A origem da divisão entre China e Taiwan e o status atual da 'ilha rebelde'
Taiwan é, há 70 anos, o que muitos descreveriam como um autêntico quebra-
cabeças internacional.
Não existe consenso nem sobre o nome da ilha, que também se chama República da China.
O fato é que, até hoje, a situação está indefinida.
Eu sou Malu Cursino, da BBC News Brasil,
e neste vídeo vou explicar por que Taiwan é um assunto tão polêmico,
alvo de tantas saias-justas internacionais. Mas antes, dá uma olhada neste mapa:
A ilha de Taiwan tem 36 mil quilômetros quadrados de extensão, um terço do
tamanho de Cuba. E fica aproximadamente
200 quilômetros distante da maior ameaça à sua existência, segundos próprios taiwaneses:
A República Popular da China. Tanto Taiwan quanto a República Popular da China
se consideram a verdadeira China, e as divergências entre ambas as
partes acabam gerando instabilidade não só na região, mas também no resto do mundo.
Mas por que os dois territórios se declaram como a China autêntica?
E por que essa relação é tão problemática?
Para entender as atuais divergências entre China e Taiwan, precisamos voltar ao
ano de 1945. Naquela altura, a ilha estava sob controle
do Japão, que havia derrotado a dinastia chinesa Qing 50 anos antes.
Depois da rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, a então República da China,
uma das vencedoras do conflito, retomou o controle sobre Taiwan.
Mas a China continental já vinha enfrentando desde 1927 uma guerra civil.
De um lado estavam os republicanos nacionalistas do Kuomintang, liderados por
Chiang Kai Shek, que governava o país. E, do outro, os comunistas chineses,
conduzidos por Mao Tsé-tung. No final, o Partido Comunista Chinês
saiu vitorioso e, em primeiro de outubro de 1949, Mao Tsé-tung proclamou o nascimento da
República Popular da China.
Dois meses depois, Chiang Kai-shek, que havia perdido a guerra na China
continental, implantou seu governo nacionalista em Taiwan e declarou Taipei como
a capital provisória da República da China. Pelo menos um milhão e meio de pessoas,
principalmente soldados, políticos do Kuomintang e elites intelectuais e
empresariais chinesas, seguiram o líder nacionalista e se estabeleceram em Taiwan.
Chiang Kai-shek continuou declarando seu governo como a única autoridade
legítima da China e implantou em Taiwan uma Lei Marcial que duraria até 1987.
Desde então, Pequim passou a tentar a recuperar o controle sobre a ilha, inclusive
por meio da força, se necessário. Após o fim da Segunda Guerra Mundial,
o governo do Kuomintang se manteve na Organização das Nações Unidas e conseguiu
um lugar permanente no Conselho de Segurança da instituição.
Na época, muitos países ocidentais reconheceram os nacionalistas como único
governo chinês, ao passo que o regime comunista de Mao era
considerado ilegítimo. Tudo isso, vale lembrar,
em meio ao contexto de mundial de enfrentamento ideológico da Guerra Fria.
Taiwan tinha o apoio dos Estados Unidos, que temiam que a ilha caísse em mãos
comunistas, como já havia acontecido com a Coreia do Norte no início dos anos 50,
e depois com o Vietnã. Só que a situação mudou radicalmente
a partir de 1971.
Nesse ano, os Estados Unidos e a China tinham o mesmo adversário: a União Soviética
Isso facilitou a aproximação diplomática
dos dois países, que eram rivais de longa data.
Nesse contexto, em outubro de 1971, a ONU reconheceu a República Popular da China,
ou seja, o governo comunista de Mao Tsé-tung, como o “único representante
legítimo da China” perante à organização.
Oito anos depois, em 79, os Estados Unidos fizeram o mesmo, apesar de, ainda
assim, continuarem sendo o aliado mais importante de Taiwan.
Os americanos garantiram o fornecimento de armas ao governo da ilha e fizeram
um alerta a Pequim, dizendo que qualquer ataque a Taiwan constituiria uma “grave preocupação”.
