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Podcast do projeto Querino (*Generated Transcript*), 7. Salve-se quem puder - Part 2

7. Salve-se quem puder - Part 2

O viés principal da morte, a morte física e das outras dimensões.

Fora todos os impactos do racismo sobre a saúde mental, por exemplo.

Então, se tem racismo, como é que a gente consegue estar aqui?

Porque a gente atuou.

Contra o aniquilamento, eu te devolvo. Eu te devolvo a sua história.

Te devolvo uma conexão com o seu passado e com seus antepassados.

E nós fizemos também Brasil.

Propusemos um outro Brasil.

Não esse Brasil que mata, mas um Brasil que nos oferece de volta aquilo que a gente entrega para ele.

Que dá de volta.

E aqui eu lembro de novo do episódio de educação.

Não eram as pessoas negras que queriam escola só para branco e escola só para negro.

Que barravam o filho do branco.

Pelo contrário.

Assim como as cotas, uma luta dos movimentos negros que hoje beneficia

todas as pessoas que não puderam pagar colégio particular e estudaram na rede pública.

E na saúde também foi assim.

A luta foi sempre para incluir todo mundo.

A gente fez o Brasil, não fez o sistema de saúde.

Essa visão de saúde é educação, é moradia.

A gente tem, desde antes, desde durante o regime da escravidão, oferecendo uma visão de Brasil.

Antes não era Brasil, antes era o império, o reino, a colônia, o que ele fosse.

Mas desde que a gente entendeu que a gente vai ficar aqui,

então esse lugar aqui tem que ser nosso.

E ele tem que imprimir nossas marcas.

No Brasil sonhado pelo povo negro, ninguém fica de fora.

Em 1911, mais de 50 países participaram em Londres do primeiro Congresso Universal de Raças.

A Europa estava em mais um momento de expansão imperialista, às vésperas da Primeira Guerra Mundial,

e um grupo de antropólogos e ativistas decidiu fazer esse evento

para debater formas de convivência e de trabalho.

Era uma época em que ainda se acreditava no conceito biológico de raça,

de que biologicamente houvesse diferença entre uma pessoa branca e uma pessoa negra, por exemplo.

Hoje a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

E a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

E a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

Hoje a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

Quando se fala de seres humanos, raça é algo que biologicamente não existe.

Biologicamente não existe.

Raça só existe como uma construção social.

Relações sociais e econômicas que foram construídas por décadas, séculos,

sob a ideia de que um grupo é melhor do que o outro,

com base em aspectos como a cor da pele, etnia, origem geográfica, religiosa.

Daí lá naquele congresso tinha tanto gente que já começava a ter essa concepção

quanto a turma do racismo científico.

Mais de 50 países enviaram representantes.

E o Brasil, que na época já era uma república e era presidido pelo Hermes da Fonseca,

mandou um homem branco, o antropólogo João Batista de Lacerda,

que era diretor do Museu Nacional no Rio.

Representando o governo brasileiro, o Lacerda fez uma apresentação

sobre como a miscigenação, o cruzamento racial entre brancos e negros,

iria fazer com que negros desaparecessem do território brasileiro até o fim do século XX,

possibilitando o branqueamento da população.

Pela previsão dele, pela promessa dele, já não era para ter negro na população brasileira

ali para 2011. Essa era a meta.

E ele dizia por que e como isso iria acontecer.

Um dos motivos era a crescente entrada de imigrantes europeus no Brasil,

algo que já era um projeto do país desde os anos finais da escravidão.

Sabe aquela história de trocar a mão de obra africana pela europeia?

Para atrair o trabalhador europeu, o governo brasileiro dava uma série de atrativos,

como condições especiais para comprar terra, por exemplo.

E você acha que algum ex-escravizado negro teve alguma condição assim para poder cultivar terra?

Para poder construir uma vida?

Bom, e segundo Lacerda, um outro motivo que levaria ao desaparecimento

da parcela afrodescendente da nossa população era uma soma entre problemas sociais e abandono

que os negros brasileiros enfrentavam desde a abolição.

E eu vou repetir quem é que estava falando tudo isso perante representantes do mundo todo.

Um homem escolhido pelo governo brasileiro para representar o país.

Então quando a Jurema diz que depois que as pessoas negras derrubaram a escravidão,

e foi isso que aconteceu, as pessoas negras é que derrubaram a escravidão,

não foi uma benevolência de uma princesa, e a gente vai falar sobre isso no próximo episódio.

Mas quando a Jurema diz que depois disso a polícia e os governantes

Quando a Jurema diz que depois disso a política do Estado brasileiro para o povo negro

foi a da eliminação, se não der para matar, deixa morrer,

ela não está exagerando, e nem um pouco.

Ela está sendo precisa.

E assim, para você não achar que isso é algo que ficou lá no começo da república,

ouve só essa história.

Em 1982, na gestão do Paulo Maluf como governador de São Paulo,

o governo estadual financiou a produção de um documento.

O nome era

O Censo de 1980 no Estado de São Paulo e suas curiosidades e preocupações.

O texto trazia dados sobre o aumento da proporção da população parda e preta,

ou seja, da população negra, e fazia um alerta.

A manter essa tendência, no ano 2000, a população parda e preta será da ordem de 60%,

portanto muito superior à branca,

e eleitoralmente poderá mandar na política e dominar postos-chave.

Isso estava num documento produzido pelo governo de São Paulo.

E é só mais um exemplo, e eu literalmente poderia passar horas aqui

só exemplificando porque e como o projeto do Estado brasileiro,

desde o fim da escravidão e até hoje, é acabar com a parcela negra da população.

E enquanto não der para acabar com ela, no mínimo deixar ela sem participar da política.

Isso está diretamente ligado à total inexistência de políticas públicas de saúde.

