Congressistas dos EUA pedem que governo Biden explique cooperação entre americanos e Lava Jato
Um grupo de 23 congressistas americanos enviou no último dia sete de junho uma carta ao
Departamento de Justiça dos Estados Unidos pedindo que o governo de Joe Biden torne públicas
as informações sobre como os órgãos de investigação do país cooperaram com a Operação
Lava Jato, no Brasil.
Sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil aqui em Washington, e nesse vídeo
eu conto pra vocês o que há nessa carta, a que eu tive acesso com exclusividade.
Além disso, explico o que se sabe sobre as relações entre investigadores americanos
e a Lava Jato, o que motivou o Congresso americano a se preocupar com o assunto agora e o que
dizem os envolvidos no caso.
Comecemos pela carta, assinada por deputados democratas, entre eles uma das estrelas jovens
do partido, a Alexandria Ocasio-Cortez.
No texto, entregue ao secretário de Justiça Merrick Garland, os parlamentares se dizem
"preocupados", abre aspas, com "o envolvimento de agentes do Departamento de Justiça dos
Estados Unidos (DoJ) em procedimentos investigativos e judiciais recentes no Brasil, que geraram
controvérsia substancial e são vistos por muitos no país como uma ameaça à democracia
e ao Estado de Direito".
Diálogos atribuídos aos integrantes da força-tarefa da Lava Jato publicados pelo site The Intercept
Brasil e outros veículos de imprensa sugerem que os investigadores brasileiros se esquivaram
de formalizar ações de cooperação internacional nos EUA, como exigia a lei brasileira.
Mas afinal, por que isso preocupa o Congresso dos Estados Unidos?
Entre alguns parlamentares, há apreensão com a possibilidade de que investigadores
americanos possam ter se envolvido ou participado de atos recentemente considerados ilegais
pelo Supremo brasileiro, que anulou todos os julgamentos contra o ex-presidente Lula
no âmbito da Lava Jato, após apontar parcialidade do então juiz federal Sergio Moro no caso.
Eles temem que as ações de agentes investigativos americanos possam ser vistas como interferência
na política nacional brasileira, já que a operação Lava Jato levou ao impedimento
da candidatura presidencial de Lula em 2018 e alçou Moro a ministro da Justiça do atual
presidente, Jair Bolsonaro.
Hoje, Moro já não está mais no governo e Lula é considerado pré-candidato à presidência
no ano que vem.
A deputada democrata Susan Wild, da Pensilvânia, uma das signatárias da carta, me disse que
está preocupada há muito tempo com a Lava Jato e suas consequências para a democracia
brasileira.
E que, em suas palavras, "Se o Departamento de Justiça desempenhou algum papel na erosão
da democracia brasileira, devemos agir e garantir a responsabilização para que isso nunca
se repita".
Eu procurei tanto Moro quanto o Ministério Público Federal do Paraná e ambos negaram
que tenha havido qualquer irregularidade ou ilegalidade na cooperação com os agentes
americanos, mas vou voltar a isso mais adiante.
A deputada Wild disse que prefere esperar "informações completas antes de tirar quaisquer
conclusões" sobre o papel de agentes do FBI, o órgão investigativo dos EUA, ou do Departamento
de Justiça.
Mas afirmou que "os Estados Unidos devem estar atentos à sensibilidade de seus atos tanto
no Brasil quanto em outros lugares da América Latina, dado o histórico de interferência
dos EUA na região".
A congressista se refere, por exemplo, ao apoio dado pelo país à ditadura militar
brasileira.
Durante o governo Barack Obama (2009-2017), os Estados Unidos iniciaram o que ficou conhecido
como "diplomacia da abertura", quando tornou públicos documentos diplomáticos secretos
sobre violações aos direitos humanos cometidos pelos regimes ditatoriais de Brasil, Argentina
e Chile.
Eu já falei disso nesse outro vídeo, depois dá uma olhada lá.
Deputado pelo Arizona, Raúl Grijalva foi na mesma linha que a colega.
Ele disse que "Os Estados Unidos têm uma história sombria de intervenção na política
interna da América Latina e precisamos compreender totalmente a extensão do envolvimento dos
EUA (com a Lava Jato) para evitar que uma eventual implicação inaceitável aconteça
no futuro".
