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Os Escravos, por Antonio Frederico de Castro Alves, 22º Poema: O canto de Bug Jargal, de Os Escravos, de Castro Alves

22º Poema: O canto de Bug Jargal, de Os Escravos, de Castro Alves

O canto de Bug Jargal

(Traduzido de V. HUGO)

Por que foges de mim? Por que, Maria?

E gelas-te de medo, se me escutas?

Ah! sou bem formidável na verdade,

Sei ter amor, ter dores e ter cantos!

Quando, através das palmas dos coqueiros

Tua forma desliza aérea e pura,

Ó Maria, meus olhos se deslumbram,

Julgo ver um espírito que passa.

E se escuto os acentos encantados,

Que em melodia escapam de teus lábios,

Meu coração palpita em meu ouvido

Misturando um queixoso murmurio

De tua voz à lânguida harmonia.

Ai! tua voz é mais doce do que o canto

Das aves que no céu vibram as asas,

E que vem no horizonte lá da pátria.

Da pátria onde era rei, onde era livre!

Rei e livre, Maria! e esqueceria

Tudo por ti... esqueceria tudo

— A família, o dever, reino e vingança

Sim, até a vingança! ... ainda que cedo

Tenha enfim de colher este acre fruto,

Acre e doce que tarde amadurece.

...................................................................

Ó Maria, pareces a palmeira

Bela, esvelta, embalada pelas auras.

E te miras no olhar de teu amante

Como a palmeira n'água transparente. Porém ... sabes? Às vezes há no fundo

Do deserto o uragã que tem ciúmes

Da fonte amada... e arroja-se e galopa.

O ar e a areia misturando turvos

Sob o vôo pesado de suas asas.

Num turbilhão de fogo, árvore e fonte

Envolve... e seca a límpida vertente,

Sente a palmeira a um hálito de morte

Crespar-se o verde circ'lo da folhagem, Que tinha a majestade de uma c'roa E a graça de uma solta cabeleira.

...................................................................

Oh! treme, branca filha de Espanhola,

Treme, breve talvez tenhas em torno

O uragã e o deserto. Então, Maria,

Lamentarás o amor que hoje pudera

Te conduzir a mim, bem como o kata

— Da salvação o pássaro ditoso —

Através das areias africanas

Guia o viajante lânguido à cisterna.

E por que enjeitas meu amor? Escuta:

Eu sou rei, minha fronte se levanta

Sobre as frontes de todos. Ó Maria,

Eu sei que és branca e eu negro, mas precisa

O dia unir-se à noite feia, escura,

Para criar as tardes e as auroras,

Mais belas do que a luz, mais do que as trevas!


22º Poema: O canto de Bug Jargal, de Os Escravos, de Castro Alves 22nd Poem: The song of Bug Jargal, from Castro Alves' The Slaves

O canto de Bug Jargal

(Traduzido de V. HUGO)

Por que foges de mim? Por que, Maria?

E gelas-te de medo, se me escutas?

Ah! sou bem formidável na verdade,

Sei ter amor, ter dores e ter cantos!

Quando, através das palmas dos coqueiros

Tua forma desliza aérea e pura,

Ó Maria, meus olhos se deslumbram,

Julgo ver um espírito que passa.

E se escuto os acentos encantados,

Que em melodia escapam de teus lábios,

Meu coração palpita em meu ouvido

Misturando um queixoso murmurio

De tua voz à lânguida harmonia.

Ai! tua voz é mais doce do que o canto

Das aves que no céu vibram as asas,

E que vem no horizonte lá da pátria.

Da pátria onde era rei, onde era livre!

Rei e livre, Maria! e esqueceria

Tudo por ti... esqueceria tudo

— A família, o dever, reino e vingança

Sim, até a vingança! ... ainda que cedo

Tenha enfim de colher este acre fruto,

Acre e doce que tarde amadurece.

...................................................................

Ó Maria, pareces a palmeira

Bela, esvelta, embalada pelas auras.

E te miras no olhar de teu amante

Como a palmeira n'água transparente. Porém ... sabes? Às vezes há no fundo

Do deserto o uragã que tem ciúmes

Da fonte amada... e arroja-se e galopa.

O ar e a areia misturando turvos

Sob o vôo pesado de suas asas.

Num turbilhão de fogo, árvore e fonte

Envolve... e seca a límpida vertente,

Sente a palmeira a um hálito de morte

Crespar-se o verde circ'lo da folhagem, Que tinha a majestade de uma c'roa E a graça de uma solta cabeleira.

...................................................................

Oh! treme, branca filha de Espanhola,

Treme, breve talvez tenhas em torno

O uragã e o deserto. Então, Maria,

Lamentarás o amor que hoje pudera

Te conduzir a mim, bem como o kata

— Da salvação o pássaro ditoso —

Através das areias africanas

Guia o viajante lânguido à cisterna.

E por que enjeitas meu amor? Escuta:

Eu sou rei, minha fronte se levanta

Sobre as frontes de todos. Ó Maria,

Eu sei que és branca e eu negro, mas precisa

O dia unir-se à noite feia, escura,

Para criar as tardes e as auroras,

Mais belas do que a luz, mais do que as trevas!