PELADO
Fala, Diegão. Cheguei, irmão.
Peguei um trânsito enorme do aeroporto pra cá.
Por isso que eu demorei.
Agner, meu amigo maravilhoso.
Eu não sabia que você ia chegar tão cedo.
Como é que foi o intercâmbio? Cara, dá aqui
-um abraço de verdade, de amigo. -Não encosta em mim, não.
O que está acontecendo aqui?
Está tudo bagunçado, né? Olha, a gente põe uma musiquinha
e vamos arrumar isso aqui devagarinho.
Eu estou pouco me fodendo pra essas meias em cima do sofá.
Eu quero saber por que você está pelado no meio da sala.
Pô, cara, desde que você saiu pra viajar,
um calor do caralho no Rio de Janeiro.
Eu aderi a esse movimento maravilhoso de ficar sem roupa
dentro de casa, pelado.
Pelado, peladinho pelado, peladinho
Agora roupa, pra mim, é igual cachorro.
Adoro, mas dentro de casa, é complicado.
-Te incomoda, parceria? -Não, imagina. Imagina.
Eu só estou tapando os olhos aqui por causa da claridade.
-É claro que incomoda, porra. -Poxa, cara.
Rio de Janeiro, veraozão, 42° C,
sensação térmica de calor do caralho.
Se eu boto um short, uma bermuda, a minha pressão vai descer aqui.
Eu não estou nem aí pra previsão do tempo.
Eu só estou te pedindo pra vestir alguma coisa,
pra gente poder conversar e eu conseguir
descansar sem ter ânsia de vômito olhando
-pras tuas partes íntimas aí, pô. -Eu aceito o seu desabafo, cara.
Mas eu preciso te dizer uma coisa.
Eu viciei nesse estilo de vida.
Você não tem do que é acabar uma reunião...
tensa e chegar na sua geladeira.
Você abraça a sua geladeira, você agradece a sua geladeira.
Você abre ela e olha.
Ela te dá vida. E você vive esse refresco.
Isso daqui, você se joga pra ela de verdade,
ou, então, você fica de bruços no chão.
Vem aquele vapor gelado, refrescante, cheiro de comida.
Meu amigo,
-isso entra na sua alma. -Parabéns.
Você está romantizando ficar pelado.
Você é o Vinicius de Moraes sem cueca.
Olha só, aplausos pra você, mas não estou te pedindo
pra botar um moletom, não, irmão.
Estou te pedindo pra botar, pelo menos, um short.
E, se possível, não abraçar mais a minha geladeira
-porque eu também uso. -Você não pode pedir isso, cara.
Eu pago 50% do aluguel dessa casa.
É um direito meu eu ficar pelado.
Se eu quiser usar sunga, sunkini, calça, shortinho,
pulseirinha de equilíbrio, você não pode se meter.
Aí, na boa, você é a pior pessoa no mundo pra dividir apê, cara.
Quer saber? Eu estou cansado.
Meu fuso horário está todo bagunçado.
Foda-se. Fica do jeito que você quiser, cara.
-Eu vou pro meu quarto. -Depois a gente conversa, então.
Está certo? Quer um golinho?
Eu pego um copo d'água da torneira. Obrigado.
Gente, o povo volta estressado da viagem.
Delícia.
Bora que bora.
E aí, meu irmão.
Ainda bem que você falou dessa liberdade.
Coisa maravilhosa. Estou gostando, hein.
Cara, uma vez que vai, não volta mais, não.
Deixa eu te falar. Posso fazer uns exercícios aqui?
-Exercício físico? -É.
Ué, pode, mas peladão desse jeito aí mesmo?
Não, hoje é a minha série de agachamento.
Pra mim, deu.
Eu estou voltando pra casa da minha mãe, viu.
-Boa sorte, irmão. -O quê?
Fui.
Mas que estresse, hein, camarada?
Que intercâmbio é esse, hein?