Covid-19: os cuidados que o paciente deve ter mesmo após se 'curar'
"Covid longa", "covid persistente", "covid-19 pós-aguda" ou"síndrome pós-covid"...
Assim vêm sendo chamados os vários problemas de saúde que uma pessoa pode enfrentar semanas
ou meses depois da infecção pelo coronavírus. Eu sou Mariana Alvim, repórter da BBC News
Brasil em São Paulo, e neste vídeo vou falar sobre o que uma pessoa infectada deve fazer
depois de se curar do vírus, segundo recomendações de médicos e autoridades de saúde.
Indo direto ao ponto, os médicos com quem conversei disseram que ter tido covid-19 por
si só não é motivo pra correr atrás de exames, consultas médicas, ou um check-up
completo. Até porque o distanciamento continua sendo
uma das principais medidas preventivas contra o coronavírus — então o quanto deslocamentos
e consultas presenciais puderem ser evitadas, melhor.
Mas, em casos mais preocupantes, às vezes
não tem jeito: é preciso ir até um médico. O infectologista Moacyr Silva Junior, do
Hospital Albert Einstein, em São Paulo, me contou que lá o procedimento padrão é fazer
exames presenciais, de sete a dez dias após a alta, apenas em pessoas que ficaram internadas.
Nessas consultas de retorno, os pacientes
passam por exames como o de sangue, que vão mostrar como estão rins, fígado, coagulação
e células do sistema de defesa, entre outros.
Em janeiro, um relatório da Organização Mundial da Saúde afirmou que "pacientes internados
em UTIs têm maior prevalência de sintomas em quase todos os domínios" da covid-19 persistente.
Por exemplo, nos pulmões. O Gustavo Prado, pneumologista do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz, também em São Paulo, me disse que nesse órgão a relação entre
gravidade e sequelas é bem evidente.
A gente vê pacientes, especialmente aqueles mais graves, e com internações mais prolongadas,
que muitas vezes saem do hospital com necessidade de suplementação de oxigênio, com necessidade
de uso de medicamentos para tratar sintomas ou outras complicações da covid... então
a possibilidade de manifestação de sequelas é bastante variada — o que a gente tem
de dados de estudos é que, nos pacientes que tiveram comprometimento pulmonar mais
extenso, a troca gasosa é diminuída, a possibilidade de evolução para fibrose é maior. A fibrose
é aquela alteração crônica do pulmão que se preenche com cicatrizes onde antes
tinha inflamação. Em qualquer local onde a cicatriz se instala, a funcionalidade do
tecido diminui. A própria condição mecânica do tecido se altera, ele fica mais rígido
e ele não executa normalmente as suas funções.
Se uma pessoa que teve covid, mesmo que leve, sentir nas semanas e meses seguintes da doença
sintomas como falta de ar intensa, desmaios e muito cansaço deve procurar atendimento,
me disse o Gustavo Prado.
Idealmente, ela vai passar por exames de imagem,
como uma radiografia ou tomografia de tórax; provas da função pulmonar, como a espirometria;
e uma avaliação do desempenho físico, como testes de esforço.
Procurar assistência médica é importante
também porque em alguns casos, os mesmo sintomas podem ter origem diferente.
A falta de ar, por exemplo, pode ter origem no coração — outro alvo importante do
coronavírus sobretudo nos casos graves. Outros sintomas persistentes da covid-19
no coração são a palpitação e a dor no peito, que são investigados por exames como
ecocardiograma e eletrocardiograma.
Eles podem indicar sequelas de longo prazo como a fibrose miocárdica, arritmias e miocardite.
O cansaço e a fraqueza muscular foram os sintomas mais relatados por 1.733 pessoas
que tiveram covid-19 e foram acompanhadas por cientistas nos seis meses seguintes em
Wuhan, na China. 63% dos pacientes do estudo mostraram ter
esses problemas depois de um semestre; em segundo lugar, vieram dificuldades para dormir,
constatadas em 26% das pessoas; em seguida, 23% relataram ansiedade e depressão.
A neurologista Clarissa Yasuda, professora da Unicamp, me explicou que o cansaço, ou
fadiga, frequentemente tem raiz no cérebro. Dificuldades para dormir, ansiedade e depressão,
também. E, diferente dos efeitos no pulmão e no coração,
os efeitos psíquicos e neurológicos têm se mostrado bastante frequentes nos casos
leves da doença. Em outubro de 2020, a Clarissa Tasuda e colegas
publicaram um estudo preliminar com dados de 81 pessoas que tiveram covid-19 leve e
se recuperaram. Elas passaram por exames de ressonância magnética,
questionários e testes cognitivos, que mostraram que, cerca de 60 dias depois do diagnóstico
de covid-19, essas pessoas ainda tinham dor de cabeça, fadiga, alteração de memória,
ansiedade, depressão, perda de olfato e paladar, entre outros.
A médica usou a palavra “angustiante” para descrever a quantidade e variedade de
pessoas que chegam até ela com problemas neurológicos após a covid.
De acordo com ela, ainda vamos precisar lidar por muito tempo com essas consequências,
por exemplo no mundo trabalho — já que a memória e outras habilidades cognitivas
podem ser tão afetadas pela doença. No relatório de janeiro, a própria OMS definiu
como “prioritárias” as pesquisas sobre sequelas de médio e longo prazo da covid-19.
Os médicos que eu entrevistei disseram também que, idealmente, o sistema de saúde deve
ir se preparando para oferecer assistência às pessoas afetadas pela covid longa, criando
por exemplo centros de reabilitação para elas.
Mas a gente precisa lembrar que o sistema de saúde brasileiro neste momento sofre
para cuidar das pessoas que estão infectadas. Ou seja, não é um desafio simples.
E você, já teve covid ou conhece alguém que teve e está passando pelas consequências
longas da doença? Conta aqui pra gente nos comentários.
Se cuidem, e até a próxima!