Covid longa em crianças: como identificar sintomas e sequelas da doença
Um menino de cinco anos acorda rouco todos os dias.
Não chegou a ser internado, mas tosse sem parar, tem uma coceira incessante no nariz,
sente cansaço nos braços, dor no pé esquerdo e passou a salivar mais
que o normal.
A mãe diz que é uma montanha russa.
O tempo inteiro o garoto pergunta quando vai ficar bom.
Essa é uma história real que aconteceu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro,
mas poderia ter ocorrido em qualquer outro lugar do mundo.
O menino tem a chamada covid longa, que é quando sintomas
continuam atingindo a pessoa após a fase aguda da doença.
Sou Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil, e neste vídeo eu vou falar
sobre como sintomas duradouros da covid-19 também têm atingido crianças.
Primeiro, vamos lembrar rapidinho o que é a covid longa:
Esse é o nome que tem sido dado aos casos em que a fase aguda da covid passa, mas o
paciente continua enfrentando sintomas.
Alguns antigos, outros novos.
Para quem tem a covid longa, a sensação é de que a doença ainda não acabou, mesmo
que os testes já não detectem mais a presença do vírus.
E o pior: em algumas pessoas, a covid longa pode ser ainda mais penosa e debilitante do
que a fase aguda da doença.
Os cinco sintomas mais comuns em adultos são: fadiga, dor de cabeça, dificuldade de atenção,
perda de cabelo e falta de ar.
As causas da covid longa ainda não estão claras.
Mas uma das hipóteses é de que se trata de uma resposta inflamatória do corpo a vestígios
do coronavírus.
Embora esse problema em adultos já seja tema de centenas de estudos ao redor do mundo,
até agora pouco se investigou sobre seus efeitos nas crianças.
Cientistas e profissionais de saúde ouvidos pela BBC News Brasil apontam um obstáculo
comum: Muita gente ainda não acredita que menores
de idade sejam atingidos pela covid, e muito menos pelos seus sintomas persistentes.
Dias atrás, a gente publicou um vídeo mostrando o drama das famílias que perderam crianças
para a doença, e como isso tem ocorrido mais no Brasil do que em qualquer lugar no mundo.
Se você ainda não viu, depois dá uma olhada lá.
Quando falamos das crianças, há muito menos pesquisas e dados sobre a covid-19 em geral,
sendo ela longa ou não.
Isso porque elas são menos infectadas, mais raramente precisam de hospitalização e morrem
menos por causa da doença.
Mas fato é que, no Brasil, mais de duas mil crianças com menos de 9 anos já morreram
em decorrência do vírus.
E dessas, cerca de 1300 eram bebês de até um ano.
E mesmo quando a fase aguda não é grave, as crianças também podem sofrer com a covid
longa.
Na fase aguda da doença, as crianças têm uma prevalência muito maior de dores abdominais
e alterações gastrointestinais do que adultos, por exemplo.
E no caso da covid longa, também há diferenças.
Para entender isso melhor, vamos olhar para alguns estudos científicos.
Uma pesquisa do hospital da universidade italiana Agostino Gemelli, publicada recentemente,
reuniu 129 jovens de até 18 anos infectados com a covid.
A maior parte não apresentou sintomas.
Menos de 5% foram hospitalizados e outros poucos evoluíram para quadros mais graves,
como síndrome inflamatória multissistêmica e miocardite, que é uma inflamação no músculo
cardíaco.
Mas eles analisaram também os sintomas sentidos por algumas dessas crianças até 120 dias
depois da detecção do vírus.
A análise envolveu tanto crianças sintomáticas quanto assintomáticas no período agudo da
infecção.
Os sintomas mais comuns foram insônia, problemas respiratórios, incluindo dor e aperto no
peito, congestão nasal, fadiga, dores musculares, dificuldades de concentração e dores nas
articulações.
Das 30 crianças avaliadas entre 60 e 120 dias após o diagnóstico inicial,
13 tinham pelo menos um desses sintomas.
Sete, tinham três ou mais.
Um outro estudo, dessa vez feito por pesquisadores da Itália, Rússia e Reino Unido, se debruçou
em 510 casos relatados por pais americanos e britânicos.
Entre os sinais mais comuns da covid longa nessas crianças estavam fadiga e cansaço,
dor de cabeça, dor abdominal, dores musculares e nas articulações e problemas gastrointestinais.
Os estudos acima apontam também que a faixa etária mais atingida pela covid longa gira
em torno de 10 a 12 anos.
Quanto aos sintomas, eles costumam durar oito meses.
É bom lembrar que os números podem estar distorcidos porque há uma quantidade limitada
de casos estudados.
Isso torna difícil que se adote metodologias mais rigorosas.
O problema é que há algumas barreiras para que se produza mais e melhores estudos sobre
o tema.
O Danilo Buonsenso, que esteve à frente da primeira pesquisa que eu citei, diz que uma
das barreiras é que a maioria das pessoas prefere afirmar que esses sintomas são mais
psicológicos e ligados ao confinamento.
Isso inclui médicos, em alguns casos.
Já a professora Frances Simpson, do grupo Long Covid Kids, que reuniu 2.650 casos até
agora, diz que o fato de muitos médicos não poderem ajudar, ou até não acreditarem que
as crianças estejam realmente doentes, aumenta essa dificuldade.
Além disso, especialistas dizem que outro problema, assim como acontece com os adultos,
é a variedade de sintomas e desdobramentos da covid.
Isso fica ainda pior no caso das crianças que, dependendo da idade, mal conseguem identificar
e relatar o que estão sentindo.
Soma-se a isso o fato de que a taxa de testes feitos para detectar o vírus nas crianças
é bem baixa.
Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade
Brasileira de Pediatria, diz que isso faz a covid longa muitas vezes ser confundida
com outras doenças respiratórias ou viroses.
Mas e como tratar a covid longa em uma criança?
Assim como em adultos, ainda não tem um tratamento específico.
Como a variedade de manifestações é enorme, os tratamentos feitos por especialistas são
os já conhecidos.
Dermatologistas podem avaliar erupções na pele, enquanto neurologistas investigam dificuldade
de concentração e problemas de memória, por exemplo.
A Frances Simpson, do Long Covid Kids, recomenda que os pais busquem grupos de apoio, compartilhem
relatos e experiências e encontrem médicos simpáticos à condição de saúde dos pequenos
pacientes.
Também é importante não sobrecarregar as crianças em busca de uma melhora rápida,
ela diz.
Algumas podem precisar de acompanhamento psicológico, ensino remoto, mudanças na rotina, suporte
da escola e auxílio em atividades físicas.
O fato é que não vai ter uma solução única para cada uma.
O NHS, que é o serviço público de saúde britânico, faz algumas recomendações, como
descansar corpo e mente, manter as atividades rotineiras, mas num ritmo mais lento, fazer
exercícios de respiração, evitar interrupções no sono e ter uma alimentação mais saudável.
E é importante ressaltar, também, que a única forma de evitar covid longa é evitando
a covid em si.
Então é essencial seguir as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria: crianças
com mais de 2 anos devem usar máscara e manter distanciamento.
E a volta às aulas deve ocorrer atendendo aos protocolos de segurança.
Ou seja, com higienização das mãos, distanciamento, salas arejadas e mais vazias.
Então é isso, pessoal.
Eu fico por aqui.
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site, o bbcbrasil.com Obrigada pela audiência e até a próxima!