buquê de flores na mão?
Bandido tem hora pra entrar?
Que isso, cara? Esses vagabundos aí...
Se vestem de entregador de pizza,
vai entregar flores.
Eu conheço essa raça. Mas ali, tudo bem.
Eu quis ajudar.
Mas aprendi, viu?
Tanto é que eu sumi da vida dela completamente, não foi?
Claro, né? Você pegou cinco anos de cadeia.
Semana passada eu saí da cadeia,
e quem é que veio me procurar?
Será que não foi
porque você tomou aquela caixa de ansiolíticos
junto com uísque?
E ameaçou pular da ponte da Marginal
se ela não falasse com você?!
Sim.
Acontece que ela foi lá com o namorado novo,
e eu aceitei de boa.
Dei escândalo? Dei piti? Não.
Você pulou da ponte.
Graças a Deus tinha uma caçamba de caminhão que te salvou.
Foi ali, entre a ponte e a caçamba, que eu tive um clique.
Eu olhei bem pra mim, eu falei, cara...
Olha o que você tá fazendo por causa de uma mulher.
Se eu não gostar mais de mim quem é que vai gostar?
-Mesmo, mesmo? -Porra!
A vida me deu outra chance!
Você acha que eu vou jogar fora por causa de uma vagabunda?
Não!
Um monte de amigo ligando, perguntando como eu tô.
Imagina, cara. Eu sou um cara querido.
Tem um monte de mulher nessa vida! Bora!
Bora, a vida continua.
-Eu me amo! -Que ótimo!
Você não quer aproveitar e sair aqui do apartamento dela?
É mesmo.
É que eu cheguei tão decidido do hospital
que eu acabei entrando no apartamento errado.
É que já faz três dias isso aí.
O tempo voa, cara.
Nossa, como que... Bom, eu vou...
Eu vou pegar minhas coisas.
Aproveita e já desamarra a mãe dela.
A família tá preocupadíssima.
Ela toma remédio todo controlado, horário.
Meu Deus!
Cara, ainda bem que você me lembrou!
Oh, Dona Cleide!
A senhora quer sair daí mas a senhora não fala nada!
Vou tirar a senhora daí
porque a senhora não merece a filha que tem, tá?
Cara, olha o que você tá fazendo por causa de uma mulher.
-Vai lá. -Sou eu?
-Já sou eu? -Não, corta. Errei.
Claro, cara. É... não... Pulou da ponte.
-Imagina, cara. Se matriculei... -Se matriculei? Não.