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Filosofia - Português Europeu, Pretender o Mal - 11

Pretender o Mal - 11

Deontologia Na filosofia moral — isto é, no nível do pensamento crítico — o duplo efeito só faz sentido integrado numa teoria deontológica da obrigação. Os deontologistas atribuem relevância moral básica às três distinções acima indicadas, embora nem sempre a atribuam a todas elas. Ao fazê-lo afastam-se em duas direcções da perspectiva utilitarista: por um lado, rejeitam a ideia de que é sempre obrigatório maximizar imparcialmente o bem; por outro lado, e este é o aspecto que mais nos interessa, pensam que tal maximização nem sempre é permissível. Os críticos do utilitarismo têm argumentado decisivamente a favor do primeiro tipo de afastamento. Quando os utilitaristas defendem a maximização do bem, estão a exigir que cada agente desenvolva ou preserve os seus projectos e compromissos pessoais apenas na medida em que fazê-lo dê origem à melhor situação global, avaliada de uma perspectiva impessoal. No entanto, as pessoas costumam formar os seus projectos e compromissos independentemente de qualquer contribuição para o maior bem, e por isso dedicam-lhes uma energia e atenção que excedem largamente o que seria apropriado numa tal perspectiva. Deste modo, a um nível prático levar a sério o utilitarismo implicaria abandonar ou negligenciar a maior parte dos nossos projectos e compromissos — deveríamos reestruturar toda a nossa vida em função do Único Grande Projecto digno de atenção. Sendo assim, concluem os críticos, a ética utilitarista não é apenas muito exigente: ameaça a nossa própria integridade, pois obriga-nos a deixar de agir de acordo com os nossos projectos e compromissos pessoais, alienando-nos das nossas acções. Responder a esta objecção é um dos maiores desafios que os utilitaristas têm de enfrentar.

O segundo tipo de afastamento permanece mais controverso. Afinal, por que razão há-de ser por vezes errado dar origem ao melhor estado de coisas? Apontando para casos como o Transplante, o deontologista pode apelar aqui às intuições morais comuns. Se fosse sempre permissível maximizar imparcialmente o bem, o cirurgião poderia assassinar o paciente, o que se nos afigura inaceitável. Para preservar coerentemente as nossas intuições, temos de reconhecer restrições deontológicas: proibições centradas no agente que impedem a realização de certos tipos de actos. Matar pessoas inocentes, por exemplo, é algo que é errado um agente fazer, mesmo quando matar uma pessoa se revele necessário para evitar que outros agentes matem várias pessoas. Os defensores do duplo efeito recorrem à doutrina para delimitar o alcance das restrições deontológicas. Thomas Nagel (1986: 173) é muito claro a este respeito: para violar uma restrição deontológica temos que maltratar alguém intencionalmente. O mal infligido tem de ser algo que fazemos ou escolhemos como um fim ou como um meio, e não algo que não visamos e que as nossas acções se limitam a causar ou a não impedir que se verifique.

