Trump ou Biden? A escolha dos brasileiros que votam nos EUA
Se dependesse apenas da comunidade brasileira nos Estados Unidos, a eleição presidencial
americana, que acontece no próximo dia 3, já estaria definida.
Isso porque 71% dos brasileiros que vivem no país e possuem direito a voto dizem escolher
o democrata Joe Biden, enquanto 27% optam pelo republicano Donald Trump, que concorre
à reeleição.
É o que mostra uma pesquisa feita pelo Instituto Ideia e que trago pra vocês em primeira mão.
Eu sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil aqui em Washington e nesse
vídeo vou falar das preferências eleitorais dos brasileiros que vivem nos Estados Unidos
e que pistas o comportamento desse grupo nos dá sobre a disputa política e seus resultados.
O Ideia ouviu 800 brasileiros maiores de 16 anos, entre os dias 26 e 27 de outubro, em
9 estados americanos e no Distrito de Columbia, onde fica a capital do país.
A margem de erro é de três pontos percentuais.
O retrato obtido pela pesquisa mostra o democrata Biden com vantagem de 44 pontos percentuais
sobre o adversário Trump, em um quadro muito mais confortável do que aponta o agregado
de pesquisas nacionais do site FiveThityEight, no qual Biden lidera com folga de nove pontos
percentuais.
A explicação para a ampla preferência ao democrata é a seguinte: 77% dos entrevistados
se disseram contrários ao aumento nas restrições do governo americano sobre a imigração legal
ou ilegal.
Questionados sobre quais devem ser as prioridades do próximo presidente, os brasileiros colocam
em primeiro lugar, em empate técnico, a busca por uma vacina anti-covid (23%), a recuperação
da economia (22%) e a melhoria do sistema de saúde (19%).
Na sequência, estão itens diretamente ligados à questão da imigração.
Para 15%, a reforma do sistema migratório americano é o mais urgente e, para 13%, o
presidente deve se dedicar a criar um caminho para regularizar os indocumentados.
Foi exatamente esse o teor da proposta de Biden no último debate presidencial entre
os candidatos.
O democrata afirmou que levará adiante uma reforma do sistema e que enviará ao Congresso
uma proposta para dar cidadania americana a 11 milhões de imigrantes que vivem de modo
ilegal nos EUA hoje.
De acordo com Maurício Moura, fundador do Instituto Ideia e pesquisador da Universidade
George Washington, embora esses brasileiros que podem votar já sejam cidadãos e não
estejam em risco de deportação, muitos deles são filhos de imigrantes sem documentos.
Ou são os chamados Dreamers, adultos jovens trazidos para os Estados Unidos ainda na infância
em condição irregular.
Por isso, a ameaça que as políticas de deportação representaram ou ainda representam para as
suas famílias é muito real.
De acordo com Moura, a comunidade brasileira, composta por cerca de 1,2 milhão de pessoas,
associa Trump a uma ideia de tolerância zero com os imigrantes.
O republicano se elegeu em 2016 prometendo construir um muro na fronteira com o México
e colocar pra fora do país o que chamou de "bad hombres", em uma referência a latinos
indocumentados nos EUA.
Em 2018, ele instituiu uma política de separação de milhares de famílias, inclusive brasileiras,
que atravessaram sem autorização do governo americano a fronteira com o México.
Além disso, em 2019, os americanos passaram a submeter brasileiros a deportação sumária,
isto é, sem direito a audiência na Justiça.
E em 2020, também passaram a forçar imigrantes do país em busca de asilo a aguardar o desfecho
do processo em território mexicano.
E embora o governo Barack Obama, do qual Biden era o vice-presidente, tenha registrado recorde
em deportações, para os brasileiros o programa defendido por Trump é ainda mais agressivo
e ameaçador.
A pesquisa também traz uma curiosidade sobre os brasileiros: a sua possível capacidade
de adivinhar quem deve ganhar a eleição.
Eu explico: no geral, a comunidade reside nos subúrbios, áreas no entorno de grandes
cidades, como Miami, na Flórida, e Boston, em Massachussets.
