Saúde mental de adolescentes: riscos e ajuda I O ASSUNTO I g
Foi minha primeira crise. Eu me sentia agoniada, sufocada, com dor no peito, com muita dor no peito.
O nervosismo foi muito grande. Eu sentia muito enjoo. Eu cheguei a vomitar, eu tive muito mal-estar.
Eu achava que me machucar de qualquer maneira podia aliviar aquela dor que eu sentia.
No começo, na pandemia, eu não estava bem. Eu ficava sem vontade de estudar.
Eu estava chorando no quarto. Eu não queria sair para comer, para nada.
Eu falei uma vez para um tio meu, ele disse que foi frescura. Ele disse que era frescura, era coisa normal.
Eu já ouvi de várias pessoas da geração passada dizendo que no meu tempo não existia depressão.
Muitas vezes os adultos olham e dizem assim, não, é uma fase, é a fase da adolescência.
É só uma fase. Vai crescer e vai passar isso. Mas muitas vezes o sentimento não passa.
As vozes que você ouviu são de crianças e adolescentes. Indivíduos que cada vez mais cedo
enfrentam quadros de ansiedade, depressão e síndrome do pânico.
Cenário potencializado nos anos de pandemia, quando as aulas presenciais foram suspensas
e o uso de telas e de redes sociais explodiu.
Um mapeamento feito no estado de São Paulo aponta que 69% dos estudantes avaliados
relataram sintomas de depressão e ansiedade, o que representa mais de 443 mil estudantes.
Uma pesquisa do Unicef mostra o impacto da pandemia na saúde mental de brasileiros de 12 até 35 anos.
E a situação entre os jovens entrevistados chamou atenção.
Três em cada dez relataram sintomas de ansiedade.
Está sendo muito corriqueira essa questão da crise de ansiedade com os estudantes.
Independente da série, da idade, da situação financeira, dos problemas que tem em casa,
que todos eles sempre tiveram. Às vezes o que dispara é uma nota, que às vezes não é tão ideal,
que ele achava que ia tirar. Ou às vezes só de vir para a escola já está com a crise.
Da redação do G1, eu sou Júlia Duailibe e o assunto hoje é a saúde mental de adolescentes.
Um episódio para refletir sobre fatores que contribuem para a vulnerabilidade dessa faixa etária
e como os adultos, a escola e o Estado podem agir para amenizar o problema.
Eu converso com Vera Iaconelli, doutora em psicanálise pela USP,
diretora do Instituto Gerard de Psicanálise e colunista do jornal Folha de São Paulo.
Segunda-feira, 24 de abril.
Vera, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, a PENSE, feita pelo IBGE em 2019,
já mostrava que cerca de um terço dos adolescentes de 13 a 17 anos se sentiam tristes,
na maioria das vezes, ou sempre tristes.
Cenário que foi agravado, evidentemente, pela pandemia a partir de 2020.
Parece ser um consenso entre os pesquisadores de várias partes do mundo
que a saúde mental de adolescentes piorou nos últimos anos.
Qual é a sua avaliação sobre isso? Os transtornos estão, de fato, aumentando
ou hoje as famílias têm mais acesso à informação, mais abertura para falar sobre o problema
e aí procurar ajuda?
Uma resposta rápida é os transtornos estão, de fato, aumentando.
Porque a gente tem que lembrar que a adolescência é um período de sofrimento,
de adaptações, de crescimento, de transformações.
Então, ela é um período de vulnerabilidade psíquica.
Mas nem sempre a vulnerabilidade psíquica desemboca em adoecimento.
O que a gente tem tido é um incremento desse adoecimento.
Então, ao invés de resolver o sofrimento próprio aí de uma fase turbulenta
da nossa existência, pela qual todos passamos com sorte,
o que está acontecendo é que as pessoas estão apresentando sintomas,
essas crianças e jovens estão apresentando sintomas
ou causando aí distúrbios, não só consigo próprios, mas atos de violência
e outras formas de expressar não soluções do sofrimento próprio dessa época, né?
E isso é influenciado, por exemplo, pelas redes sociais, pelo uso de tela,
é uma questão estrutural, pelo que você está colocando,
mais influenciada pela conjuntura deste momento?