Os parlamentares estão cientes de que, em pouco mais de um ano, os brasileiros decidirão
quem comandará o Palácio do Planalto, o que deve aumentar a temperatura do assunto.
Sobre isso, a deputada Wild me disse que:
"À medida que o Brasil se aproxima da eleição presidencial de 2022, acredito ser crucial
que os membros do Congresso dos EUA deixem claro que a era de interferência acabou - o
povo brasileiro deve ser livre para escolher seus próprios governos".
E isso explica porque resolveram mandar essa carta agora.
Mas essa não é a primeira vez que membros do Congresso dos EUA expressam preocupação
com o envolvimento de autoridades americanas com a Lava Jato.
Em agosto de 2019, depois que o The Intercept Brasil publicou trocas de mensagens atribuídas
a Moro e procuradores e delegados da Operação Lava Jato que levantavam suspeitas sobre a
parcialidade do juiz para julgar o caso, 12 congressistas americanos, liderados pelo representante
da Geórgia Hank Johnson, remeteram 11 perguntas ao Departamento de Justiça sobre o assunto.
Eles queriam saber se as comunicações entre o então juiz federal Sergio Moro, os procuradores
da força-tarefa e os agentes americanos tinham ocorrido sempre por canais formais e oficiais,
se obedeciam à legislação brasileira, que tipo de apoio técnico investigativo as autoridades
dos EUA forneceram à operação, se presenciaram ou souberam de condutas questionáveis de
Moro ou dos procuradores durante a cooperação e se estiveram envolvidos particularmente
nos processos referentes ao ex-presidente Lula.
A resposta do Departamento só veio quase um ano depois, em junho de 2020:
"O Departamento não pode fornecer informações sigilosas sobre esses assuntos nem revelar
detalhes não públicos das ações".
Essa resposta levou mais de 70 deputados brasileiros, do PT, PDT, PCdoB, PSB, PSOL e da Rede, a
enviarem uma carta aos colegas do Congresso nos EUA na qual pediam que eles voltassem
a interpelar o Departamento de Justiça sobre o assunto.
Apesar disso, nada aconteceu por quase um ano.
A eleição, que retirou o republicano Donald Trump da Casa Branca e instalou o democrata
Joe Biden, e o conturbado processo de transição de poder nos EUA, consumiram a atenção dos
políticos do país.
Mas, nas últimas semanas, o assunto voltou a circular no Congresso americano.
Um fator foi decisivo para isso: em abril de 2020, a maioria dos ministros do STF determinou
que Moro tinha tido conduta parcial no julgamento de Lula.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas de um dos ministros e deve ser retomado
ainda esse mês, mas nos bastidores da Corte se ouve que o veredito tem poucas chances
de se alterar.
E embora não admitem que se apoiem nas mensagens reveladas pelo Intercept em sua decisão,
alguns ministros as têm citado para justificar à imprensa sua posição.
Em entrevista à BBC News Brasil, em fevereiro, Gilmar Mendes afirmou que os diálogos sugeriam
cooperação internacional, o que seria ilegal.
Com isso, ele sugeriu que essa eventual cooperação poderia ser motivo para novas anulações
de julgamentos da Lava Jato.
"Hoje, se fala numa cooperação internacional informal entre membros da Lava-Jato e determinados
integrantes de instituições na Suiça e EUA, sem o processo legal.
Saber se de fato um caso em que houve condenação se de fato houve violação pode ser relevante
para esses casos também."
Na carta enviada ao Departamento de Estado, os congressistas americanos apontam a recente
decisão do STF de anular todos os julgamentos contra Lula e citam o que consideram ser evidências
de cooperação irregular.
Uma delas seria a revelação de que 17 agentes do FBI, do Departamento de Justiça e do Departamento
de Segurança Doméstica dos Estados Unidos estiveram em Curitiba com os procuradores
da Força-Tarefa da Lava Jato em 2015, sem conhecimento do Ministério da Justiça, como
exigido por lei.
Questionam também o modo como os americanos se envolveram na definição sobre o uso de
recursos apreendidos nos Estados Unidos, que os procuradores brasileiros tentaram converter
em um fundo da Lava Jato, iniciativa barrada no Supremo.