No pós-escravidão, trabalho formal não foi algo para nós,

o que custou para nós é o descaso estatal.

Então a gente não tinha acesso e continuamos reivindicando.

Já na República, a saúde era vista mais como um caso de polícia,

nessa ideia de higiene, de limpar a sociedade.

O que a gente sabe que era uma ideia muito carregada de racismo também.

As religiões de matriz africana, como a gente ouviu no episódio passado,

foram tratadas por muito tempo na República como um crime contra a saúde pública.

Daí tinham campanhas de vacinação, por exemplo, mas que sempre eram em resposta a alguma epidemia.

Não tinha planejamento prévio, cuidado preventivo, nada disso.

As ações em saúde continuaram isoladas, esporádicas.

Daí algumas empresas perceberam que toda essa falta de saúde estava fazendo elas perderem dinheiro,

afinal os trabalhadores ficavam doentes e perdiam dias de trabalho.

Então as fábricas começaram a oferecer serviços médicos para os funcionários,

cobrando uma porcentagem do salário.

Nos anos 30 foram criados os institutos de aposentadoria e pensões,

e aí quem estivesse formalmente no mercado de trabalho poderia ter assistência médica.

Mas era só isso, para todo o resto da população,

só pagando ou buscando atendimento em instituições filantrópicas

ou nos poucos postos e hospitais municipais e estaduais que existiam.

A gente disse que não é suficiente. Ampliou um pouco, mas aí dizia que não serve ainda, não dá, não cabe,

a gente precisa de mais. Não essas coisas pingadas em que uns entram e os outros não entram.

Não é essa coisa para quem podia pagar, mas algo que atendesse a todo mundo.

Atendesse todo mundo.

Só na década de 50 é que foi criado o Ministério da Saúde.

Houve até um investimento na pasta nesses primeiros anos,

mas na época da ditadura militar os gastos despencaram.

Não chegavam a nem 1% da verba federal.

Enquanto isso ia ganhando cada vez mais força o setor privado.

Foi na virada dos anos 70 para os 80 que começaram a surgir os planos de saúde.

As pessoas negras tiveram um protagonismo, uma participação muito ativa,

primeiro na concepção da saúde como um direito de todas as pessoas.

Esta é a Fernanda Lopes.

Ativista da luta contra o racismo, feminista, sou pesquisadora independente,

mestre e doutora em saúde pública.

Com a saúde pública só definhando, surgiram nos anos 80, no período da redemocratização,

os movimentos pela reforma sanitária.

Para as mulheres negras era já o início da discussão do bem viver

e da necessidade de reconhecer o racismo, os preconceitos de origem,

os preconceitos ligados à identidade de gênero ou ao sexo,

que era o que era apresentado naquele momento,

a idade ou qualquer outra forma de discriminação,

como que isso impactava a saúde da população, da população negra em especial.

Quando finalmente acabou a ditadura militar,

foram convocadas eleições para os deputados que fariam a nova Constituição do Brasil.

Também na Assembleia Constituinte, a participação das pessoas negras nos grupos

que estavam exclusivamente discutindo a temática racial e as políticas de enfrentamento ao racismo,

liderados por Benedito da Silva, por Abdias e por Caó,

estavam ali discutindo também sobre o direito humano à saúde.

Em 88, com a aprovação da Constituição Federal,

então a saúde é reconhecida como um direito fundamental de todos os cidadãos,

todas as cidadãs brasileiras e daquelas que vivem aqui no país.

A saúde finalmente passou a ser reconhecida como um direito fundamental,

ou seja, não há cidadania se não houver saúde.

Isso só foi acontecer em 88, faz muito pouco tempo.

Toda essa construção conta muito com a participação de lideranças negras,

de lideranças de mulheres negras que já tinham,

desde finais da década de 80 e início da década de 90,

a saúde como uma das pautas prioritárias na sua estratégia de enfrentamento ao racismo,

ao sexismo e promoção do bem viver.

O SUS, na verdade, ele foi gestado para ser, além de uma resposta em saúde,

que a população reivindicou e construiu,

ele é também uma resposta à redistribuição da renda e riqueza que todo mundo produz,

em política pública e em política de saúde.

Tem que distribuir de outras formas, inclusive em dinheiro também,

mas o SUS é também redistribuição de renda e riqueza.

A Jurema Werneck e a Fernanda Lopes foram as duas primeiras participantes

dos movimentos negros no Conselho Nacional de Saúde.

A primeira vez foi Fernanda, eu substituía a Fernanda.

E Fernanda esteve lá por um ano e nesse ano o que ela fez,

foi a maior contribuição que alguém pode dar para a saúde da população negra no Brasil,

ela pegou uma proposta que construímos todas e todos juntos.

Não só ela, não só eu, mas um coletivo de pesquisadores e profissionais de saúde

e do movimento negro e do movimento de mulheres negras,

nós construímos uma proposta de Política Nacional de Saúde da População Negra,

para que o Ministério da Saúde produzisse uma proposta

à altura do que a gente reivindicava.

A Política Nacional de Saúde da População Negra reconhece que tem racismo

no atendimento prestado pelo SUS e traça aí estratégias para combater isso.

Por exemplo, a obrigatoriedade de preencher cor ou raça nos formulários de atendimento.

Sem esse reconhecimento é impossível fazer uma gestão que seja comprometida com a vida

e com o bem viver de todas as pessoas.

As práticas discriminatórias impactam o nascer, o viver, o adoecer e o morrer da população negra.

E é isso que a gente precisa entender, conhecer, divulgar e cobrar que a política seja implementada

e que o SUS seja consolidado como esse sistema.

Não é da forma que está hoje, mas é como um sistema que a gente quer,

que a gente precisa e não esse que dizem que é o possível.

E é isso, ninguém aqui está dizendo que o SUS é perfeito, porque obviamente ele não é.

