3 erros que levaram à falta de vacinas contra covid-19 no Brasil
As imagens de idosos e profissionais de saúde se vacinando pelo Brasil trouxeram esperança
de dias melhores na luta contra a covid-19
Mas já vimos que essa jornada não vai ser nada simples: várias cidades, como Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Cuiabá e Curitiba chegaram a suspender a vacinação,
por causa da falta de doses
E problemas de abastecimento devem se repetir ao longo do ano
Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil, e hoje eu vou falar de três
erros que teriam levado à falta de vacinas, segundo especialistas com quem eu conversei
Vamos logo direto a eles
Segundo a epidemiologista Ethel Maciel e o fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto, o
primeiro e maior erro foi o governo federal foi não comprar vacinas antecipadamente,
ainda em 2020
No meio do ano passado, quando fabricantes anunciaram que estavam desenvolvendo vacinas,
vários países, como Chile, Colômbia e Reino Unido, negociaram a compra desses produtos
ainda na fase de testes
Era uma aposta
A pesquisa podia dar errado
Mas fechar o contrato antes significava garantir acesso às doses
Uma das estratégias para minimizar esse risco seria montar uma cesta variada de vacinas
Por exemplo, comprar doses da Oxford-AstraZeneca, CoronaVac, Pfizer e Moderna
Mas o Brasil não fez isso
E recusou um acordo proposto pela Pfizer que garantiria 70 milhões de vacinas em dezembro do ano passado
O governo brasileiro argumentou que as cláusulas eram abusivas
Em nota, o Ministério da Saúde citou como exemplo o fato de a Pfizer exigir que, em
caso de desavença com o governo brasileiro, as negociações de arbitragem teriam que
se pautar nas leis de Nova York, não nas do Brasil
Outro ponto mencionado pelo governo brasileiro foi a exigência da Pfizer de assinatura de
um termo de responsabilidade para isentar a fabricante de penalização civil por eventuais
efeitos colaterais graves da vacina
A Pfizer rebateu dizendo que esses mesmos termos foram aceitos por outros países que
compraram a vacina, entre eles Estados Unidos, Colômbia, Chile, Reino Unido, Japão, Equador
e a União Europeia
Enquanto isso, os institutos de pesquisa Fiocruz e Butantan tomaram a iniciativa de negociar
vacinas com a Oxford-AstraZeneca e a chinesa Sinovac
O governo federal aceitou a proposta da Fiocruz, mas em outubro do ano passado rejeitou uma
proposta do Butantan que previa a entrega de 45 milhões de doses da CoronaVac até
dezembro
E outras 15 milhões no primeiro trimestre de 2021
Houve uma distorção por parte do João Dória tocante ao que ele falou
Ele tem um protocolo de intenções. Já mandei cancelar se ele assinou
Já mandei cancelar, o presidente sou eu. Não abro mão da minha autoridade
Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós
Depois, em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro voltou atrás e firmou acordo para comprar
as vacinas do Butantan
O problema é que essa demora na negociação atrasou, também, o calendário de entrega
dos produtos
Isso porque a capacidade de produção do Butantan e da Fiocruz esbarra no ritmo de
importação de insumos da China
Na primeira fase de vacinação, foram entregues só 12 milhões de doses
O suficiente para imunizar seis milhões de pessoas, já que cada uma precisa de duas
doses
Isso é só 3% da população brasileira e nem chega a atender o grupo prioritário,
de idosos e profissionais de saúde
É um país que teria condições de ter uma oferta maior de vacina se nós tivéssemos
feito o que outros países fizeram, como, por exemplo, o Chile
O Chile hoje tem três doses de vacina por habitante, só que ele começou a comprar
vacina em setembro
Nós não começamos a comprar vacina cedo
Não fizemos nenhuma aposta
Aí, você pode estar se perguntando: por que o governo federal não compra agora doses de
outras fabricantes para complementar?