Exatamente. O que a gente tem é uma variável nova.
Nós somos todos uma espécie de cobaias de uma experiência das big techs,
dessas empresas que desenvolveram essa ferramenta maravilhosa, que é a internet,
mas que lançaram essa ferramenta na mão de todos indiscriminadamente,
adultos, crianças em formação, adolescentes, e essa variável afetou
a forma, inclusive, de lidar com o sofrimento da adolescência,
a forma, inclusive, de crescer, de se tornar um sujeito na nossa sociedade.
Essa variável já está comprovada que ela teve um efeito nefasto
no aumento desses tipos de adoecimentos, depressões, ansiedade, automutilações,
suicídios aumentam com a entrada das redes sociais.
Uma pesquisa aponta que mais de 40% dos adolescentes acham que as redes sociais
dão motivo para tristeza, ansiedade e até depressão.
64% querem dar uma pausa e 85% dos meninos disseram que já sofreram bullying na internet.
Eles ficam em média de 13 a 14 horas por dia, ou seja,
qual o momento que eles ficam sem o telefone? Não ficam.
Então, pelo que você está nos contando, tem um combo, um coquetel muito perigoso aí,
além da dificuldade inerente a esse momento da vida, tem as telas, as redes sociais,
que são essas variáveis novas e perigosas e a gente teve também a pandemia, né?
Então, a pandemia, ela acelerou um processo que já vinha antes dela,
de um aumento muito grande de exposição e indiscriminado do uso das telas
nas crianças e nos adolescentes, mas a pandemia, o que aconteceu
é que a gente empurrou as crianças para as telas, por conta da necessidade
de estar na escola e também para ter lazer, uma vez que as crianças
estavam confinadas com os pais dentro de casa, as telas fizeram uma função.
Nessa faixa de idade de 15 a 19 anos, a pandemia teve grande impacto na saúde mental.
De acordo com a pesquisa do Unicef, mais da metade desses jovens sentiu que precisou de ajuda.
Esses adolescentes foram perguntados, para quem pediram ajuda?
42% disseram que não pediram ajuda e apenas 13% recorreram a um psicólogo ou psiquiatra.
Uma das perguntas foi sobre a saúde mental de cada um, depois da volta
às atividades presenciais. A grande maioria disse que passa por dias bons e ruins.
26% disseram estar bem e 10% disseram não estar nada bem.
Quando a pergunta foi sobre a sensação em relação aos últimos dias,
35% disseram estar ansiosos, 11% preocupados consigo mesmos,
9% indiferentes e 8% deprimidos. Apenas 14% disseram estar felizes.
Então aquilo que poderia ter levado mais anos foi acelerado e a gente liberou geral para este uso.
E agora retroceder isso, tirar o uso de um produto que é totalmente aditivo,
ou seja, que cria dependência psíquica, é um processo que vai depender de algumas ações importantes
dos pais, da sociedade, do Estado. Então a pandemia acelerou um processo que provavelmente
iria acontecer, mas também nos deu chance de ver a dimensão do risco que está em jogo
e também tomar uma decisão mais rápida em relação a isso.
Você falava sobre o vício, o vício já é uma questão para os adultos, imagine para as crianças
e adolescentes que pode ter um efeito para um cérebro que ainda está em formação.
Queria que você nos ajudasse a entender um pouco isso.
Eu acho que a gente tem que lembrar que foi criada uma ferramenta magnífica, né?
Mas que ela não foi criada pelo bem da humanidade, não é que as pessoas sentaram e pensaram
a gente pode fazer isso, então vamos ver o que isso pode causar de mal, quem que pode usar,
com que idade, em que circunstâncias. Não, esse produto foi jogado no mercado, é um caça-níques, né?
Ele é um produto que quanto mais você usa, mais você enriquece alguém em algum lugar.
As redes sociais foram feitas para serem um vício.
Foi assim que o governador de Utah defendeu a lei que restringe o uso dessas ferramentas
por menores de 18 anos. Spencer Cox disse que os casos de depressão e de outros problemas
de saúde mental estão aumentando entre os jovens e acusou empresas de redes sociais
de saberem que seus produtos são tóxicos.