No entanto, a ideia de que as intenções têm relevância moral básica é contestada não só pelos utilitaristas, mas também por alguns deontologistas. Aquilo que um agente pretende ao agir de certa maneira, declaram, mesmo que nos possa dizer muito sobre o seu carácter, nunca torna certo ou errado aquilo que ele faz. Gostaria agora de apreciar resumidamente três argumentos a favor desta ideia. Se algum deles fosse convincente, poderíamos desde já excluir a DDE do pensamento moral crítico e assim terminar este estudo. Um desses argumentos é proposto por James Rachels (1986: 93). Imagine-se dois agentes que vão visitar um familiar ao hospital — o primeiro, João, com a intenção de o animar; o segundo, Pedro, com a intenção de ser incluído no testamento. Rachels diz o seguinte sobre estes agentes: A intenção de João foi honrosa, mas a de Pedro não. Poderemos dizer que em virtude disso o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. Este argumento não pode ser mais que uma simples petição de princípio. É verdade que, sob uma certa descrição, os dois agentes fizeram a mesma coisa, mas as acções são acontecimentos que podem ser descritos de várias maneiras e há descrições que só são satisfeitas pelo acto de um dos agentes. Em vez de descrevermos o que Pedro fez como um acto de visitar um familiar ao hospital podemos dizer, por exemplo, que aquilo que Pedro fez foi manipular um familiar. Esta descrição não é satisfeita pelo acto de João, e por isso não é verdade que ambos tenham feito a mesma coisa. Se dissermos que ainda assim fizeram a mesma coisa nos aspectos moralmente relevantes, tomando como irrelevante a segunda descrição do que Pedro fez por esta dizer respeito à sua intenção, estaremos a pressupor o que queremos provar. Além disso, podemos construir um argumento análogo para «refutar» o utilitarismo mostrando que as consequências dos actos são irrelevantes para a avaliação da conduta. Uma vez mais, João e Pedro vão visitar um familiar ao hospital, mas embora este último fique muito satisfeito com a visita do primeiro, a visita do segundo deixa-o extremamente deprimido. Poderemos dizer que, em virtude das consequências dos actos, o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. É óbvio que se aceitássemos o argumento de Rachels teríamos também de aceitar este argumento contra o utilitarismo. Rachels (1986: 92) esboça outro argumento contra a relevância das intenções quando diz: «Se [um] acto é errado com uma intenção, como pode ser certo com outra? É difícil ver como se pode fazer uma transformação do errado para o certo simplesmente “purificando a intenção”.» De acordo com esta objecção, se as intenções pudessem determinar a correcção de um acto, então, para tornar certo aquilo que fazemos, muitas vezes bastaria «dirigir a nossa intenção» de uma maneira apropriada, mantendo a nossa mente afastada das más consequências do que fazemos. E parece inaceitável que a correcção de um acto possa alguma vez depender desta espécie de ginástica mental privada. Singer (1993: 230), que considera «artificiosa» a distinção intenção/previsão, põe a questão nestes termos: «Não podemos evitar a responsabilidade dirigindo simplesmente a nossa intenção para um efeito em vez de outro.» Os defensores da DDE respondem dizendo que esta objecção pressupõe uma perspectiva errada da intenção. Gertrude Anscombe (1962: 257) chama «psicologia cartesiana» a essa perspectiva. «De acordo com esta psicologia», declara, «uma intenção é um acto interior da mente que pode ser realizado sempre que quisermos.» Mas, sugere Anscombe, a verdade é que não podemos gerar e eliminar intenções a nosso bel-prazer, e por isso a objecção carece de fundamento. David Oderberg (2000b: 101-5) desenvolve esta crítica fazendo notar que, mesmo que um agente afirme com toda a sinceridade e veemência que não pretendia que um certo mau resultado se verificasse, isso não prova que tal resultado tenha sido meramente previsto: para determinar as suas intenções é preciso examinar o seu comportamento e as circunstâncias em que este teve lugar. Se o agente não fez o que podia para atenuar o mau efeito ou até para impedir a sua ocorrência, isso constitui evidência de que o mesmo foi pretendido, o que não seria o caso se pudéssemos dirigir as intenções como bem entendêssemos. Curiosamente, a ideia de que as intenções estão excessivamente fora do nosso controle também milita a favor da sua irrelevância moral. Bennett (1995: 195-6) deixa isto claro expondo o seguinte argumento, o último que agora nos interessa: (1) Aquilo que pretendemos ao agir de certa maneira é definido pelas crenças e desejos que nos levam a agir dessa maneira; (2) não podemos gerar e eliminar crenças e desejos à nossa vontade; logo, (3) não podemos gerar e eliminar intenções à nossa vontade, o que implica que (4) as intenções não estão sob o domínio da ética. Isto significa que a ética não se dirige às intenções imediatamente futuras dos agentes: não nos diz