Primeiro a gente precisa ser generosa com a visão daquela população que chama o SUS de porcaria, porque ele é.

Ou seja, o SUS que está na prática, ele é indefensável.

De cada 10 pessoas na lista de atendimento de pacientes de câncer no Sistema Único de Saúde,

4 não conseguem atendimento no prazo estabelecido por lei.

Quase todo dia a gente denuncia aqui problemas enfrentados pelos brasileiros na área da saúde.

Hoje, a triste notícia vem do Rio de Janeiro, onde uma mulher de 54 anos morreu sem atendimento dentro de um hospital público.

O sistema são as pessoas fazendo o sistema e principalmente quem toma as decisões.

Tem que apontar o dedo na cara daquelas pessoas que fizeram isso.

Mas por que é importante? É porque é o nosso projeto.

A gente pode até jogar esse SUS fora, desde que a gente tenha outra proposta.

Mas um sistema único, público, universal, integral e equitativo é essencial.

É essencial para o nosso projeto de existência, para o nosso projeto de país,

para o nosso projeto de sociedade e é essencial no cotidiano para a nossa vida.

Eu não sei se você gosta de histórias em quadrinho, mas o SUS é quase um anti-herói.

Não é nem de longe o herói que a população brasileira merece, mas é o que ela precisa.

Ainda que haja tanta coisa para melhorar.

Nós temos mais de 600 mil vidas ceifadas pela Covid.

Se nós não tivéssemos um sistema público universal, nós teríamos muito mais.

Nós também não teríamos vacina, nós não teríamos toda a estrutura de resposta.

Por mais difícil, por pior que tenha sido a gestão, estaríamos literalmente desassistidos.

Ainda que nós tenhamos essa situação que poderia ter sido completamente diferente.

Bom, o presidente Jair Bolsonaro disse hoje que desconhece mortes de crianças por coronavírus.

A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade.

A minha opinião que eu vou dar para você aqui, a minha filha de 11 anos não será vacinada.

E você vai vacinar a tua filha?

Eu pergunto, você tem conhecimento de uma criança de 5 ou 11 anos que tenha morrido de Covid? Eu não tenho.

Você não conhece porque precisa se informar melhor, porque existem sim.

Pelo menos metade das vidas poderiam ter sido preservadas em relação àquelas que a gente perdeu para a pandemia.

No mínimo, metade daquelas vidas poderiam ter sido preservadas, mas poderia ser muito pior se a gente não tivesse o sucesso.

Pode não querer defender o que está aí agora, porque é indefensável.

Mas a pandemia fez a gente vislumbrar, olha como se esse negócio funcionasse, seria bom a beça.

E funcionando, a porcaria que é. Já deu esse refresco, já ajudou muita gente.

Imagina se funciona direito. Eu acho que vale a pena investir, porque é uma visão de mundo.

A gente sai daquele salvo-se-quem-puder. Hoje em dia, a ideia de salvo-se-quem-puder está muito forte também.

Mas eu acho que para nós, população negra, é importante a gente reuper mais uma vez a ideia do salvo-se-quem-puder

e garantir que haja alguma coisa lá para todo mundo.

Desde que ele foi criado, ele continua sendo atacado.

Então aquela pessoa que nasceu em 1988 e acha que o SUS existe, mas é uma porcaria,

precisa saber que ele não era para ser essa porcaria que é.

Ele era para ser outra coisa. Ele era para ser o que é na Espanha, ele era para ser o que é em Cuba,

ele era para ser o que é no Reino Unido, na Inglaterra.

Era para ser isso, mas aqui a ganância dos ricos foi muito maior e aqui nós perdemos.

Não é para ter esse monte de plano de saúde, não era para ter isso, não era para ter esses hospitais de excelência

que o SUS paga, inclusive, para atender uma minoria. Não era para ter isso, era para ser um sistema único e público.

E na disputa da constituinte, perdeu essa visão do único público. Perdeu.

A gente tem lutado esse tempo todo para que o SUS exista, de fato, plenamente, com tudo que ele pode fazer e não faz.

E qual a importância para a população negra? A população negra só tem dois sistemas de saúde, basicamente.

O seu sistema tradicional das rezas, das crenças, da medicina chamada popular, das medicinas que acontecem nos terreiros,

das medicinas que as nossas avós faziam. Tem esse sistema que não deve ser subestimado,

porque antes do SUS era ele que cuidava da gente, porque não tinha outra coisa.

Então ele é bem sucedido. Não salvou a vida de todo mundo, não, mas salvou a vida de muita gente.

Então ele era bem sucedido e tem o SUS. O plano de saúde é acessado por uma minoria,

custa carésimo e não entrega o que promete, nem para o rico.

Mas a maioria da população negra, quando procura alguma resposta em saúde, é no SUS que ela vai.

A gente sabe que não é atendido como deve, mas é lá que ela vai. Então era central.

E mesmo depois da criação do SUS, a população negra não parou de promover esse autocuidado.

Não só nesses saberes ancestrais de cura, mas em atividades articuladas de saúde pública também.

Chegou a hora da segunda dose. Nos dias 14, 15 e 16 de outubro vai rolar a antecipação da segunda dose da vacina Covid-19 aqui na Maré.

Meu nome é Eduardo da Silva, tenho 54 anos, moro no Complexo da Maré desde quando nasci, na mesma casa.

Participo da rede da Maré hoje pelo Conexão Saúde, Isolamento Seguro, sou articulador territorial, participo fazendo mobilização junto aos moradores.

O meu dia ontem foi bastante escorrido, né? Saímos para fazer mobilização para alertar as pessoas que nós antecipamos a campanha Vacina Maré.

Então nós fomos nas associações de moradores, todas as clínicas da família do Complexo da Maré, para deixar panfleto, flyer, colar cartazes, faixas,

o pessoal vim se vacinar nesses três dias da campanha aí. Graças a Deus a população tem vindo, tem abraçado a campanha.