Pela nova lei, as crianças e os adolescentes de Utah só vão poder acessar as redes sociais
se um dos pais ou um responsável legal autorizar.
E os jovens também terão acesso bloqueado entre as dez e meia da noite e as seis e meia da manhã.
Então ele não tem nenhuma finalidade de emancipação humana, de desenvolvimento humano,
nenhuma e foi jogado na mão de todas as crianças, né?
E a gente como consumidor consome algo que nos vicia como nunca se viciou tanto,
a gente não tem nenhum produto que vicie tanto quanto o uso das telas e das redes sociais.
Então a jogada é na mão das crianças e a gente sabe que elas são,
uma vez que você permite não põe limite, não é ela que vai colocar, né?
A não ser que ela adoeça tanto que o limite seja o próprio adoecimento,
aí ela fique longe das telas, né?
Então a gente deu alguma coisa, alguma forma de droga pra elas e tá, agora tem que reverter esse processo, né?
Sem dúvida nenhuma.
Queria que você falasse um pouco sobre os estudos que apontam que as meninas
são ainda mais suscetíveis aos efeitos negativos das redes sociais.
Por que isso, Vera?
Então, a gente vive numa sociedade na qual a mulher é de saída mais desvalorizada do que o homem
e as mulheres são muito valorizadas pela aparência e desvalorizadas por não serem bonitas
ou não bonitas dentro de um certo padrão.
Então as meninas desde muito pequenas percebem que a questão estética,
que a aparência delas, que o corpo delas faz diferença no status pessoal,
do reconhecimento delas no espaço social.
Então, e as telas, elas trabalham com, poderiam trabalhar com outra coisa,
mas de fato elas trabalham com a imagem, né?
É ali que elas capturam o adolescente, o jovem, a criança,
é ali que ele se sente reconhecido, então a imagem dele sendo vista pelo outro,
ele vendo a imagem do outro, que pra psicanálise, né, é a questão do imaginário,
inflacional e imaginário, como eu apareço pro outro, como o outro me vê, como eu o vejo,
como eu me comparo, então eu quero saber se eu sou mais magra ou menos magra,
mais bonita ou menos bonita do que a outra, né, do que o outro.
As meninas são muito mais suscetíveis dos efeitos da imagem sobre o corpo delas,
isso traz um adoecimento maior nisso que a gente vai dizendo,
nessas depressões, nessa ansiedade, mas também nas mutilações corporais,
o cutting, né, que tem sido predominantemente feito por meninas.
Jarinu, 30 de março, um pedido de ajuda silencioso ecoa também de uma escola pública.
Veio de alunos dos 6º e 7º anos do ensino fundamental, crianças de 11 e 12 anos.
Foi duas alunas, elas se cortaram, daí todo mundo começou a se cortar.
A segunda foi amiga dela, a jovem e a mãe dela nos receberam em casa.
Eu fui lá no banheiro e me cortei também.
E aí outros alunos viram o que aconteceu e também foram se cortar.
Porque se trata ali de um espelho distorcido, né, entre o que elas podem ser,
o que nós podemos ser, né, e o que a imagem nos traz de volta.
Elas estão sempre se checando, elas estão sempre se medindo,
elas estão sempre achando que tem que usar filtro, que não são bonitas o suficiente.
Tem que lembrar que essa é uma fase onde isso acontece com os adolescentes.
Eles estão se comparando com os outros, estão se comparando com os adultos,
mas se comparavam na escola com uma amiga, com uma pessoa famosa.
Não era uma coisa tão disseminada o tempo todo, que está ao alcance da mão, né.
Então, isso potencializou tendências nossas.
A gente tem que pensar que assim, a internet de fato ela não cria nada.
O pior em nós existe, né, o pior e o melhor.
Mas ela potencializa e ela aglutina algumas questões que aumentam os nossos riscos, né.
Espero um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com a Vera Eaconelli.
Vera, para os pais isso é um dilema, um dilema super angustiante.
Eu queria que você nos desse dicas de como que a gente pode lidar com essa situação.
Nós que temos filhos pequenos na escola, os filhos estão sempre,
são muito influenciados pelos colegas.
