A manobra republicana para livrar Trump de impeachment pela 2ª vez
Apesar das palavras duras de líderes republicanos no Congresso sobre a responsabilidade de Donald
Trump na invasão do Capitólio por centenas de seus apoiadores, o ex-presidente americano
deverá sair inocentado do julgamento de impeachment no Senado
graças aos votos de seu próprio partido
Fora da Casa Branca desde 20 de janeiro, Trump enfrenta um processo de impeachment
pela segunda vez
Só que agora, já sem mandato
Eu sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil em Washington, e nesse vídeo
eu conto sobre a manobra dos republicanos para tentar livrar Trump sem diretamente julgá-lo
por seus atos
E explico porque a absolvição pode ser um bom negócio para os democratas
Mas antes, vamos entender como chegamos a esse julgamento
Trump é acusado de ter atraído milhares de pessoas a Washington sob falsas alegações
de fraude eleitoral, e de incitá-las contra os congressistas e o então vice-presidente,
Mike Pence, que naquele dia 6 de janeiro certificavam os votos do Colégio Eleitoral e confirmavam
a vitória de Joe Biden nas urnas
A invasão terminou com um saldo de cinco mortos, mais de 50 agentes de segurança feridos
e centenas de presos e indiciados pelos atos de violência
Políticos tiveram que ser retirados do Capitólio ou escondidos em abrigos subterrâneos enquanto
os manifestantes bradavam palavras de ordem como "Enforquem Mike Pence" e ameaçavam atirar
na presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi
Minutos antes da ação, o grupo assistiu a um discurso de Trump:
O processo de impeachment foi aberto pela Câmara uma semana após o episódio com os
votos favoráveis de 10 republicanos, o maior apoio a um impedimento de presidente já dado
por integrantes de seu próprio partido na história dos Estados Unidos
E não ficou só nisso
Republicanos importantes vieram a público censurar a atitude de Trump, o que para alguns
indicava que o partido poderia romper com ele
Uma das líderes republicanas na Câmara, Liz Cheney, justificou seu voto pela abertura
do processo assim:
"O Presidente dos Estados Unidos convocou essa turba, reuniu a turba e acendeu a chama
desse ataque
Tudo o que se seguiu foi obra dele
Nada disso teria acontecido sem o presidente", afirmou a deputada
Já Mitch McConnell, líder do partido no Senado e aliado de Trump, afirmou um dia antes
da posse de Biden que uma “multidão foi alimentada com mentiras" e "provocada pelo
presidente e outros poderosos”
Mas agora, com o julgamento ocorrendo, o movimento dos republicanos mudou
Para condenar o ex-presidente, dois terços do Senado, ou 67 dos 100 senadores, teriam
que apontar responsabilidade do presidente em incitar a multidão
Com a configuração dividida do Senado – 50 republicanos e 50 democratas – 17 partidários
de Trump teriam que votar contra ele
E apesar das críticas públicas e privadas a Trump, os republicanos não parecem dispostos
a puni-lo
Mas o que mudou de lá pra cá?
Segundo me explicou o cientista político William Winecoff, da Universidade de Indiana,
o recuo dos republicanos era previsível
Nas palavras de Winecoff, abre aspas, "a base do Partido Republicano ama Trump tanto
quanto o resto do país o odeia, e muitos congressistas republicanos eleitos têm muito
mais medo de perder suas cadeiras por uma oposição dos trumpistas do que pela concorrência
dos próprios democratas"
As pesquisas dão razão à lógica de Winecoff
Embora tenha deixado a Casa Branca com baixos níveis de aprovação geral, em 34%, Trump
segue sendo uma figura extremamente popular entre os eleitores que se dizem republicanos
Uma pesquisa de janeiro do Instituto Morning Consult mostrou que apenas 18% dos que se
declaram republicanos se dizem favoráveis ao impeachment, 81% têm visão positiva sobre
o ex-presidente e 50% querem que ele tenha um "papel central" no partido nos próximos anos
Apesar de derrotado nas urnas em novembro, Trump obteve a marca de 74 milhões de votos,
segunda maior votação popular da história, atrás apenas do próprio Biden
E se tem enorme capacidade de atrair eleitores - e verba - pra campanhas, Trump é conhecido
também por saber como desidratar quem se opõe a ele dentro do partido
O caso de Liz Cheney, que votou pelo impeachment do então presidente, é ilustrativo
Este mês, o deputado trumpista Matt Gaetz, da Flórida, viajou até o Estado de origem
dela, o Wyoming, para pedir que os eleitores a derrotem na próxima eleição
Cheney enfrentou ainda uma tentativa de retirada de seu posto de líder na Câmara
Foi salva pelos colegas, mas apenas porque os que a apoiaram estavam protegidos da ira
de Trump pelo voto secreto
A verdade é que os republicanos se viram encurralados
De um lado, punir Trump pode significar atrair contra si uma máquina eleitoral que pode
arrasar uma carreira política
De outro, inocentá-lo pode representar ser cobrado pelo maioria dos americanos
Segundo pesquisa Ipsos/ABC, 56% dos americanos defendem a condenação
Por isso, os republicanos lançaram mão de uma manobra legalista: argumentar que o instrumento
do impeachment só pode ser adotado para presidentes em exercício, e que julgar Trump após o
fim de seu mandato seria inconstitucional
Assim, eles não precisariam dizer se aprovam ou não as ações do ex-presidente, bastaria
interditar o procedimento
O argumento é considerado "ilógico" mesmo por advogados constitucionalistas conservadores
E o próprio Trump, quando era presidente, em 2020, defendeu o impeachment de Barack
Obama já sem mandato
Ainda assim, essa será a linha adotada pelos republicanos
Os advogados do ex-presidente, que se recusou a testemunhar no processo, também anunciaram
que vão no mesmo caminho
E que também argumentarão pelo direito à liberdade de expressão de Trump, além de
dizer que termos como "lutar" e "marchar" foram usados em sentido figurado
Para a analista política Regina Argenzio, da consultoria Eurasia Group, na prática,
o resultado do julgamento foi dado no fim de janeiro, quando o Senado votou sobre a
constitucionalidade do impeachment de Trump, já que ele não mais detém o cargo
Naquele momento, apenas cinco republicanos votaram a favor
Agora, no primeiro dia de julgamento, quando a mesma votação foi refeita, seis republicanos apoiaram
Ainda assim, os democratas precisariam de mais 11 deles para atingir a condenação de Trump
Argenzio me disse que "fundamentalmente, há muito pouca vantagem política para um republicano
em votar para condenar o presidente"
Segundo ela, o fato de que ele não está mais no cargo fornece uma razão conveniente
para se opor ao impeachment com base no processo, e a maioria dos republicanos se sente confortável
com essa posição"
Mas com Trump absolvido, será que os republicanos ganharam o jogo?