Vem, vacina Maré!

Eu quis conferir essa campanha de vacinação em massa na Maré, que é esse complexo de favelas no Rio,

depois de ver um vídeo, e talvez você tenha visto também porque fez muito sucesso,

Oi, você já sabe que já tá rolando a vacinação...

de um influenciador incrível, nascido e criado lá, o Rafael Vicente, que grava sempre junto com a família dele.

Primeiro que se vacinar é muito importante.

Ah, mas a asfrasênica causa efeito colateral, né?

São sintomas leves que passam em um ou dois dias.

Já dizia aquele filósofo, a paulada pode durar uma noite, mas a imunização chega pela manhã.

E lembrem que vacina boa é a vacina que tem.

Já tô cedo!

Descansa, militante!

Olha o tabu sendo quebrado!

Lembrando, que tu tomou a primeira dose, tem que tomar a segunda dose da vacina.

E tu, já tomou a segunda dose, Luciene?

Linda e bela!

Primeira coisa, como é pra podcast, eu queria que primeiro você se apresentasse.

Você já teve a vacina?

Primeira coisa, como é pra podcast, eu queria que primeiro você se apresentasse, por favor.

Começando com o seu nome, aí quantas palavras você quiser.

Oi, gente, eu sou pequeno Alô, assim, essas coisas.

É, tipo isso.

Tá bom.

Oi, pessoal, tudo bem? Eu sou o Rafael Vicente.

Eu sou o cria aqui da Mareto, aqui a minha vida inteira e pretendo continuar.

E eu sou digital influencer, eu produzo conteúdo com a minha família,

bombei na pandemia, e é isso, tô vivendo.

O que eu gosto desse vídeo da vacina, além de ser bom conteúdo, né,

de conseguir comunicar com leveza algo importante,

é que pra mim exemplifica essa participação negra comunitária

na promoção da saúde pública no Brasil.

Uma família preta fazendo um vídeo e convocando as pessoas a se vacinarem.

Eu fiquei muito feliz porque a nossa meta a princípio era só atingir as pessoas aqui da Maré.

Só que a gente conversando, a gente conversando,

a gente abriu isso de não deixar a vacinação em massa e foco,

mas pôr ali falas que atendam todas as pessoas além aqui da Maré.

Acabou ter humor ali, eu acho que tudo que tem humor as pessoas gostam

e acabou que atingiu um público que eu não esperava que fosse atingir,

atingiu muita gente.

Mesmo com tanta campanha contrária, com tanta desinformação

e de quem justamente deveria liberar o país, as pessoas foram se vacinar.

As pessoas que eu tenho em volta de mim, todas se vacinaram.

São pessoas que postam, que apoiam a vacina, que divulgam a vacina.

Então acho que eu tô bem de pessoas em volta de mim.

É claro que num país com um histórico de campanhas bem-sucedidas de vacinação,

a taxa de cobertura poderia ter sido ainda maior.

Porque infelizmente ainda teve gente que caiu no discurso anti-vacina.

E a vacinação também poderia ter sido uma coisa que não foi.

Mas quando a vacina finalmente chegou, as pessoas foram se vacinar.

Apesar do projeto, apesar dos salves que puder,

apesar da meta de acabar com a pandemia,

apesar do projeto de liberação da vacina,

apesar do projeto de liberação da vacina,

apesar dos salves que puder,

apesar da meta de acabar com a parcela negra da população,

a gente continua aqui.

Nós combinamos de ficar vivos.

Teve movimento, teve luta, entendeu?

E o jogo não acaba enquanto o racismo não acabar, entendeu?

Quem nasceu em 88, nasceu também num país racista.

Então o SUS vai ter muito racismo.

Então precisa continuar a luta.

Eu acho que esse é um ponto que precisa ser marcado também,

pra gente não achar que as coisas brotam do nada.

Tem muita luta e o inimigo está lutando também,

ou seja, a gente tem que estar sempre se reposicionando.

O Projeto Querino é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga.

O podcast é produzido pela Rádio Novelo.

O nosso site projetoquerino.com.br

reúne todas as informações sobre o projeto e conteúdo adicional.

O site foi desenvolvido pela AIE.

E eu te convido a conferir também todo o material do Projeto Querino

que está sendo publicado pela revista Piauí,

nas bancas e no site da revista.

Este episódio teve pesquisa de Gilberto Porcidônio,

Rafael Domingos Oliveira e Angélica Paulo,

que também fez a produção.

A edição é do Luca Mendes,

a sonorização da Júlia Matos e a finalização da Pipoca Sound.

A checagem é do Gilberto Porcidônio

e a música original do Vitor Rodrigues Dias.

Estratégia de promoção, distribuição e conteúdo digital,

Bia Ribeiro.

A identidade visual é do Draco Imagem.

Os transcritores das entrevistas foram Guilherme Póvoas e Rodolfo Viana.

A locução foi gravada no estúdio da Pipoca Sound

com trabalhos técnicos do João Muniz.

Consultoria em roteiro de Mariana Jaspe, Paula Escarpim e Flora Thompson Devoe,

com revisão de Natália Silva.

Consultoria em história, Inaê Lopes dos Santos.

Produção executiva, Guilherme Alpendre.

A execução financeira do projeto é do ISPIS,

Instituto Sincronicidade para Interação Social.

Idealização, reportagem, roteiro, apresentação e coordenação, Thiago Rogero.

Este episódio usou áudios de UOL, Rede TVT, Record, Band, CNN Brasil e SBT.

Agradecimentos a Mayara Priscila de Jesus dos Santos,

a Bruna Dias e a Redes da Maré.

Até o próximo!

