Covid-19: os inesperados 'efeitos colaterais' positivos da vacina
As vacinas contra a covid-19 protegem contra a infecção ou evitam os casos graves da doença?
Essa é uma dúvida que tem levantado muitos debates entre a comunidade científica.
Pelo que se sabe até o momento, as vacinas já aprovadas em muitos países,
incluindo o Brasil, foram desenvolvidas e têm uma
boa eficácia para prevenir os quadros de covid-19 que apresentam sintomas.
Guarde bem essa palavra: sintomas.
Mas a experiência nos países com a vacinação mais adiantada, como é o caso de Israel,
mostra que os benefícios podem ir muito além da prevenção dos casos sintomáticos da doença.
Meu nome é André Biernath, sou repórter da BBC News Brasil, em São Paulo, e neste vídeo vou
falar sobre os inesperados efeitos colaterais positivos dos imunizantes contra a covid-19.
Entre eles, está a prevenção até de casos leves da doença.
Mas antes de chegarmos lá, é preciso entender como os cientistas estão medindo a eficácia
e a efetividade da vacinação. Precisamos voltar lá para o dia 9 de abril de 2020.
Naquela data, a Organização Mundial da Saúde publicou um documento que estabeleceu os
requisitos mínimos para que uma vacina contra o coronavírus fosse aprovada.
Entre uma série de critérios e detalhes, uma regra se destaca como a mais importante de todas:
para ser aprovado, um novo imunizante precisaria ter uma
taxa de eficácia mínima de 50% contra pelo menos um entre três desfechos.
Desfecho número um: a infecção em si
Desfecho número dois: a doença sintomática
E desfecho número três: as formas graves da covid-19.
É preciso dizer que essa definição não é exatamente uma novidade:
nós temos um monte de vacinas usadas há anos que são ótimas para impedir que o vírus invada nosso
organismo e comece a se replicar lá dentro, o que causaria uma série de transtornos pra gente.
É isso que acontece nas vacinas que nos protegem contra o sarampo e a febre amarela,
por exemplo. Quando tomamos essas doses, ficamos protegidos de pegar as doenças.
Mas há uma segunda categoria de imunizantes que é extremamente importante para a saúde pública:
Eles não são capazes de barrar a infecção em si, mas impedem que ela evolua e afete
demais o organismo, o que exigiria internação num hospital e toda uma atenção médica especializada.
O melhor exemplo aqui é a vacina contra a gripe. Quem recebe sua dose no início do
outono até permanece com um risco de contrair o vírus influenza pelos próximos meses. Mas,
se isso realmente acontecer, os sintomas da doença serão bem
mais leves e não exigirão longas estadias em enfermarias ou UTIs.
Isso é bom para a pessoa, que não fica com a saúde prejudicada, e é ótimo para o sistema
de saúde como um todo, que não entra em colapso com a chegada de vários pacientes ao mesmo tempo.
Mas vamos voltar para a covid-19. Como os imunizantes
foram desenvolvidos contra essa doença?
Bom, a pandemia trouxe um desafio extra, que foi a necessidade de encontrar uma solução com rapidez,
já que não dá pra esperar anos e mais anos para ter uma vacina
contra uma doença que está matando milhares de pessoas todos os dias.
E foi justamente para acelerar esse processo que
os laboratórios farmacêuticos e os centros de pesquisa desenharam os testes clínicos de
suas vacinas para saber se elas seriam eficazes contra a doença com sintomas.
Se você está lembrado do começo do vídeo, esse foi o segundo desfecho estabelecido pela OMS.
Na atual conjuntura, não seria possível medir se
os imunizantes previnem contra a infecção por dois motivos.
Primeiro, porque uma parcela considerável dos infectados
com o coronavírus não apresenta sintoma nenhum.
E, segundo, uma estratégia dessas exigiria um aparato
técnico e um investimento financeiro gigantescos.
Já pensou precisar fazer testes de RT-PCR em dezenas de milhares de voluntários por várias
semanas seguidas? Nem as farmacêuticas mais ricas do mundo têm bala na agulha pra isso.
Se o primeiro desfecho era difícil de medir, o que dizer do terceiro,
que tentava avaliar o poderio das vacinas contra os quadros mais graves,
que exigem hospitalização e apresentam maior risco de morte?
A dificuldade aqui estaria no tempo de observação necessário.
Só nos Estados Unidos, estima-se que, de cada 200 pessoas infectadas com o coronavírus, uma morre.
Os pesquisadores então levariam muitos meses para atingir um número de mortes suficientes
e poder fazer as análises estatísticas que estabelecem a eficácia das vacinas.
