Como Putin virou líder que comanda a Rússia e intriga o mundo | 21 notícias que marcaram o século 21
Vladimir Putin poderá bater Stálin e se tornar o líder russo que mais ficou no poder.
Poder conquistado, e mantido, por meio de uma prática política bastante questionada.
Putin lidera uma máquina de guerra e é constantemente acusado de aniquilar oponentes.
Por outro lado, garantiu à economia russa décadas de prosperidade, em níveis somente
comparáveis aos da China no mesmo período.
Mas quem é Vladimir Putin?
Como o desconhecido ex-agente do serviço secreto russo chegou ao poder e se tornou
o mais poderoso líder do país em décadas.
Sou Camilla Veras Nota, da BBC News Brasil, e este é um capítulo da nossa série "21
Notícias que Marcaram o Século 21".
Vou contar a incrível história de ascensão de Putin.
Também vou mostrar a polêmica relação do líder russo com a oposição.
Uma história que envolve envenenamentos, guerras sanguinárias e, por incrível que
pareça, rock and roll.
Primeiro, para entender a chegada de Putin ao poder, é preciso observar a Rússia nos
Boris Yeltsin partiu da enorme popularidade para um alto nível de insatisfação – popular,
não apenas pessoal.
Celebrado pelas potências ocidentais como emissário do capitalismo na combalida economia
da União Soviética, Boris Yeltsin fez um governo conturbado.
Desmembrou a União Soviética.
Perdeu uma guerra, privatizou a preços considerados de banana por seus críticos e, diante da
crescente oposição comunista, atacou o Parlamento.
Mas a crise de mil novecentos e noventa e oito submeteu os russos a algo que não esperavam
do capitalismo que se anunciava.
Algo pior do que a escassez nos anos finais do regime comunista: a fome.
Yeltsin renunciou no dia trinta e um de dezembro de mil novecentos e noventa e nove:
Para o futuro da Rússia, no entanto, a parte mais importante do discurso de renúncia de
Yeltsin viria no final.
Nascia, digamos assim, uma das mais controversas personalidades políticas do século 21.
Apenas quatro meses antes da renúncia, Putin havia sido escolhido por Yeltsin para o posto
de primeiro-ministro.
Era o quarto ao assumir o posto em apenas um ano, sinal de que também ele, provavelmente,
não duraria muito.
Errado.
O novo premiê, que até então era o chefe do serviço de espionagem russo FSB, substituto
da temida KGB, era desconhecido do grande público.
Com imensa rapidez, porém, Putin alcançou alta popularidade e ganhou a confiança de
Yeltsin.
Tal confiança estava diretamente ligada a um tema específico: a Chechênia.
A província russa, localizada na região do Cáucaso, travou uma sangrenta guerra com
Moscou entre 94 e 96.
O conflito terminou com cinquenta mil mortos e um acordo de paz humilhante para o governo
de Boris Yeltsin.
Na prática, a Chechênia havia conquistado sua sonhada independência.
Putin mudaria essa realidade.
Um mês e meio depois de tomar posse como primeiro-ministro, forças russas invadiriam
novamente a Chechênia.
Ele habilmente usou o conflito no Cáucaso para colher apoio popular.
Com quarenta e sete anos de idade, e apenas três meses após assumir a Presidência interinamente,
venceu as eleições presidenciais no primeiro turno, com 54,4% dos votos.
A receita de ir à guerra para levantar o orgulho nacional e o apoio político interno
foi muitas vezes usada por líderes globais.
Com Putin, não foi diferente.
O controle da Chechênia por Moscou foi garantido em maio de dois mil, mas o embate com grupos
islâmicos da província continuou por anos.
As imagens são fortes e correram o mundo, reforçando a fama de implacável que seria
associada a Putin.
Em dois mil e dois, militantes chechenos tomaram um teatro em Moscou.
Fizeram cerca de 900 reféns, entre funcionários, atores, músicos e espectadores.