Legendas pela comunidade Amara.org

7. Salve-se quem puder - Part 2 7. Rette dich, wenn du kannst - Teil 2 7. Save yourself if you can - Part 2 7. Sálvese quien pueda - Parte 2 7. Salvarsi se si può - Parte 2

O viés principal da morte, a morte física e das outras dimensões. The main aspect of death, physical death and the other dimensions.

Fora todos os impactos do racismo sobre a saúde mental, por exemplo. Not to mention all the impacts of racism on mental health, for example.

Então, se tem racismo, como é que a gente consegue estar aqui? So if there's racism, how can we be here?

Porque a gente atuou. Because we acted.

Contra o aniquilamento, eu te devolvo. Eu te devolvo a sua história. Against annihilation, I give you back. I give you back your story.

Te devolvo uma conexão com o seu passado e com seus antepassados. I give you back a connection with your past and your ancestors.

E nós fizemos também Brasil. And we did Brazil too.

Propusemos um outro Brasil. We proposed another Brazil.

Não esse Brasil que mata, mas um Brasil que nos oferece de volta aquilo que a gente entrega para ele.

Que dá de volta.

E aqui eu lembro de novo do episódio de educação.

Não eram as pessoas negras que queriam escola só para branco e escola só para negro.

Que barravam o filho do branco.

Pelo contrário.

Assim como as cotas, uma luta dos movimentos negros que hoje beneficia

todas as pessoas que não puderam pagar colégio particular e estudaram na rede pública.

E na saúde também foi assim.

A luta foi sempre para incluir todo mundo. The fight has always been to include everyone.

A gente fez o Brasil, não fez o sistema de saúde. We made Brazil, we didn't make the health system.

Essa visão de saúde é educação, é moradia. This vision of health is education, it's housing.

A gente tem, desde antes, desde durante o regime da escravidão, oferecendo uma visão de Brasil. Since before, since during the slavery regime, we have been offering a vision of Brazil.

Antes não era Brasil, antes era o império, o reino, a colônia, o que ele fosse. It wasn't Brazil before, it was the empire, the kingdom, the colony, whatever.

Mas desde que a gente entendeu que a gente vai ficar aqui,

então esse lugar aqui tem que ser nosso.

E ele tem que imprimir nossas marcas.

No Brasil sonhado pelo povo negro, ninguém fica de fora.

Em 1911, mais de 50 países participaram em Londres do primeiro Congresso Universal de Raças.

A Europa estava em mais um momento de expansão imperialista, às vésperas da Primeira Guerra Mundial,

e um grupo de antropólogos e ativistas decidiu fazer esse evento

para debater formas de convivência e de trabalho.

Era uma época em que ainda se acreditava no conceito biológico de raça,

de que biologicamente houvesse diferença entre uma pessoa branca e uma pessoa negra, por exemplo.

Hoje a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

E a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

E a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

Hoje a gente sabe que a ciência já provou que isso não existe.

Quando se fala de seres humanos, raça é algo que biologicamente não existe.

Biologicamente não existe.

Raça só existe como uma construção social.

Relações sociais e econômicas que foram construídas por décadas, séculos,

sob a ideia de que um grupo é melhor do que o outro,

com base em aspectos como a cor da pele, etnia, origem geográfica, religiosa.

Daí lá naquele congresso tinha tanto gente que já começava a ter essa concepção

quanto a turma do racismo científico.

Mais de 50 países enviaram representantes.

E o Brasil, que na época já era uma república e era presidido pelo Hermes da Fonseca,

mandou um homem branco, o antropólogo João Batista de Lacerda,

que era diretor do Museu Nacional no Rio.

Representando o governo brasileiro, o Lacerda fez uma apresentação

sobre como a miscigenação, o cruzamento racial entre brancos e negros,

iria fazer com que negros desaparecessem do território brasileiro até o fim do século XX, would cause blacks to disappear from Brazilian territory by the end of the 20th century,

possibilitando o branqueamento da população.

Pela previsão dele, pela promessa dele, já não era para ter negro na população brasileira

ali para 2011. Essa era a meta.

E ele dizia por que e como isso iria acontecer.

Um dos motivos era a crescente entrada de imigrantes europeus no Brasil,

algo que já era um projeto do país desde os anos finais da escravidão.

Sabe aquela história de trocar a mão de obra africana pela europeia?

Para atrair o trabalhador europeu, o governo brasileiro dava uma série de atrativos,

como condições especiais para comprar terra, por exemplo.

E você acha que algum ex-escravizado negro teve alguma condição assim para poder cultivar terra?

Para poder construir uma vida?

Bom, e segundo Lacerda, um outro motivo que levaria ao desaparecimento

da parcela afrodescendente da nossa população era uma soma entre problemas sociais e abandono

que os negros brasileiros enfrentavam desde a abolição.

E eu vou repetir quem é que estava falando tudo isso perante representantes do mundo todo.

Um homem escolhido pelo governo brasileiro para representar o país.

Então quando a Jurema diz que depois que as pessoas negras derrubaram a escravidão,

e foi isso que aconteceu, as pessoas negras é que derrubaram a escravidão,

não foi uma benevolência de uma princesa, e a gente vai falar sobre isso no próximo episódio.

Mas quando a Jurema diz que depois disso a polícia e os governantes

Quando a Jurema diz que depois disso a política do Estado brasileiro para o povo negro

foi a da eliminação, se não der para matar, deixa morrer,

ela não está exagerando, e nem um pouco.

Ela está sendo precisa.

E assim, para você não achar que isso é algo que ficou lá no começo da república,

ouve só essa história.

Em 1982, na gestão do Paulo Maluf como governador de São Paulo,

o governo estadual financiou a produção de um documento.

O nome era

O Censo de 1980 no Estado de São Paulo e suas curiosidades e preocupações.