o que podemos ou devemos pretender, tal como nos diz como podemos ou devemos comportar-nos. No entanto, como Bennett reconhece, este argumento é falacioso, pois não podemos inferir (3) a partir de (1) e (2): embora aparentemente não faça sentido proibir um agente de ter uma certa crença ou um certo desejo, faz sentido proibi-lo de agir em função dessa crença e desse desejo, ou seja, de pretender um certo resultado. Sem pressupor o utilitarismo ou algum outro tipo de consequencialismo, permanecemos assim sem qualquer razão para recusar relevância moral às intenções, mas é claro que isto não dispensa os defensores da DDE de apresentar razões para conceder tal relevância. Embora a apreciação das suas tentativas de justificar a doutrina esteja reservada para o terceiro capítulo, é útil ficarmos desde já com uma noção do seu conteúdo. Um exame à literatura permite identificar três tentativas principais. Temos, em primeiro lugar, a justificação tradicional da doutrina, proposta por absolutistas como Anscombe e Boyle. Sem a doutrina, defendem, seria impossível reconhecer proibições morais absolutas, mas como o absolutismo é verdadeiro devemos aceitar o duplo efeito. A segunda justificação a considerar foi introduzida por Quinn e parte da sua versão muito peculiar da doutrina, que introduzirei no próximo capítulo. Quinn pensa que a DDE se justifica em virtude de reflectir «um ideal kantiano de comunidade e interacção humanas» (1989: 37), pois em seu entender a doutrina discrimina negativamente um tipo de agência em que o agente trata os outros como se estes existissem para servir os seus propósitos. Por fim, encontramos uma justificação baseada no método do equilíbrio recíproco. Entre os deontologistas que advogam este método controverso, alguns, como Foot, subscrevem a DDE por pensarem que esta é necessária «para pôr a teoria moral de acordo com os pensamentos morais comuns» (1985: 71).

Notas:

7 Este tipo de afastamento é proposto de uma forma muito desenvolvida e sistemática por Samuel Scheffler (1982: 7-10, 41-70).

8 Para um desenvolvimento desta crítica, veja-se Oderberg (2000b: 105-10).

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Pretender o Mal - 11 Böses beabsichtigen - 11 Intend Evil - 11 Intención de mal - 11 Intention de nuire - 11 Intenzione di male - 11

Deontologia Na filosofia moral — isto é, no nível do pensamento crítico — o duplo efeito só faz sentido integrado numa teoria deontológica da obrigação. Deontologie||||||||||||||||||||deontologischen Theorie|| Deontology||||||||||||||||||||deontological|| Deontology In moral philosophy — that is, at the level of critical thinking — the double effect only makes sense when integrated into a deontological theory of obligation. Os deontologistas atribuem relevância moral básica às três distinções acima indicadas, embora nem sempre a atribuam a todas elas. ||||||||||angegebenen|||||sie zuordnen||| ||||||||||indicated|||||attribute||| Deontologists assign basic moral relevance to the three distinctions indicated above, although they do not always assign it to all of them. Ao fazê-lo afastam-se em duas direcções da perspectiva utilitarista: por um lado, rejeitam a ideia de que é sempre obrigatório maximizar imparcialmente o bem; por outro lado, e este é o aspecto que mais nos interessa, pensam que tal maximização nem sempre é permissível. |||entfernen sich|||||||||||verwerfen|||||||||||||||||||||||||||Maximierung|||| |||they distance themselves||||directions|||||||||||||||||||||||||||||||||||||| In doing so, they move away in two directions from the utilitarian perspective: on the one hand, they reject the idea that it is always obligatory to maximize the good impartially; on the other hand, and this is the aspect that interests us the most, they believe that such maximization is not always permissible. Os críticos do utilitarismo têm argumentado decisivamente a favor do primeiro tipo de afastamento. |||||argumentiert||||||||Abkehr |||||argued||||||||detachment Critics of utilitarianism have argued decisively in favor of the first type of distancing. Quando os utilitaristas defendem a maximização do bem, estão a exigir que cada agente desenvolva ou preserve os seus projectos e compromissos pessoais apenas na medida em que fazê-lo dê origem à melhor situação global, avaliada de uma perspectiva impessoal. ||||||||||||||||bewahrt||||||||||||||||||||bewertet||||unpersönlich ||||||||||||||develops||preserve||||||||||||||||||||assessed||||impartial perspective When utilitarians advocate for the maximization of good, they are demanding that each agent develop or preserve their personal projects and commitments only to the extent that doing so leads to the best overall situation, assessed from an impersonal perspective. No entanto, as pessoas costumam formar os seus projectos e compromissos independentemente de qualquer contribuição para o maior bem, e por isso dedicam-lhes uma energia e atenção que excedem largamente o