Dividindo com vocês um caso particular, a minha filha, por exemplo, não tem celular, tem nove anos.
E ela já faz uma tremenda de uma pressão em casa para ter o celular,
dizendo que é a única da classe que não tem.
E aí a gente fica naquele dilema, né.
Autoriza e vai contra o que você acha que é o ponderado, o razoável.
Ou deixa sendo a única que não tem e aí fica isolada do grupo
e aí não está acompanhando a contemporaneidade dela.
Então, Julia, é super importante uma pessoa como você,
que é uma pessoa conhecida, uma pessoa informada, uma pessoa preocupada,
uma mãe que a gente sabe, né, eu pelo menos sei que é uma mãe dedicada,
e falar, olha, minha filha não usa celular com nove anos
e a gente ainda está pensando quando ela vai começar a usar.
Por quê? Porque isso cria o apoio que outros pais podem usar para dizer,
a minha também não, e a outra também não, e a outra também não.
Então, os pais vão ter que se unir, começar, primeiro, se informar claramente
e saber do que se trata deixar o celular irrestrito ou fora de idade
ou sem seleção na mão das crianças.
Primeira coisa, saber que isso faz mal para o seu filho, para a sua filha,
não adianta tapar o sol com a peneira, é isso daí.
Segundo, se unir com outros pais e pensar,
puxa, vamos começar a fazer alguma coisa juntos nesse sentido,
dentro de casa também, mas apoiando-os mutuamente.
Terceiro, isso não é uma coisa que os pais vão vencer sozinhos,
isso é uma coisa que a gente tem que apertar enquanto sociedade civil,
o Estado também, para regular essas empresas.
São empresas que estão pondo no mercado um produto de consumo
sem nenhuma regulação, pode tudo, é como se você deixasse o seu filho
dirigir um carro pela rua, sem cinto de segurança,
menor de idade, em alta velocidade, fazer o que ele quiser,
é como deixar uma criança em praça pública e voltar depois para ver o que aconteceu.
Você está deixando o seu filho totalmente desabrigado e correndo risco para si e para o outro.
Então, conscientização, os pais têm que começar a se unir, discutir isso daí
e a gente tem que pressionar o Estado para regular essas empresas,
porque sozinhos também a gente não consegue, junto com a escola também,
a escola também está se havendo com essas questões,
a gente tem que se unir, tentando proteger os nossos filhos
dessa exploração capitalista de um produto que está jogado no mercado.
E no caso dos adolescentes, Vera, vale o mesmo a relação dos adolescentes com os games,
por exemplo, não só os adolescentes como as crianças?
Como é que os pais e os responsáveis podem ajudar as crianças nessa faixa etária,
os adolescentes a passar por essa fase turbulenta?
O adolescente, ele demanda limite e muitas vezes os pais querendo ser queridinhos,
agradar, não cumprem a sua função.
A função dos pais não é muito agradável mesmo, porque a função dos pais não é do amiguinho
que permite tudo e acha tudo engraçado, mesmo quando a criança faz alguma coisa errada,
a função dos pais é ir lá e dizer o que pode e o que não pode.
Então, tem negociações para serem feitas, que tem que ser bancadas pelos pais
e aguentar o tranco do filho, ficar bravo, ficar chateado, mas tem que pôr limite.
Você daria um maço de cigarro para o seu filho fumar, um carro aí para ele sair na rua,
você não dá, então por que você vai dar o aparelho?
Então a gente vai ter que sim fazer um trabalho de limitar, de controlar.
E tem mais uma coisa, Júlia, a gente precisa sentar para conversar com as crianças
sobre o que elas viram.
É muito importante a gente se conscientizar que mesmo que você limite, controle,
as crianças estão sim vendo pornografia e violência.
Elas vão na casa do amigo, elas pegam o celular do outro,
elas têm acesso a muita coisa absolutamente inapropriada.
40,3% dos alunos do nono ano do ensino fundamental disseram ser vítimas de bullying.
12,1% afirmaram que já usaram drogas.
63,2% já tomaram bebidas alcoólicas.
A gente está falando de bem mais do que a metade.
16% sofreram agressões familiares.