O texto trazia dados sobre o aumento da proporção da população parda e preta,

ou seja, da população negra, e fazia um alerta.

A manter essa tendência, no ano 2000, a população parda e preta será da ordem de 60%,

portanto muito superior à branca,

e eleitoralmente poderá mandar na política e dominar postos-chave.

Isso estava num documento produzido pelo governo de São Paulo.

E é só mais um exemplo, e eu literalmente poderia passar horas aqui

só exemplificando porque e como o projeto do Estado brasileiro,

desde o fim da escravidão e até hoje, é acabar com a parcela negra da população.

E enquanto não der para acabar com ela, no mínimo deixar ela sem participar da política.

Isso está diretamente ligado à total inexistência de políticas públicas de saúde.

No pós-escravidão, trabalho formal não foi algo para nós, In the post-slavery era, formal work was not something for us,

o que custou para nós é o descaso estatal. what has cost us is state neglect.

Então a gente não tinha acesso e continuamos reivindicando. So we didn't have access and we continued to demand it.

Já na República, a saúde era vista mais como um caso de polícia,

nessa ideia de higiene, de limpar a sociedade.

O que a gente sabe que era uma ideia muito carregada de racismo também.

As religiões de matriz africana, como a gente ouviu no episódio passado,

foram tratadas por muito tempo na República como um crime contra a saúde pública.

Daí tinham campanhas de vacinação, por exemplo, mas que sempre eram em resposta a alguma epidemia.

Não tinha planejamento prévio, cuidado preventivo, nada disso.

As ações em saúde continuaram isoladas, esporádicas.

Daí algumas empresas perceberam que toda essa falta de saúde estava fazendo elas perderem dinheiro,

afinal os trabalhadores ficavam doentes e perdiam dias de trabalho.

Então as fábricas começaram a oferecer serviços médicos para os funcionários,

cobrando uma porcentagem do salário.

Nos anos 30 foram criados os institutos de aposentadoria e pensões,

e aí quem estivesse formalmente no mercado de trabalho poderia ter assistência médica.

Mas era só isso, para todo o resto da população,

só pagando ou buscando atendimento em instituições filantrópicas

ou nos poucos postos e hospitais municipais e estaduais que existiam.

A gente disse que não é suficiente. Ampliou um pouco, mas aí dizia que não serve ainda, não dá, não cabe,

a gente precisa de mais. Não essas coisas pingadas em que uns entram e os outros não entram.

Não é essa coisa para quem podia pagar, mas algo que atendesse a todo mundo.

Atendesse todo mundo.

Só na década de 50 é que foi criado o Ministério da Saúde.

Houve até um investimento na pasta nesses primeiros anos,

mas na época da ditadura militar os gastos despencaram.

Não chegavam a nem 1% da verba federal.

Enquanto isso ia ganhando cada vez mais força o setor privado.

Foi na virada dos anos 70 para os 80 que começaram a surgir os planos de saúde.

As pessoas negras tiveram um protagonismo, uma participação muito ativa,

primeiro na concepção da saúde como um direito de todas as pessoas.

Esta é a Fernanda Lopes.

Ativista da luta contra o racismo, feminista, sou pesquisadora independente,

mestre e doutora em saúde pública.

Com a saúde pública só definhando, surgiram nos anos 80, no período da redemocratização,

os movimentos pela reforma sanitária.

Para as mulheres negras era já o início da discussão do bem viver

e da necessidade de reconhecer o racismo, os preconceitos de origem,

os preconceitos ligados à identidade de gênero ou ao sexo,

que era o que era apresentado naquele momento,

a idade ou qualquer outra forma de discriminação,

como que isso impactava a saúde da população, da população negra em especial.

Quando finalmente acabou a ditadura militar,

foram convocadas eleições para os deputados que fariam a nova Constituição do Brasil.

Também na Assembleia Constituinte, a participação das pessoas negras nos grupos

que estavam exclusivamente discutindo a temática racial e as políticas de enfrentamento ao racismo,

liderados por Benedito da Silva, por Abdias e por Caó,

estavam ali discutindo também sobre o direito humano à saúde.

Em 88, com a aprovação da Constituição Federal,

então a saúde é reconhecida como um direito fundamental de todos os cidadãos,

todas as cidadãs brasileiras e daquelas que vivem aqui no país.

A saúde finalmente passou a ser reconhecida como um direito fundamental,

ou seja, não há cidadania se não houver saúde.

Isso só foi acontecer em 88, faz muito pouco tempo.

Toda essa construção conta muito com a participação de lideranças negras,

de lideranças de mulheres negras que já tinham,

desde finais da década de 80 e início da década de 90,

a saúde como uma das pautas prioritárias na sua estratégia de enfrentamento ao racismo,

ao sexismo e promoção do bem viver.

O SUS, na verdade, ele foi gestado para ser, além de uma resposta em saúde,

que a população reivindicou e construiu,

ele é também uma resposta à redistribuição da renda e riqueza que todo mundo produz,

em política pública e em política de saúde.

Tem que distribuir de outras formas, inclusive em dinheiro também,

mas o SUS é também redistribuição de renda e riqueza.

A Jurema Werneck e a Fernanda Lopes foram as duas primeiras participantes

dos movimentos negros no Conselho Nacional de Saúde.

A primeira vez foi Fernanda, eu substituía a Fernanda.

E Fernanda esteve lá por um ano e nesse ano o que ela fez,

foi a maior contribuição que alguém pode dar para a saúde da população negra no Brasil,

ela pegou uma proposta que construímos todas e todos juntos.

Não só ela, não só eu, mas um coletivo de pesquisadores e profissionais de saúde

e do movimento negro e do movimento de mulheres negras,

nós construímos uma proposta de Política Nacional de Saúde da População Negra,

para que o Ministério da Saúde produzisse uma proposta

à altura do que a gente reivindicava.