Bom, com tantas limitações, os competidores apostaram então no caminho do meio.
Os testes clínicos foram desenhados para medir
o quanto cada vacina protegeria contra a covid-19 sintomática.
Foram justamente esses estudos que permitiram avaliar cada candidata, algumas delas já
aprovadas pelas agências regulatórias no Brasil e em vários outros países do mundo.
E aqui tem uma controvérsia importante nessa história,
pois cada competidor estabeleceu critérios para definir o que é um sintoma de covid-19.
Nos testes da Coronavac, feitos no Brasil pelo Instituto Butantan e pela Sinovac,
por exemplo, todos os voluntários foram orientados a avisar aos
pesquisadores qualquer incômodo que sentiam, por mais leve que fosse.
Daí eles passaram por aquele exame de RT-PCR, para saber se estavam com covid-19 ou não.
Já o laboratório americano Moderna estipulou que, para realizar um teste desse tipo, o participante
deveria ter no mínimo dois sintomas ou um sinal bem claro de covid-19, como falta de ar.
E é claro que essa diferença de critérios impacta o resultado das análises preliminares. Pode ser,
portanto, que na experiência de vida real, as taxas de eficácia flutuem para mais e para menos.
E, diante disso, não faz nenhum sentido comparar a eficácia de uma vacina com a outra.
Até porque as vacinas não protegem as pessoas só numa perspectiva individual.
Elas são uma ferramenta coletiva. Precisamos que muita gente tome
as doses para que todos fiquem mais seguros contra uma doença infecciosa.
Um detalhe curioso dessa história toda é que, durante os testes clínicos de uma
nova vacina, os cientistas aproveitam toda a estrutura para fazer medições paralelas.
Na prática, além de medirem a eficácia das doses contra a covid-19 sintomática,
os especialistas também avaliaram os chamados desfechos secundários,
ou a capacidade de os imunizantes atuarem contra outros parâmetros importantes,
como a hospitalização, o desenvolvimento de quadros mais graves ou a morte.
E muitas das candidatas às vacinas já mostraram que tinham o potencial para irem além da prevenção
de casos sintomáticos. Em algumas delas, como a própria Coronavac, os cientistas já
notaram uma capacidade de prevenir quadros de hospitalização por covid-19, por exemplo
Mas a experiência da vida real mostrou que as vacinas podem ir muito além disso:
os dados de Israel, país que tem a campanha de imunização mais adiantada do mundo,
indicam que as doses também estão protegendo contra a infecção pelo coronavírus.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde israelense e pelas farmacêuticas
Pfizer e BioNtech
indicam que a aplicação em larga escala do imunizante gerou uma queda dramática nos
casos, nas hospitalizações e nas mortes por covid-19 em todo o país.
De acordo com o relatório, as análises revelam que indivíduos não vacinados têm 44 vezes mais
risco de desenvolver uma infecção assintomática e 28 vezes mais probabilidade de morrer pela doença.
Ah, lembre que os testes clínicos da vacina de Pfizer e BioNTech tinham
o objetivo de medir a eficácia contra a covid-19 sintomática.
Mas a experiência de vida real mostrou que esses benefícios vão além disso:
as doses evitam a infecção, que era o primeiro quesito citado pela OMS,
e evitam quadros muito graves, que se enquadram no terceiro quesito estipulado pela entidade.
Isso certamente é uma ótima notícia, ainda mais quando sabemos que outras vacinas,
como aquelas feitas pela Moderna e por AstraZeneca e Universidade
de Oxford começam a mostrar resultados parecidos.
Mas há um fator essencial para garantir que a vacinação alcance bons resultados: a agilidade.
Precisamos que autoridades públicas façam campanhas massivas e protejam o máximo de
pessoas no menor espaço de tempo possível. Isso ajudará eventualmente a quebrar as
cadeias de transmissão e evitará que as novas variantes do coronavírus se espalhem ainda mais.
Isso sem contar, claro, a queda de risco de hospitalização pelo agravamento do quadro,
que faz o sistema de saúde entrar em colapso, como acontece agora no Brasil.
No momento, de acordo com especialistas com quem conversei, o Brasil precisa botar o pé no
acelerador: por mais que a quantidade de vacinados por dia tenha aumentado, ela está longe do ideal.
Bom, eu fico por aqui acompanhando as notícias e as últimas descobertas sobre a pandemia. Não
se esqueça de curtir o vídeo e se inscrever no canal da BBC News Brasil no YouTube.
Deixe também seu comentário aqui embaixo que sempre estamos de olho.
Um abraço, se cuida e até a próxima.