Após três dias de impasse, forças de segurança invadiram o lugar depois de lançar no interior
do prédio uma desconhecida arma química.
Rebeldes foram mortos a tiros, e pelo menos cento e trinta reféns sucumbiram ao gás
letal.
Em dois mil e quatro, outro episódio chocou o mundo.
Militantes separatistas tomaram uma escola na região russa da Ossétia do Norte.
O cerco de três dias terminou com a morte de trezentas e trinta e quatro pessoas, incluindo
cento e cinquenta e seis crianças.
Apesar de outros ataques a civis na Rússia, Putin se consolidou como um líder forte na
área da segurança.
O presidente foi implacável com grupos armados, sempre chamados por Moscou de terroristas,
e manteve a integridade territorial da Rússia.
Ao acabar com a situação de quase independência da Chechênia e colocar um regime de confiança
na região, Putin recuperou a honra nacional, abalada pela guerra anterior, perdida por
Yeltsin.
Reeleito em dois mil e quatro, Putin surfava em oitenta por cento de aprovação.
Observadores internacionais, em especial no Ocidente, começaram a apontar para sinais
que consideravam dignos de regimes autoritários.
Na época, vinte e cinco porcento dos principais quadros do governo eram ocupados por ex-integrantes
do serviço secreto.
Por outro lado, Putin cortou impostos, aumentou salários nas áreas de Saúde e Educação,
estendeu benefícios sociais e reduziu consideravelmente a pobreza.
Segundo o Banco Mundial, o produtor interno bruto da Rússia, a soma de todas as riquezas
geradas no país, avançou 6,4% em 1999 e 10% em 2000.
E cresceu em média 6,6% por ano entre 2001 e 2008.
Assim, em sua primeira década no cargo, Vladimir Putin manteve relações diplomáticas positivas
com líderes ocidentais, embora fosse crítico da política externa destes países.
Mas logo as políticas intervencionistas e o cerceamento da democracia seriam vistos
como marcas de seu governo.
E evidenciariam a grande ambiguidade nas relações entre Putin e as chamadas democracias ocidentais.
Por exemplo: ao mesmo tempo em que assinava um acordo com a Alemanha para fornecimento
de gás, Putin retomava o controle estatal da gigante de petróleo Gazprom e acabava
com eleições diretas para governadores, sem maiores sinais de protesto de seus parceiros
comerciais na Europa.
No fim do segundo mandato de Putin, o partido governista ganhou de goleada a eleição de 2008
O novo presidente, Dmitry Medvedev, escolheu Putin como primeiro-ministro.
As regras do jogo começariam a mudar seis meses depois.
Medvedev enviou proposta de emenda constitucional ao Parlamento russo, aumentando o mandato
do presidente de quatro para seis anos.
O texto aprovado também garantia a Putin que, ao final dos quatro anos de Medvedev
na Presidência, poderia voltar ao cargo por mais dois mandatos, tendo cumprido a restrição
constitucional de que um presidente só podia governar por dois períodos consecutivos.
A diferença: em vez dos oito anos que Putin passou na Presidência até dois mil e oito,
dessa vez ele poderia ficar mais doze, se reeleito.
Em 2020, Putin deu mais um passo no ajuste das regras da democracia russa.
Reformas na Constituição, aprovadas por quase oitenta por cento da população, deram
a ele a chance de ser reeleito até dois mil e trinta.
Isso significa que Putin poderá ocupar o poder até dois mil e trinta e seis.
Incluindo seus quatro anos como premiê, Putin colecionaria 36 anos no comando,
sete a mais que o ditador comunista Josef Stalin.
Tamanho poder veio, claro, da aceitação popular.
Mas, também de um arriscado – e violento – jogo militar no tabuleiro das potências
globais.
E, ainda, da repressão a opositores, muitas vezes vistos como traidores.
Com fatos dignos de filmes de James Bond e avanços militares que fazem lembrar justamente
o período soviético, Putin passou a ser visto com enorme desconfiança.