A Política Nacional de Saúde da População Negra reconhece que tem racismo

no atendimento prestado pelo SUS e traça aí estratégias para combater isso.

Por exemplo, a obrigatoriedade de preencher cor ou raça nos formulários de atendimento.

Sem esse reconhecimento é impossível fazer uma gestão que seja comprometida com a vida

e com o bem viver de todas as pessoas.

As práticas discriminatórias impactam o nascer, o viver, o adoecer e o morrer da população negra.

E é isso que a gente precisa entender, conhecer, divulgar e cobrar que a política seja implementada

e que o SUS seja consolidado como esse sistema.

Não é da forma que está hoje, mas é como um sistema que a gente quer,

que a gente precisa e não esse que dizem que é o possível.

E é isso, ninguém aqui está dizendo que o SUS é perfeito, porque obviamente ele não é.

Primeiro a gente precisa ser generosa com a visão daquela população que chama o SUS de porcaria, porque ele é.

Ou seja, o SUS que está na prática, ele é indefensável.

De cada 10 pessoas na lista de atendimento de pacientes de câncer no Sistema Único de Saúde,

4 não conseguem atendimento no prazo estabelecido por lei.

Quase todo dia a gente denuncia aqui problemas enfrentados pelos brasileiros na área da saúde.

Hoje, a triste notícia vem do Rio de Janeiro, onde uma mulher de 54 anos morreu sem atendimento dentro de um hospital público.

O sistema são as pessoas fazendo o sistema e principalmente quem toma as decisões.

Tem que apontar o dedo na cara daquelas pessoas que fizeram isso.

Mas por que é importante? É porque é o nosso projeto.

A gente pode até jogar esse SUS fora, desde que a gente tenha outra proposta.

Mas um sistema único, público, universal, integral e equitativo é essencial.

É essencial para o nosso projeto de existência, para o nosso projeto de país,

para o nosso projeto de sociedade e é essencial no cotidiano para a nossa vida.

Eu não sei se você gosta de histórias em quadrinho, mas o SUS é quase um anti-herói.

Não é nem de longe o herói que a população brasileira merece, mas é o que ela precisa.

Ainda que haja tanta coisa para melhorar.

Nós temos mais de 600 mil vidas ceifadas pela Covid.

Se nós não tivéssemos um sistema público universal, nós teríamos muito mais.

Nós também não teríamos vacina, nós não teríamos toda a estrutura de resposta.

Por mais difícil, por pior que tenha sido a gestão, estaríamos literalmente desassistidos.

Ainda que nós tenhamos essa situação que poderia ter sido completamente diferente.

Bom, o presidente Jair Bolsonaro disse hoje que desconhece mortes de crianças por coronavírus.

A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade.

A minha opinião que eu vou dar para você aqui, a minha filha de 11 anos não será vacinada.

E você vai vacinar a tua filha?

Eu pergunto, você tem conhecimento de uma criança de 5 ou 11 anos que tenha morrido de Covid? Eu não tenho.

Você não conhece porque precisa se informar melhor, porque existem sim.

Pelo menos metade das vidas poderiam ter sido preservadas em relação àquelas que a gente perdeu para a pandemia.

No mínimo, metade daquelas vidas poderiam ter sido preservadas, mas poderia ser muito pior se a gente não tivesse o sucesso.

Pode não querer defender o que está aí agora, porque é indefensável.

Mas a pandemia fez a gente vislumbrar, olha como se esse negócio funcionasse, seria bom a beça.

E funcionando, a porcaria que é. Já deu esse refresco, já ajudou muita gente.

Imagina se funciona direito. Eu acho que vale a pena investir, porque é uma visão de mundo.

A gente sai daquele salvo-se-quem-puder. Hoje em dia, a ideia de salvo-se-quem-puder está muito forte também.

Mas eu acho que para nós, população negra, é importante a gente reuper mais uma vez a ideia do salvo-se-quem-puder

e garantir que haja alguma coisa lá para todo mundo.

Desde que ele foi criado, ele continua sendo atacado.

Então aquela pessoa que nasceu em 1988 e acha que o SUS existe, mas é uma porcaria,

precisa saber que ele não era para ser essa porcaria que é.

Ele era para ser outra coisa. Ele era para ser o que é na Espanha, ele era para ser o que é em Cuba,

ele era para ser o que é no Reino Unido, na Inglaterra.

Era para ser isso, mas aqui a ganância dos ricos foi muito maior e aqui nós perdemos.

Não é para ter esse monte de plano de saúde, não era para ter isso, não era para ter esses hospitais de excelência

que o SUS paga, inclusive, para atender uma minoria. Não era para ter isso, era para ser um sistema único e público.

E na disputa da constituinte, perdeu essa visão do único público. Perdeu.

A gente tem lutado esse tempo todo para que o SUS exista, de fato, plenamente, com tudo que ele pode fazer e não faz.

E qual a importância para a população negra? A população negra só tem dois sistemas de saúde, basicamente.

O seu sistema tradicional das rezas, das crenças, da medicina chamada popular, das medicinas que acontecem nos terreiros,

das medicinas que as nossas avós faziam. Tem esse sistema que não deve ser subestimado,

porque antes do SUS era ele que cuidava da gente, porque não tinha outra coisa.

Então ele é bem sucedido. Não salvou a vida de todo mundo, não, mas salvou a vida de muita gente.

Então ele era bem sucedido e tem o SUS. O plano de saúde é acessado por uma minoria,

custa carésimo e não entrega o que promete, nem para o rico.

Mas a maioria da população negra, quando procura alguma resposta em saúde, é no SUS que ela vai.

A gente sabe que não é atendido como deve, mas é lá que ela vai. Então era central.

E mesmo depois da criação do SUS, a população negra não parou de promover esse autocuidado.