O problema é que, como o Brasil largou atrasado na negociação, grandes fabricantes, como
Pfizer e Moderna, já venderam para outros países a grande maioria dos seus lotes
Segundo Vecina Neto, restou para o Brasil apostar agora em vacinas que ainda despertam
desconfiança pela falta de transparência nos estudos ou que não concluíram a última
etapa de pesquisa, como a russa Sputnik V e a indiana Covaxin
A Sputnik V, especificamente, já foi alvo de críticas internacionais pela falta de
transparência no processo de fabricação do imunizante
Mesmo na Rússia o ritmo de vacinação começou lento, porque a população questionava a
eficácia da vacina
No início do mês, o instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia alcançou uma etapa importante
em comprovar a eficácia da vacina, ao publicar um estudo na revista científica Lancet
Essa pesquisa mostrava um percentual de 91% de proteção
Só que tanto essa vacina russa quanto a indiana Covaxin não divulgaram ainda os resultados
da fase 3 de testes, quando o imunizante é aplicado num grupo grande e heterogêneo de
voluntários, para verificar reações adversas, por exemplo
Agora chegamos no segundo erro, que poderia ter mitigado as consequências da escassez
de vacinas: a falta de uma definição sobre quem deveria receber a vacina primeiro, dentro
do grupo de prioridades
Ou seja, quem é a prioridade das prioridades
Quando as vacinas foram distribuídas para os municípios
Para os Estados e municípios, não tinha uma ordenação
de quem deveria receber a vacina primeiro, quem deveria receber a vacina depois
No cenário de escassez total, quem seria a prioridade da prioridade
O governo não fez isso
Abriu um espaço muito grande para que os estados e municípios fossem criando sua própria ordenação
Como não teve uma coordenação federal, cada município criou as próprias regras
E aí a gente viu distorções
Já que não havia uma definição sobre quem se enquadraria como profissional de saúde,
em algumas cidades, esteticistas, psicólogos e até instrutores de pilates foram vacinados
antes de idosos com mais de 80 anos
Diante dessa situação, o Supremo Tribunal Federal determinou, no dia oito de fevereiro,
que o governo federal divulgasse a ordem de preferência dentro do grupo prioritário
Mas a essa altura, as doses da primeira remessa já estavam acabando
Por fim, o terceiro erro: a falta de treinamento e orientação às equipes que administram
a vacina
Em alguns municípios, profissionais de saúde relataram desperdício de doses, especialmente
nas cidades que decidiram escalonar por idade
No Rio de Janeiro, foi amplamente noticiado que doses da Oxford-AstraZeneca foram jogadas
fora por causa do baixo comparecimento de idosos em algumas áreas da cidade
Uma vez aberto o frasco para colocar na seringa, o conteúdo da vacina de Oxford só tem validade
por seis horas
Como não havia orientação clara sobre o que fazer na ausência do grupo-alvo da vacinação,
as doses que sobravam nos frascos abertos foram perdendo a validade
Ou seja, além de termos pouca vacina, a falta de orientação aos profissionais levou a
uma redução ainda maior do estoque
Segundo a epidemiologista Ethel Maciel, seria o caso de orientar que, em situações assim, é
melhor administrar a vacina em quem estiver por lá, por exemplo, no acompanhante do idoso,
a desperdiçar as doses
Segundo o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, que já foi Secretário Nacional de
Vigilância Sanitária, se a gente tivesse vacina e um planejamento prévio mínimo,
o SUS teria condições de imunizar até 60 milhões de pessoas por mês
Considerando que existem cerca de 160 milhões de brasileiros com mais de 18 anos, seria
possível imunizar essa população toda até meados de julho
Só falta a vacina
Mas as coisas podem melhorar a partir do final de março, se for cumprido o cronograma de
entrega de cerca de 30 milhões de doses por mês de CoronaVac e da Oxford-AstraZeneca
E enquanto isso, o governo federal tenta negociar mais doses de outras fabricantes
Vamos ver como o país se organiza para garantir a distribuição quando essas vacinas chegarem
É isso por hoje
Se você tiver alguma dúvida ou comentário
escreva aqui em baixo
Até a próxima!