Em 2009, 72,5% desses adolescentes usavam camisinhas.
Dez anos depois, esse número caiu para 59%.
E subiu o número de alunos que estavam insatisfeitos com o próprio corpo.
Tantos que se achavam muito magros, quantos que se achavam gordos.
O que a gente tem que fazer?
Vamos conversar diariamente sobre o que você viu essa semana,
tem uma coisa que você quer perguntar e escutar.
Porque não adianta os pais falarem,
eu converso com o meu filho, que eu sento com ele e falo, falo, falo.
Isso não adianta nada.
A gente tem que escutar também o que elas estão vendo.
Essas informações recentes de violências nas escolas, por exemplo,
tem que sentar com a criança e perguntar,
você está entendendo o que está acontecendo?
Você quer saber?
Vamos falar sobre isso?
O que você entendeu?
O que você quer me perguntar?
Então, a gente também tem que cuidar,
porque mesmo quando a gente cuida do que eles têm acesso,
eles acabam vendo coisas que não deveriam.
Vera, numa coluna recente, você fala como os jovens encontram na internet
o que os pais tanto temem, que são as más companhias.
Nessa mesma coluna, você escreveu que a internet não cria pessoas ruins,
apenas potencializa os sujeitos vulneráveis.
Você tratou um pouco dessa ideia aqui com a gente,
mas eu queria que você mergulhasse um pouco mais nisso.
Você pode nos explicar essa ideia
e como os homens brancos estão mais vulneráveis a esse fenômeno?
Olha, o que a rede faz é que ela junta aquelas pessoas
que jamais teriam contato pessoal e, a partir de um determinado tema,
essas pessoas não têm relações profundas, mas elas têm ali um tema.
Odeio professora, odeio os meus pais, odeio a mim mesmo, odeio as meninas.
E elas, a partir desse tema, juntam aquele grupo, é um grupo de reconhecimento.
Como na adolescência o jovem está muito interessado em ser reconhecido por alguém,
esses grupos eles imantam e tem pessoas que estão agindo ali de má fé,
manipulando esses grupos ou simplesmente eles mesmos, jovens,
se juntam e se atrapalham ali com a falta de reflexão, a falta do contraditório.
Uma pesquisa feita com 14 mil jovens mulheres em todo o mundo,
que revelou o seguinte, mais da metade delas já tinha sofrido assédio pelas redes sociais.
O que a gente vê hoje com os homens?
Os homens estão diante de um dilema importante, um dilema identitário,
no qual a crítica, principalmente aos homens brancos,
os homens que sempre foram as pessoas mais valorizadas da nossa sociedade,
que tiveram mais poder, tem até hoje mais poder, estão sendo claramente criticados.
Então, quando o jovem está se havendo com a identidade dele masculina,
ele fala, poxa, mas então eu não tenho nenhum valor.
Então, a gente tem que primeiro tomar muito cuidado
para mostrar para o jovem que o problema não é ser um homem branco,
é ser um tipo de homem branco que se acha melhor do que os outros,
que acha as mulheres inferiores, que acha as pessoas não brancas inferiores.
É disso que a gente está falando, ser homem branco não é um problema,
é a forma como você se coloca no mundo.
Agora, como é que você vai trabalhar isso com os adolescentes
que estão justamente se havendo com a masculinidade?
Eles ficam achando que eles vão ter que ser outra coisa.
Então, a gente precisa entender que quando os homens são violentos,
são misóginos, os homens brancos são racistas,
eles estão mostrando quão frágeis eles são.
Por trás dessa casca de homem forte, que faz e acontece,
a gente tem ali, na verdade, uma fragilidade identitária importante.
Então, esses adolescentes que estão cometendo esses crimes,
ou que estão sendo cooptados, eles estão exatamente nesse dilema.
Eu sou um homem branco, e agora?
Agora.
Então, a gente precisa começar também, como sociedade,
a positivar a masculinidade.
Falar, olha, não tem problema ser homem, é legal, tem homens muito legais.
O que não dá é para o homem se achar melhor do que os demais.
E isso aparece no número de jovens brancos que estão cometendo esses crimes,
porque eles estão tentando se haver com uma questão da sociedade
da pior forma possível.