que seria apropriado numa tal perspectiva. ||||||||||||||||||||||dedicate|||||||exceed|largely||||||| |||||||||||||||||||||||||||||przekraczają|||||||| However, people often form their projects and commitments independently of any contribution to the greater good, and for this reason, they dedicate energy and attention to them that far exceeds what would be appropriate from such a perspective. Deste modo, a um nível prático levar a sério o utilitarismo implicaria abandonar ou negligenciar a maior parte dos nossos projectos e compromissos — deveríamos reestruturar toda a nossa vida em função do Único Grande Projecto digno de atenção. |||||||||||bedeuten|||vernachlässigen||||||||||umstrukturieren||||||||||||| |||||||||||would imply|||neglecting||||||||||||||||||||||| Sendo assim, concluem os críticos, a ética utilitarista não é apenas muito exigente: ameaça a nossa própria integridade, pois obriga-nos a deixar de agir de acordo com os nossos projectos e compromissos pessoais, alienando-nos das nossas acções. ||||||||||||||||||||||||||||||||||entfremden|||| ||conclude||||||||||demanding||||||||||||||||||||||alienating|||| Thus, the critics conclude, utilitarian ethics is not only very demanding: it threatens our own integrity, as it forces us to stop acting according to our personal projects and commitments, alienating us from our actions. Responder a esta objecção é um dos maiores desafios que os utilitaristas têm de enfrentar. |||Einwand||||||||||| |||objection||||||||||| Responding to this objection is one of the greatest challenges utilitarians have to face.

O segundo tipo de afastamento permanece mais controverso. |||||||umstritten ||||removal||| The second type of detachment remains more controversial. Afinal, por que razão há-de ser por vezes errado dar origem ao melhor estado de coisas? After all, why should it sometimes be wrong to bring about the best state of affairs? Después de todo, ¿por qué razón a veces es incorrecto dar origen al mejor estado de cosas? Apontando para casos como o Transplante, o deontologista pode apelar aqui às intuições morais comuns. |||||||deontologe||||||| |||||||deontologist||||||| Pointing to cases like Transplantation, the deontologist may appeal here to common moral intuitions. Señalando casos como el Trasplante, el deontólogo puede apelar aquí a las intuiciones morales comunes. Se fosse sempre permissível maximizar imparcialmente o bem, o cirurgião poderia assassinar o paciente, o que se nos afigura inaceitável. ||||||||||||||||||erscheint uns| ||||||||||||||||||seems| If it were always permissible to impartially maximize the good, the surgeon could murder the patient, which seems unacceptable to us. Si fuera siempre permisible maximizar imparcialmente el bien, el cirujano podría asesinar al paciente, lo cual nos resulta inaceptable. Para preservar coerentemente as nossas intuições, temos de reconhecer restrições deontológicas: proibições centradas no agente que impedem a realização de certos tipos de actos. ||kohärent||||müssen wir||||deontologische Einschränkungen||zentriert||||||||||| ||||||||||deontological||||||||||||| To coherently preserve our intuitions, we must recognize deontological restrictions: prohibitions centered on the agent that prevent the performance of certain types of acts. Matar pessoas inocentes, por exemplo, é algo que é errado um agente fazer, mesmo quando matar uma pessoa se revele necessário para evitar que outros agentes matem várias pessoas. |||||||||||||||||||sich erweist|||||||töten|| |||||||||||||||||||reveals|||||||kill|| Killing innocent people, for example, is something that is wrong for an agent to do, even when killing one person turns out to be necessary to prevent other agents from killing multiple people. Os defensores do duplo efeito recorrem à doutrina para delimitar o alcance das restrições deontológicas. |||||resort||||||scope|||deontological Defenders of the double effect appeal to the doctrine to delineate the scope of deontological restrictions. Thomas Nagel (1986: 173) é muito claro a este respeito: para violar uma restrição deontológica temos que maltratar alguém intencionalmente. |||||||||||||||misshandeln|| |||||||||||restriction||||mistreat|| Thomas Nagel (1986: 173) is very clear on this: to violate a deontological constraint, we must intentionally harm someone. O mal infligido tem de ser algo que fazemos ou escolhemos como um fim ou como um meio, e não algo que não visamos e que as nossas acções se limitam a causar ou a não impedir que se verifique. |||||||||||||||||||||||anstreben|||||||||||||||| |||||||||||||||||||||||we aim|||||||||||||||| The harm inflicted has to be something we do or choose as an end or as a means, and not something we do not aim for and that our actions only cause or fail to prevent. El daño infligido debe ser algo que hacemos o elegimos como fin o como medio, y no algo que no pretendemos y que nuestras acciones simplemente causan o no impiden que suceda.