A situação começou a azedar quando o líder da oposição russa, Alexander Litvinenko,
morreu envenenado por polônio no Reino Unido em dois mil e seis.
Litvinenko tinha se mudado para Londres seis anos antes, após denunciar corrupção e
crimes no regime em Moscou.
Detalhe: polônio é um elemento radioativo com enormes restrições de comercialização,
o que eleva a suspeita de ação do serviço secreto russo.
A partir daí uma série de casos parecidos desembocaria numa mudança clara de tratamento
político das potências ocidentais em relação ao líder russo.
Em março de 2018, outro ex-agente, Sergei Skripal e sua filha, Yulia, foram vítimas
de envenenamento na cidade de Salisbury e quase morreram.
Dessa vez, foi usado o agente nervoso Novichok.
O caso causou um novo abalo nas relações já difíceis entre Reino Unido e Rússia.
O governo Putin negou qualquer envolvimento.
Os britânicos, porém, acusaram dois agentes russos.
O caso levou o governo dos Estados Unidos a também adotar sanções econômicas contra
a Rússia.
Em agosto de dois mil e vinte, o oposicionista Alexei Navalny passou mal durante um voo.
Internado às pressas, ele foi autorizado pelas autoridades a ser transportado para
Berlim, na Alemanha.
Lá foi comprovado o envenenamento por Novichok, a mesma substância usada contra Skripal.
A equipe de Navalny acusou Putin de tentativa de assassinato, o que foi rebatido pelo presidente.
Navalny havia duras acusações a Putin.
Acabou banido de Moscou e quase morreu.
Ao voltar das Alemanha, Navalny foi preso novamente, acusado de descumprir condições
de sua liberdade condicional.
Outros assassinatos de opositores e jornalistas foram atribuídos a Putin.
Mas, por envolverem figuras que se movimentavam majoritariamente nos bastidores, provar o
envolvimento do presidente é muito mais difícil do que acusar.
Mais evidente é a repressão a quem atua diante do público.
Neste caso, o regime mandou recados claros a oponentes entre poderosos oligarcas e artistas,
respectivamente os mais fortes e os mais fracos grupos dissonantes.
Desde dois mil, Putin criou atritos com empresários conhecidos como oligarcas - milionários que
fizeram fortuna nas privatizações de estatais russas, promovidas por Boris Yeltsin e criticadas
pelo grupo político de Putin pelo preço de venda das empresas, considerado extremamente baixo.
O empresário de mídia Vladimir Gusinsky e o magnata Boris Berezovsky deixaram a Rússia
em 2000, depois de serem alvos de processos e suposta intimidação do governo.
O caso mais notório, porém, foi o de Mikhail Khodorkovski, o principal oligarca do país
e então um dos homens mais ricos do mundo, discordou do projeto de Putin.
Ele financiou oposicionistas e acabou vendo grande parte de seu poder econômico se evaporar
do dia para a noite.
Foi acusado pelo governo de evasão fiscal e fraude.
Em 2013, porém, Khodorkovsky foi perdoado por Putin – e se mudou imediatamente para o exterior.
Mais visível ainda foi a repressão a três jovens mulheres de cerca de vinte anos de
idade.
O grupo punk feminista Pussy Riot foi fundado em dois mil e onze.
A banda tem onze integrantes.
Três delas foram presas e condenadas a dois anos de prisão, em dois mil e doze, por terem
apresentado uma música crítica a Vladimir Putin dentro de uma catedral ortodoxa em Moscou
– território sagrado para Putin, que se aproximou da Igreja Ortodoxa Russa.
As ativistas foram presas e, após idas e vindas jurídicas, foram vistas em outras
situações sendo reprimidas por agentes fiéis ao governo.
O Pussy Riot fez diversas canções críticas a Putin e atraiu imensa atenção na Europa
e nos Estados Unidos.
Mas, o que parece de fato exaltar os ânimos dos líderes políticos do Ocidente quando
se trata de Putin não são as questões de direitos humanos e as perseguições individuais.