Vera, antes da gente terminar, preciso te perguntar algo
que deve estar passando pela cabeça de muita gente que nos ouve agora.
Quais são os sinais de alerta de que um adolescente está com algum problema
mais grave e de que é preciso buscar ajuda de um profissional?
Olha, em geral, o adolescente, ele está trazendo para os pais
uma coisa que é muito diferente da infância.
Ele estava ali na relação com os pais muito mais próximo,
muito mais companheiro, e na adolescência é um momento no qual
o jovem vai se afastando um pouco dos pais, não quer mais fazer os programas juntos,
gosta de se fechar no quarto, até aí tudo bem, porque ele está justamente
tentando se separar, criar uma identidade separada dos pais
que ele admirava tanto, até se confundia com eles, tá?
Então, assim, ficar lá no mundinho dele faz parte, tá?
Mas a gente tem no dia a dia algumas coisas, por exemplo,
primeiro, coisas físicas.
A criança está se alimentando, a criança está cuidando do corpo,
está dormindo, como é que é a aparência dessa criança, né?
Está muito fragilizado, engordou demais, emagreceu demais, não dorme,
troca o dia pela noite, né?
Coisas que são muito fora do que é desejável, né?
Outras coisas são aquela criança que está sempre triste,
aquela criança que não conversa nunca, que você não consegue tirar um sorriso,
não quer estar nunca com vocês, com os adultos da família também,
é uma questão para se pensar.
É importante comparar um pouco, bom, quando ele está sozinho,
ele está lá com aquela cara, não quer conversar, responde qualquer coisa,
mas você sabe que ele tem os amigos dele, que ele vai, que ele vai na festa,
ele tem uma vida social para além daquela na família.
Então, a gente vai ficando de olho neles, vai vendo se aquilo é só com a gente,
se ele consegue curtir.
Então, a criança muito fechada, a criança que você vai vendo
uma fragilidade física, né?
Psicosomática, a gente diria.
É uma criança que inspira cuidados e tem os sintomas mais gritantes, né?
A criança está sempre ansiosa, está sempre chorosa.
O que vale aí? Vale sempre sentar com a criança e escutá-la,
mais do que falar, e na dúvida apelar ali para o pediatra da família,
o tio, a tia com quem ele tem mais proximidade,
que às vezes ele não se abre com os pais justamente porque os pais
são as pessoas mais envolvidas afetivamente,
ele não consegue se abrir com as pessoas que ele mais ama.
E às vezes a pessoa um pouco mais distante consegue falar.
E se ele não quiser falar com você, mas você está percebendo ali alguma coisa,
você pode falar, olha, você não precisa falar comigo.
Tem gente que escuta o outro, né?
Tem psicólogos, tem psicoterapeutas, às vezes um professor
com quem ele possa falar.
E a gente começa um caminho para cuidar deles,
mesmo que a gente como pai e mãe não seja capaz, justamente porque nós somos
as figuras mais importantes da vida deles, e isso cria ali um paradoxo, né?
Que eles não querem contar para nós porque somos muito íntimos, né?
Vera, muito obrigada pela conversa, por ter compartilhado com a gente
o seu conhecimento.
É uma honra, seja sempre muito bem-vinda.
Julia, eu que agradeço, e acho que a gente está na hora de conversar
sobre isso mesmo.
O Brasil pode ser uma referência nessa regulação dessas mídias,
como é uma referência em vários assuntos da saúde,
como foi em relação a AIDS, como foi em relação ao tabagismo.
A gente tem aí coisas de excelência no Brasil no tratamento,
na hora de cuidar das crianças, acho que a gente pode fazer a diferença também
em relação a esse tema.
Este foi o Assunto Podcast Diário, disponível no G1, no Globoplay,
no YouTube ou na sua plataforma de áudio preferida.
Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify,
assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts,
no Castbox ou no YouTube e favoritar na Deezer.
Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.
Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,
Thiago Aguiar, Gabriel de Campos, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski,
Etos Kleiter e Nayara Fernandes.
Eu sou Julia Dualibe e fico por aqui.
Até o próximo assunto.
Legendas pela comunidade Amara.org