Os congressistas citam ainda em seu pedido de informações as declarações de julho
de 2017 do subsecretário interino de Justiça, Kenneth A.
Blanco, em uma palestra no Atlantic Council, transcrita e publicada na página do Departamento
de Justiça dos EUA.
Blanco afirmou, na ocasião, que a cooperação entre o Departamento de Justiça e a Lava
Jato havia gerado o que qualificou como "resultados extraordinários"
Ele detalhou os métodos de trabalho conjunto:
Mas, de acordo com um texto do procurador Vladimir Aras, publicado em 2021, a legislação
brasileira limita a informalidade na troca de informações entre agentes, como defende
Blanco.
"A tramitação dá-se por intermédio das autoridades centrais designadas pelos Estados-partes",
escreve Aras, mencionando que no Brasil o responsável é o Ministério da Justiça.
Ele ainda diz que "para terem validade no Brasil, as provas criminais obtidas nos EUA
devem (...) obedecer às limitações, formalidades e restrições à assistência nele apontadas".
Aras e o chefe dos procuradores da Força-Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, teriam tido
uma discussão sobre o assunto por meio de mensagens de aplicativos em fevereiro de 2016.
Nessa época, Aras era ex-diretor da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral
da República.
Dallagnol teria avisado que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal seguiriam
com ações para extradição de um acusado dos EUA sem passar pelo Ministério da Justiça,
como requeria a lei.
Aras sugere que ele deveria passar o assunto pelo órgão federal.
Deltan então teria respondido:
“Obrigado, Vlad (Aras), mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar
algo pelo Executivo”, teria escrito Dallagnol.
Aras teria então dito: “A questão não é de conveniência.
É de legalidade, Delta (Dallagnol).
O tratado (de cooperação internacional) tem força de lei federal ordinária e atribui
ao Ministério da Justiça a intermediação”.
A BBC News Brasil pediu esclarecimentos sobre o assunto ao Ministério da Justiça, que
não respondeu até o momento em que eu gravo este vídeo.
O Ministério, no entanto, já informou, em juízo, que não encontrou pedidos de cooperação
formal entre Lava Jato e EUA nos casos envolvendo o ex-presidente Lula.
A pesquisa, no entanto, não abarca certas fases de investigação, em sigilo, e por
isso a atuação da Lava Jato com os americanos pode ter sido legal.
Consultado sobre em que parâmetros se deu a cooperação entre EUA e a Lava Jato, o
ex-juiz Sérgio Moro afirmou para mim, por meio de sua assessoria, que “a cooperação
foi por meios formais, inclusive por escrito, o que não exclui contatos verbais entre as
autoridades envolvidas na cooperação".
Ainda nas palavras de Moro: "não há nada de irregular ou ilegal nisso.
Quem afirma o contrário, não conhece a cooperação jurídica internacional.
Os únicos interesses envolvidos foram os de aplicar a lei em cooperação internacional
a casos graves de suborno transnacional, como ocorre normalmente entre autoridades de países
diversos”.
Já o Ministério Público Federal afirmou, em nota, que "nenhum documento foi utilizado
pela força-tarefa Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais oficiais, ressalvadas
situações de urgência informadas nos autos".
E afirmou que, em situações de investigação internacional, "antes da formalização de
um pedido formal por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável e legal que as
autoridades mantenham contatos informais e diretos".
O MPF ressaltou que a cooperação internacional foi fundamental para devolver 4,3 bilhões
de reais aos cofres públicos e que, durante a Lava Jato, recebeu 653 pedidos de cooperação
de 61 países e realizou 597 pedidos a 58 países.
Os procuradores disseram ainda que "os procedimentos e atos da força-tarefa da Lava Jato sempre
seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas" e que "não reconhecem as supostas
mensagens" divulgadas pelo The Intercept como verdadeiras.
Diz o órgão: "As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram
sua autenticidade aferida, sendo passíveis de edições e adulterações".
Os congressistas americanos pediram ao Departamento de Justiça uma resposta até o dia 31 de
julho.
O autor da iniciativa, o deputado Hank Johnson, me disse que "esse é claramente um assunto
fundamental na relação entre Brasil e EUA".
Vou acompanhar os desdobramentos desse caso por aqui, pessoal e volto com novidades.
Até a próxima!
Tchau