Mas, sim, o temor dos movimentos russos no xadrez geopolítico.
O primeiro exemplo foi a invasão à Georgia.
Em 2008, a breve guerra da Rússia contra a Geórgia acendeu a luz amarela no
Ocidente.
O conflito começou quando forças georgianas bombardearam a região separatista da Ossétia
do Sul para tentar retomar o controle da província rebelde.
Em resposta, os russos, com os quais parte da população da província se identificava,
repeliram o ataque e avançaram em território georgiano até chegar à capital, Tbilisi.
No entanto, foi a movimentação russa no leste da Ucrânia, em 2014, que azedou as
relações diplomáticas de Putin com as principais potências ocidentais.
A invasão e a anexação da Crimeia gerou sanções da União Europeia e dos Estados
Unidos contra a Rússia, levando também uma suspensão da filiação do país ao G8, grupo
das oito maiores economias do país.
Mas a anexação da Crimeia, até hoje controlada pelos russos, em 2014 levou Putin a atingir
pico de popularidade nas pesquisas de opinião.
Outro momento-chave nas relações entre Putin e as potências ocidentais foi a guerra civil
na Síria.
O regime da família Assad era próximo à Rússia desde o tempo da União Soviética.
Assim, a Síria ainda era um dos principais aliados de Moscou quando a guerra civil começou.
A forte suspeita de uso de armas químicas por Assad contra rebeldes e a população
civil levou os Estados Unidos a ameaçarem entrar na guerra contra o regime, mas faltou
apoio de aliados europeus.
A participação russa, especialmente por meio de bombardeios aéreos, se mostrou decisiva
para garantir a Assad a retomada de regiões nas mãos de rebeldes e do Estado Islâmico.
Mais estável, a Síria reforça um eixo de oposição à influência ocidental no Oriente Médio.
Em contraponto aos Estados Unidos e aos países árabes sunitas, especialmente a Arábia Saudita,
os regimes xiitas de Síria e Irã têm declarada ajuda da Rússia na disputa regional.
O envolvimento russo na Síria também enviou uma mensagem a Europa e Estados Unidos: Moscou
iria agir no cenário internacional para defender seus interesses.
Afinal, assim como na Ucrânia, bases militares russas estariam en perigo.
Mais recentemente, foi a política interna de potências ocidentais que fez o nome de
Putin voltar à boca do povo.
Basta lembrar as acusações de interferência no plebiscito de saída do Reino Unido da
União Europeia, o Brexit.
Ou, ainda, um relatório da inteligência americana que acusava, sem provas contundentes,
o líder russo de tentar manipular a eleição em favor de Trump.
Quando, já em 2020, Trump perdeu a reeleição, o eleito Joe Biden imediatamente
repetiu acusações de tentativa de interferência nas eleições e afirmou que Putin pagaria o preço.
Biden também chamou Putin de assassino.
O bate-boca reacendeu temores de uma nova Guerra Fria e de agravamento de tensões militares.
No entanto, como muitas vezes ocorre na política, ao ameaçar rivais, líderes podem estar mais
preocupados em falar a seus próprios eleitores do que a se mover para um confronto de fato.
Assim, não é difícil imaginar que a troca de farpas faz parte do repertório de dois
políticos experientes.
Por falar em experiência política, não se pode falar de Putin sem mencionar suas,
por que não dizer, exóticas aparições públicas, muitas vezes descritas pela mídia
internacional como uma forma de conexão com o povo russo – ou, ao menos, com uma ideia
de Rússia aos olhos desta mesma mídia.
Putin está no poder há mais de 20 anos, seja como presidente, seja como primeiro-ministro.
Sob o comando dele, críticos dizem que a Rússia se tornou um estado mais autoritário,
com menos direitos e liberdades democráticas.
Defensores podem dizer que, sob sua direção, o país está forte como nunca no cenário internacional.
Espero ter ajudado vocês a entender um pouco melhor a força de Putin na Rússia e no mundo.
Muito obrigada, e até a próxima!