Os subúrbios funcionam como uma espécie de região pendular, nem tão democratas quanto
as cidades, nem tão republicanos quanto as zonas rurais.
É exatamente por essa característica que os eleitores do subúrbio têm enorme peso:
eles são normalmente o fiel da balança eleitoral.
Em 2016, os eleitores dessas áreas foram cruciais para a vitória de Trump sobre Hillary.
Mas em 2020, parte desse eleitorado, especialmente as mulheres brancas, parece ter desembarcado
da candidatura republicana.
Há duas semanas, em um comício na Pensilvânia, o próprio Trump reconheceu o problema:
"As mulheres suburbanas, elas deveriam gostar de mim mais do que qualquer um aqui esta noite,
porque eu acabei com a regulamentação que trouxe o crime para os subúrbios.
Eu permiti a elas viverem o sonho americano.
Mulheres suburbanas, vocês poderiam, por favor, gostar de mim?"
Moura me explicou que, como vivem nessas áreas, os brasileiros tendem a ter uma boa noção
da temperatura da disputa entre seus vizinhos.
Em 2016, o Ideia descobriu que 78% da comunidade brasileira votava por Hillary Clinton.
Apesar disso, 52% dos brasileiros ouvidos garantiam que era Donald Trump quem venceria.
Eles contrariaram com acerto o que era dito pelos institutos de pesquisa, que davam Hillary
como favorita.
Agora 65% dos brasileiros cravam a vitória de Biden.
Esses números representam uma mudança em relação ao que a própria comunidade previa
em setembro de 2020: naquele momento, Trump era visto por 55% dos
brasileiros como o favorito.
Entre uma pesquisa e outra dois acontecimentos parecem ter pesado sobre o destino da disputa
e a percepção dos brasileiros.
O primeiro foi o debate presidencial entre Trump e Biden no fim de setembro.
Na ocasião, Trump interrompeu o oponente dezenas de vezes e produziu um resultado caótico
para os eleitores, que reagiram negativamente.
A avaliação da própria campanha do republicano foi a de que seu comportamento o atrapalhou.
Tanto assim que no debate mais recente, o presidente mudou completamente sua postura
diante do oponente e das câmeras.
O segundo acontecimento foi a contaminação de Trump por coronavírus no início de outubro.
Segundo Moura, "a doença pegou mal para Trump", já que jogou de volta para o centro do debate
um tema em que ele não vai bem.
A condução do presidente em relação à pandemia é mal avaliada pelos americanos
no geral, mas sua imagem é ainda mais negativa na comunidade brasileira:
Agora, 82% dos brasileiros dizem que Trump teve desempenho ruim na crise sanitária e
apenas 9% o aprovam.
Em setembro, antes de sua infecção, os números eram ligeiramente melhores para Trump.
Os Estados Unidos são o país com mais mortes na pandemia em número absolutos.
E ali os latinos são um dos grupos mais duramente atingidos pela doença:
22% dos adultos nesse grupo já pegaram o novo coronavírus, contra 14% da população
americana em geral, segundo o instituto Pew Research.
Mas nem tudo é má notícia pra Trump entre os eleitores brasileiros.
Apesar dos contras, nos últimos quatro anos Trump conseguiu ganhar terreno entre os brasileiros
que vivem nos EUA.
Em outubro de 2016, a intenção de votos para o republicano era de apenas 10%, segundo
o Idea.
Agora, 27% dos brasileiros nos EUA afirmam votar por ele.
Os números, aliás, se aproximam dos cerca de 30% da comunidade latina que tem apoiado
Trump no país.
A preferência tem muito a ver com a gestão da economia por Trump no pré-pandemia, quando
o país registrava crescimento constante e pleno emprego.
Segundo Moura, "uma anedota comum entre os brasileiros é que conforme eles prosperam
de vida deixam de ser democratas e se tornam republicanos".
Mas passa também pelo conservadorismo religioso, pelo estilo de liderança do republicano e
pela associação com Bolsonaro.
É isso, pessoal.
Estamos a menos de uma semana dessa eleição histórica e vou seguir em busca de boas histórias
sobre elas para trazer pra vocês.
Tchau.