No entanto, a ideia de que as intenções têm relevância moral básica é contestada não só pelos utilitaristas, mas também por alguns deontologistas. |||||||||||||angefochten||||||||| |||||||||||||contested||||||||| However, the idea that intentions have basic moral relevance is contested not only by utilitarians but also by some deontologists. Aquilo que um agente pretende ao agir de certa maneira, declaram, mesmo que nos possa dizer muito sobre o seu carácter, nunca torna certo ou errado aquilo que ele faz. What an agent intends by acting in a certain way, they declare, even if it may tell us much about their character, never makes what they do right or wrong. Gostaria agora de apreciar resumidamente três argumentos a favor desta ideia. ||||briefly|||||| I would now like to briefly appreciate three arguments in favor of this idea. A continuación quisiera examinar brevemente tres argumentos a favor de esta idea. Se algum deles fosse convincente, poderíamos desde já excluir a DDE do pensamento moral crítico e assim terminar este estudo. If any of them were convincing, we could already exclude the DDE from critical moral thought and thus conclude this study. Um desses argumentos é proposto por James Rachels (1986: 93). |||||||Rachels' One of these arguments is proposed by James Rachels (1986: 93). Imagine-se dois agentes que vão visitar um familiar ao hospital — o primeiro, João, com a intenção de o animar; o segundo, Pedro, com a intenção de ser incluído no testamento. |||||||einen||||||||||||||||||||||| Imagine two agents who are going to visit a relative in the hospital — the first, João, with the intention of cheering him up; the second, Pedro, with the intention of being included in the will. Rachels diz o seguinte sobre estes agentes: A intenção de João foi honrosa, mas a de Pedro não. ||||||||||||ehrenhaft||||| ||||||||||||honorable||||| Rachels says the following about these agents: João's intention was honorable, but Pedro's was not. Poderemos dizer que em virtude disso o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Can we say that because of this, what João did was right, but what Pedro did was wrong? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. |||||||||||||||||||||||handelte|||||falsch |||||||||||||||||||||||acted||||| No, because João and Pedro did the same thing, and if they did the same thing under the same circumstances, we cannot say that one acted correctly and the other incorrectly. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. ||||bewerten wir|ähnlich|| ||||we evaluate|similarly|| Consistency requires us to similarly evaluate similar actions. Este argumento não pode ser mais que uma simples petição de princípio. |||||||||Zirkelschluss|| This argument cannot be anything more than a simple begging the question. É verdade que, sob uma certa descrição, os dois agentes fizeram a mesma coisa, mas as acções são acontecimentos que podem ser descritos de várias maneiras e há descrições que só são satisfeitas pelo acto de um dos agentes. ||||||||||||||||||||||beschrieben|||||||||||||||| ||||||||||||||||||||||described||||||descriptions|||||||||| It is true that, under a certain description, both agents did the same thing, but actions are events that can be described in various ways and there are descriptions that are only satisfied by the act of one of the agents. Em vez de descrevermos o que Pedro fez como um acto de visitar um familiar ao hospital podemos dizer, por exemplo, que aquilo que Pedro fez foi manipular um familiar. |||wir beschreiben||||||||||||||||||||||||manipulieren|| |||describing||||||||||||||||||||||||manipulating|| Instead of describing what Pedro did as an act of visiting a relative in the hospital, we can say, for example, that what Pedro did was to manipulate a relative. Esta descrição não é satisfeita pelo acto de João, e por isso não é verdade que ambos tenham feito a mesma coisa. This description is not satisfied by João's act, and therefore it is not true that both did the same thing. Se dissermos que ainda assim fizeram a mesma coisa nos aspectos moralmente relevantes, tomando como