Esse posicionamento se mantém até hoje.
E, como eu disse no começo do vídeo, Taiwan tem uma situação indefinida, um
reconhecimento internacional limitado.
A partir dos anos 70, o número de países que reconheciam o governo de Taiwan
como o legítimo na China foi caindo de forma constante.
Hoje em dia, só 15 Estados consideram a República da China, ou seja, Taiwan, um
Estado soberano. O Brasil deixou de reconhecer o governo da ilha em 1974.
A República Popular da China se nega a ter relações diplomáticas formais com os países que reconhecem o governo taiwanês,
como Guatemala, Nicarágua, Honduras e Paraguai.
Isso porque o país considera Taiwan uma ilha rebelde que faz parte de seu território.
Os governantes taiwaneses,
por sua vez, defendem que a ilha é um Estado soberano, com Constituição e governo próprios.
E um exército com mais de 300 mil militares.
Taiwan já não faz parte de praticamente nenhuma organização internacional, como
o Comitê Olímpico Internacional e a Organização Mundial da Saúde.
Após anos de hostilidades e tensões, Pequim propôs nos anos 80 uma solução que
pode ser resumida na frase: “um país, dois sistemas”,
parecida com o que já existe em Hong Kong.
Em troca da promessa de uma autonomia significativa, a ilha deveria aceitar a
unificação com a China. Mas Taiwan recusou o acordo.
Em 1991, a ilha desistiu oficialmente da intenção de retomar o controle sobre a
China continental. Até lá, foram feitas várias
tentativas de diálogo, mas todas fracassaram. Em 2005, a China aprovou uma lei
“antissecessão”, ou antisseparação, que estabeleceu o direito do país de recorrer
a “medidas não pacíficas” contra Taiwan, em caso de tentativas de separação.
O atual governo de Xi Jinping inclusive já alertou várias vezes que se Taiwan
declarasse independência, ele poderia recorrer ao uso da força.
Ainda não falamos de um ponto importante, que é a economia de Taiwan.
Na década de 70, a economia taiwanesa era a segunda que mais crescia em toda a Ásia
apenas atrás do Japão.
A ilha inclusive faz parte do grupo chamado de “tigres asiáticos”, junto com Hong Kong,
Coreia do Sul e Singapura, e tem até hoje uma economia pujante.
Apesar das divergências diplomáticas entre Taipei e Pequim, as relações
econômicas entre as duas partes têm crescido consideravelmente.
Empresas taiwanesas já investiram
dezenas de bilhões de dólares na China e pelo menos um milhão de taiwaneses
vivem na China continental. Atualmente, Pequim tem relações
comerciais muito próximas com Taiwan, o que é visto por alguns analistas como uma renúncia de
fato à autonomia por parte da ilha. Outros especialistas, no entanto,
consideram esses laços econômicos um possível freio a uma intervenção militar da China
continental na ilha, já que um conflito poderia trazer prejuízo à economia do país.
Mas a verdade é que as relações entre China e Taiwan são um assunto complexo e
cheio de detalhes curiosos. Vou contar um deles: Nos anos 70, o líder Mao Tsé-tung estava
buscando o reconhecimento diplomático da China comunista.
Como parte desse esforço, ele decidiu convidar um time de tênis de mesa americano para
jogar partidas de exibição no país em 1971. Os jogadores e os jornalistas que vieram
na viagem seriam os primeiros americanos a pisar na China continental em mais de 20 anos.
As partidas foram um sucesso e marcaram o início da “quebra de gelo” nas relações
entre Estados Unidos e China. Menos de um ano depois, o presidente
americano Richard Nixon realizou a sua histórica visita oficial ao país asiático.
A visita do chefe de Estado ratificou a aproximação diplomática entre os dois países,
que culminaria no reconhecimento oficial por parte dos Estados Unidos à República
Popular da China, em 1979. A estratégia de usar o tênis de
mesa para diminuir a tensão nas relações foi batizada como “diplomacia do ping-pong”.
É isso! Eu fico por aqui E se você gostou desse vídeo,
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