Na verdade, é provável que não
Do lado democrata, já não existem grandes expectativas de que Trump seja punido no processo,
nem mesmo que ele perca seus direitos políticos
Para eles, o julgamento de impeachment se tornou um palco importante no qual tentarão
associar o extremismo dos manifestantes a Trump e, por consequência, a todo o partido
republicano
Ainda não é certo que testemunhas serão permitidas no julgamento, mas uma possibilidade
para viabilizar isso seria que os democratas convocassem manifestantes presos que estejam
dispostos a dizer que cometeram atos violentos sob orientação de Trump
Um dos mais notórios é Jacob Chansley, de 33 anos, que invadiu o Capitólio vestido
em trajes vikings, o que lhe rendeu na imprensa americana a alcunha de "xamã do QAnon", em
referência à teoria da conspiração frequentemente defendida por parte dos seguidores de Trump
Preso após os acontecimentos, ele disse, por meio de seus advogados, que, abre aspas,
"lamenta muito não apenas ter sido enganado pelo presidente, mas ter estado em uma posição
em que permitiu que essa fraude o fizesse tomar decisões que não deveria ter tomado''
Chansley tem se defendido dizendo ter sido "inflamado" por "meses de mentiras, deturpações
e discurso hiperbólico de nosso presidente"
Em um vídeo feito ao sair do Capitólio após a invasão, no dia 6, Chansley afirma ter
deixado o prédio sob orientação de um tuíte de Trump
A estratégia dos democratas de carimbar em republicanos a pecha de radicais foi colocada
em prática antes mesmo do início do julgamento de impeachment de Trump
Na semana passada, democratas exigiram que republicanos destituíssem a recém-eleita
deputada Marjorie Taylor Greene de postos em comissões, como a de educação
A justificativa foram declarações e endossos públicos de Greene a propostas de violência
contra líderes políticos, como Nancy Pelosi, além de seus questionamentos à existência
do ataque de 11 de setembro ao Pentágono ou de massacres por atiradores em escolas
Acuada, Greene afirmou ter recebido uma ligação de Trump a apoiando e culpou a mídia pelos
posicionamentos que adotou
Mas, com o apoio de 11 republicanos e de todos os democratas, a Câmara decidiu punir a deputada
ainda na semana passada
Para a Regina Argenzio, da Eurasia, está claro que "os democratas estão ansiosos para
usar o momento como uma oportunidade para pintar o Partido Republicano como o partido
do QAnon e de radicalismos"
Eleito com uma plataforma de união dos americanos e superação da divisão no país, Biden
tem sido reiteradamente cobrado pelos republicanos a buscar políticas com apoio bipartidário
Mas o novo governo já demonstra impaciência com a dificuldade de negociar com os opositores
Exemplo disso é o pacote emergencial contra os efeitos da pandemia:
Biden propôs injetar quase US$ 2 trilhões na economia americana em um plano entregue ao Congresso em seu primeiro
dia na Casa Branca
Republicanos, no entanto, apresentaram contra-proposta que representava apenas um terço desse valor
Biden, cujo partido tem maioria na Câmara e no Senado, deu sinal verde aos seus correligionários
para seguirem em frente com a aprovação do pacote original mesmo sem o endosso dos
republicanos
Dentro do partido democrata cresce uma discussão sobre a possibilidade de dar fim ao chamado
filibuster, uma regra do Senado que exige que leis ordinárias sejam aprovadas por três
quintos dos senadores e não apenas por maioria simples
Na prática, esse é um recurso que permite à minoria barrar leis
Como tem maioria na Câmara e no Senado, com uma votação simples democratas conseguiriam
se livrar do filibuster e descartar os interesses dos republicanos por ao menos dois anos
O risco, claro, seria o próprio silenciamento, quando, algum dia, democratas voltarem a ser
minoria
De acordo com Jon Lieber, diretor da Eurasia Group nos EUA, a presença de Trump como um
ator na arena política possibilita aos democratas tomar atitudes mais ousadas e profundas em
sua agenda política
Abre aspas:
"Trump é uma força polarizadora e radicalizante, que está possibilitando uma agenda muito
mais progressista
Um Partido Republicano cada vez mais radical permitirá que os democratas governem de uma
forma totalmente unilateral, na lógica do 'não podemos trabalhar com essas pessoas
irracionais'"
O julgamento ainda deve se alongar por vários dias
E mais do que o destino de Trump, ele dirá como as forças da democracia americana se
organizarão nos próximos anos
Eu continuo acompanhando por aqui
Até a próxima, tchau!