irrelevante a segunda descrição do que Pedro fez por esta dizer respeito à sua intenção, estaremos a pressupor o que queremos provar. |wir sagen||||||||||||||||||||||||||||||||||| Além disso, podemos construir um argumento análogo para «refutar» o utilitarismo mostrando que as consequências dos actos são irrelevantes para a avaliação da conduta. ||||||||widerlegen||||||||||irrelevant||||| ||||||analogous||refuting||||||||||irrelevant||||| Uma vez mais, João e Pedro vão visitar um familiar ao hospital, mas embora este último fique muito satisfeito com a visita do primeiro, a visita do segundo deixa-o extremamente deprimido. |||||||||||||||||||||||||||||||depressed Once again, João and Pedro go to visit a relative in the hospital, but while the former is very happy with the visit from the latter, the visit from the second leaves him extremely depressed. Poderemos dizer que, em virtude das consequências dos actos, o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Can we say that, due to the consequences of the actions, what João did was right, but what Pedro did was wrong? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. No, because João and Pedro did the same thing, and if they did the same thing, under the same circumstances, we cannot say that one acted correctly and the other incorrectly. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. ||||we evaluate||| Consistency requires that we evaluate similar actions similarly. É óbvio que se aceitássemos o argumento de Rachels teríamos também de aceitar este argumento contra o utilitarismo. It is obvious that if we accepted Rachels' argument we would also have to accept this argument against utilitarianism. Rachels (1986: 92) esboça outro argumento contra a relevância das intenções quando diz: «Se [um] acto é errado com uma intenção, como pode ser certo com outra? |skizziert||||||||||||||||||||||| |sketches||||||||||||||||||||||| Rachels (1986: 92) outlines another argument against the relevance of intentions when he says: 'If [an] act is wrong with one intention, how can it be right with another?' É difícil ver como se pode fazer uma transformação do errado para o certo simplesmente “purificando a intenção”.» De acordo com esta objecção, se as intenções pudessem determinar a correcção de um acto, então, para tornar certo aquilo que fazemos, muitas vezes bastaria «dirigir a nossa intenção» de uma maneira apropriada, mantendo a nossa mente afastada das más consequências do que fazemos. |||||||||||||||reinigen von|||||||||||||||||||||||||||genügen würde||||||||||||||||||| |||||||||||||||purifying|||||||||||||||||||||||||||it would be enough|||||||||||||away|||||| E parece inaceitável que a correcção de um acto possa alguma vez depender desta espécie de ginástica mental privada. ||||||||||||||||gymnastics|| Singer (1993: 230), que considera «artificiosa» a distinção intenção/previsão, põe a questão nestes termos: «Não podemos evitar a responsabilidade dirigindo simplesmente a nossa intenção para um efeito em vez de outro.» Os defensores da DDE respondem dizendo que esta objecção pressupõe uma perspectiva errada da intenção. |||künstlich||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| |||artificial||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| Singer (1993: 230), who considers the distinction between intention/foresight to be "artificial," poses the question in these terms: "We cannot avoid responsibility simply by directing our intention towards one effect instead of another." Defenders of DDE respond by saying that this objection presupposes a mistaken perspective on intention. Gertrude Anscombe (1962: 257) chama «psicologia cartesiana» a essa perspectiva. ||||kartesianische Psychologie||| ||||Cartesian||| Gertrude Anscombe (1962: 257) calls this perspective "Cartesian psychology." «De acordo com esta psicologia», declara, «uma intenção é um acto interior da mente que pode ser realizado sempre que quisermos.» Mas, sugere Anscombe, a verdade é que não podemos gerar e eliminar intenções a nosso bel-prazer, e por isso a objecção carece de fundamento. ||||||||||||||||||||||||||||||||||||Belieben|||||||entbehrt||Fundament ||||||||||||||||||||||||||||||||||||intention|||||||it|| "According to this psychology," she states, "an intention is an inner act of the mind that can be performed whenever we want." But, Anscombe suggests, the truth is that we cannot generate and eliminate intentions at will, and thus the objection is unfounded. David Oderberg (2000b: 101-5) desenvolve esta crítica fazendo notar que, mesmo que um agente afirme com toda a sinceridade e veemência que não pretendia que um certo mau resultado se verificasse, isso não prova que tal resultado tenha sido meramente previsto: para determinar as suas intenções é preciso examinar o seu comportamento e as circunstâncias em que este teve lugar. |||entwickelt||||||||||behauptet||||Aufrichtigkeit||Vehemenz||||||||||sich ereignete||||||||||||||||||||||||||||| |||||||||||||affirms||||sincerity||||||||||||occurred||||||||||was expected||||||||||||||||||| David Oderberg (2000b: 101-5) develops this criticism by noting that, even if an agent sincerely and vehemently claims that they did not intend for a certain bad outcome to occur, this does not prove that such an outcome was merely anticipated: to determine their intentions, it is necessary to examine their behavior and the circumstances in which it took place. Se o agente não fez o que podia para atenuar o mau efeito ou até para impedir a sua ocorrência, isso constitui evidência de que o mesmo foi pretendido, o que não seria o caso se pudéssemos dirigir as intenções como bem entendêssemos. |||||||||abmildern|||||||||||||||||||||||||||||||||wir es wollten |||||||||mitigate|||||||||||||||||||||||||||||||||understood If the agent did not do what they could to mitigate the bad effect or even to prevent its occurrence, this constitutes evidence that it was intended, which would not be the case if we could direct our intentions as we wished. Curiosamente, a ideia de que as intenções estão excessivamente fora do nosso controle também milita a favor da sua irrelevância moral. ||||||||||||||spricht dafür|||||Irrelevanz| ||||||||||||||militates|||||irrelevance| Interestingly, the idea that intentions are excessively beyond our control also argues in favor of their moral irrelevance. Bennett (1995: 195-6) deixa isto claro expondo o seguinte argumento, o último que agora nos interessa: (1) Aquilo que pretendemos ao agir de certa maneira é definido pelas crenças e desejos que nos levam a agir dessa maneira; (2) não podemos gerar e eliminar crenças e desejos à nossa vontade; logo, (3) não podemos gerar e eliminar intenções à nossa vontade, o que implica que (4) as intenções não estão sob o domínio da ética. ||||exposing|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| Bennett (1995: 195-6) lo aclara exponiendo el siguiente argumento, el último que nos interesa ahora: (1) Lo que pretendemos al actuar de una determinada manera viene definido por las creencias y deseos que nos llevan a actuar de esa manera; (2) no podemos generar y eliminar creencias y deseos a voluntad; por tanto, (3) no podemos generar y eliminar intenciones a voluntad, lo que implica que (4) las intenciones no están bajo el dominio de la ética. Isto significa que a ética não se dirige às intenções imediatamente futuras dos agentes: não nos diz o que podemos ou devemos pretender, tal como nos diz como podemos ou devemos comportar-nos. This means that ethics does not address the immediately future intentions of agents: it does not tell us what we can or should intend, just as it tells us how we can or should behave. No entanto, como Bennett reconhece, este argumento é falacioso, pois não podemos inferir (3) a partir de (1) e (2): embora aparentemente não faça sentido proibir um agente de ter uma certa crença ou um certo desejo, faz sentido proibi-lo de agir em função dessa crença e desse desejo, ou seja, de pretender um certo resultado. ||||||||trügerisch||||||||||||||||||||||||||||verbieten||||||||||||||||| ||||||||fallacious||||||||||||||||||||||||||||prohibit||||||||||||||||| However, as Bennett recognizes, this argument is fallacious, as we cannot infer (3) from (1) and (2): although it apparently makes no sense to prohibit an agent from having a certain belief or a certain desire, it makes sense to prohibit him from acting based on that belief and that desire, that is, from intending a certain outcome. Sin embargo, como reconoce Bennett, este argumento es falaz, porque no podemos inferir (3) de (1) y (2): aunque aparentemente no tenga sentido prohibir a un agente que tenga una determinada creencia o un determinado deseo, sí tiene sentido prohibirle que actúe de acuerdo con esa creencia y ese deseo, es decir, que quiera un determinado resultado. Sem pressupor o utilitarismo ou algum outro tipo de consequencialismo, permanecemos assim sem qualquer razão para recusar relevância moral às intenções, mas é claro que isto não dispensa os defensores da DDE de apresentar razões para conceder tal relevância. ||||||||||bleiben wir||||||||||||||||||||||||||einräumen|| ||||||||||we remain|||||||||||||||||exempts|||||||||to grant|| Without assuming utilitarianism or any other form of consequentialism, we thus remain with no reason to deny moral relevance to intentions, but it is clear that this does not exempt proponents of the DDE from presenting reasons to grant such relevance. Embora a apreciação das suas tentativas de justificar a doutrina esteja reservada para o terceiro capítulo, é útil ficarmos desde já com uma noção do seu conteúdo. ||||||||||is|||||||||||||||| Um exame à literatura permite identificar três tentativas principais. Temos, em primeiro lugar, a justificação tradicional da doutrina, proposta por absolutistas como Anscombe e Boyle. |||||||||||Absolutisten|||| |||||||||||absolutists|||| First of all, we have the traditional justification of the doctrine, proposed by absolutists like Anscombe and Boyle. Sem a doutrina, defendem, seria impossível reconhecer proibições morais absolutas, mas como o absolutismo é verdadeiro devemos aceitar o duplo efeito. Without the doctrine, they argue, it would be impossible to recognize absolute moral prohibitions, but since absolutism is true, we must accept the double effect. A segunda justificação a considerar foi introduzida por Quinn e parte da sua versão muito peculiar da doutrina, que introduzirei no próximo capítulo. |||||||||||||||||||einführen werde||| |||||||||||||||||||I will introduce||| The second justification to consider was introduced by Quinn and is part of his very peculiar version of the doctrine, which I will introduce in the next chapter. Quinn pensa que a DDE se justifica em virtude de reflectir «um ideal kantiano de comunidade e interacção humanas» (1989: 37), pois em seu entender a doutrina discrimina negativamente um tipo de agência em que o agente trata os outros como se estes existissem para servir os seus propósitos. ||||||||||reflektieren|||kantisches Ideal||||||||||||||||||||||||||||existieren||||| ||||||||||reflecting|||Kantian||||||||||||||||||||||||||||exist (subjunctive)|||||purposes Por fim, encontramos uma justificação baseada no método do equilíbrio recíproco. ||||||||||gegenseitigen ||||||||||reciprocal Finally, we found a justification based on the method of reciprocal balance. Entre os deontologistas que advogam este método controverso, alguns, como Foot, subscrevem a DDE por pensarem que esta é necessária «para pôr a teoria moral de acordo com os pensamentos morais comuns» (1985: 71). ||deontologischen Ethiker||befürworten||||||||||||||||||||||||||| ||||advocate||||||||||||||||||||||||||| Among the deontologists who advocate for this controversial method, some, like Foot, subscribe to the DDE because they think it is necessary "to align moral theory with common moral thoughts" (1985: 71).

Notas: Notes:

7 Este tipo de afastamento é proposto de uma forma muito desenvolvida e sistemática por Samuel Scheffler (1982: 7-10, 41-70). ||||||||||||systematisch|||Scheffler 7 This type of detachment is proposed in a very developed and systematic way by Samuel Scheffler (1982: 7-10, 41-70).

8 Para um desenvolvimento desta crítica, veja-se Oderberg (2000b: 105-10). 8 For a development of this critique, see Oderberg (2000b: 105-10).