Não só nesses saberes ancestrais de cura, mas em atividades articuladas de saúde pública também.

Chegou a hora da segunda dose. Nos dias 14, 15 e 16 de outubro vai rolar a antecipação da segunda dose da vacina Covid-19 aqui na Maré.

Meu nome é Eduardo da Silva, tenho 54 anos, moro no Complexo da Maré desde quando nasci, na mesma casa.

Participo da rede da Maré hoje pelo Conexão Saúde, Isolamento Seguro, sou articulador territorial, participo fazendo mobilização junto aos moradores.

O meu dia ontem foi bastante escorrido, né? Saímos para fazer mobilização para alertar as pessoas que nós antecipamos a campanha Vacina Maré.

Então nós fomos nas associações de moradores, todas as clínicas da família do Complexo da Maré, para deixar panfleto, flyer, colar cartazes, faixas,

o pessoal vim se vacinar nesses três dias da campanha aí. Graças a Deus a população tem vindo, tem abraçado a campanha.

Vem, vacina Maré!

Eu quis conferir essa campanha de vacinação em massa na Maré, que é esse complexo de favelas no Rio,

depois de ver um vídeo, e talvez você tenha visto também porque fez muito sucesso,

Oi, você já sabe que já tá rolando a vacinação...

de um influenciador incrível, nascido e criado lá, o Rafael Vicente, que grava sempre junto com a família dele.

Primeiro que se vacinar é muito importante.

Ah, mas a asfrasênica causa efeito colateral, né?

São sintomas leves que passam em um ou dois dias.

Já dizia aquele filósofo, a paulada pode durar uma noite, mas a imunização chega pela manhã.

E lembrem que vacina boa é a vacina que tem.

Já tô cedo!

Descansa, militante!

Olha o tabu sendo quebrado!

Lembrando, que tu tomou a primeira dose, tem que tomar a segunda dose da vacina.

E tu, já tomou a segunda dose, Luciene?

Linda e bela!

Primeira coisa, como é pra podcast, eu queria que primeiro você se apresentasse.

Você já teve a vacina?

Primeira coisa, como é pra podcast, eu queria que primeiro você se apresentasse, por favor.

Começando com o seu nome, aí quantas palavras você quiser.

Oi, gente, eu sou pequeno Alô, assim, essas coisas.

É, tipo isso.

Tá bom.

Oi, pessoal, tudo bem? Eu sou o Rafael Vicente.

Eu sou o cria aqui da Mareto, aqui a minha vida inteira e pretendo continuar.

E eu sou digital influencer, eu produzo conteúdo com a minha família,

bombei na pandemia, e é isso, tô vivendo.

O que eu gosto desse vídeo da vacina, além de ser bom conteúdo, né,

de conseguir comunicar com leveza algo importante,

é que pra mim exemplifica essa participação negra comunitária

na promoção da saúde pública no Brasil.

Uma família preta fazendo um vídeo e convocando as pessoas a se vacinarem.

Eu fiquei muito feliz porque a nossa meta a princípio era só atingir as pessoas aqui da Maré.

Só que a gente conversando, a gente conversando,

a gente abriu isso de não deixar a vacinação em massa e foco,

mas pôr ali falas que atendam todas as pessoas além aqui da Maré.

Acabou ter humor ali, eu acho que tudo que tem humor as pessoas gostam

e acabou que atingiu um público que eu não esperava que fosse atingir,

atingiu muita gente.

Mesmo com tanta campanha contrária, com tanta desinformação

e de quem justamente deveria liberar o país, as pessoas foram se vacinar.

As pessoas que eu tenho em volta de mim, todas se vacinaram.

São pessoas que postam, que apoiam a vacina, que divulgam a vacina.

Então acho que eu tô bem de pessoas em volta de mim.

É claro que num país com um histórico de campanhas bem-sucedidas de vacinação,

a taxa de cobertura poderia ter sido ainda maior.

Porque infelizmente ainda teve gente que caiu no discurso anti-vacina.

E a vacinação também poderia ter sido uma coisa que não foi.

Mas quando a vacina finalmente chegou, as pessoas foram se vacinar.

Apesar do projeto, apesar dos salves que puder,

apesar da meta de acabar com a pandemia,

apesar do projeto de liberação da vacina,

apesar do projeto de liberação da vacina,

apesar dos salves que puder,

apesar da meta de acabar com a parcela negra da população,

a gente continua aqui.

Nós combinamos de ficar vivos.

Teve movimento, teve luta, entendeu?

E o jogo não acaba enquanto o racismo não acabar, entendeu?

Quem nasceu em 88, nasceu também num país racista.

Então o SUS vai ter muito racismo.

Então precisa continuar a luta.

Eu acho que esse é um ponto que precisa ser marcado também,

pra gente não achar que as coisas brotam do nada.

Tem muita luta e o inimigo está lutando também,

ou seja, a gente tem que estar sempre se reposicionando.

O Projeto Querino é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga.

O podcast é produzido pela Rádio Novelo.

O nosso site projetoquerino.com.br

reúne todas as informações sobre o projeto e conteúdo adicional.

O site foi desenvolvido pela AIE.

E eu te convido a conferir também todo o material do Projeto Querino

que está sendo publicado pela revista Piauí,

nas bancas e no site da revista.

Este episódio teve pesquisa de Gilberto Porcidônio,

Rafael Domingos Oliveira e Angélica Paulo,

que também fez a produção.

A edição é do Luca Mendes,

a sonorização da Júlia Matos e a finalização da Pipoca Sound.

A checagem é do Gilberto Porcidônio

e a música original do Vitor Rodrigues Dias.

Estratégia de promoção, distribuição e conteúdo digital,

Bia Ribeiro.

A identidade visual é do Draco Imagem.

Os transcritores das entrevistas foram Guilherme Póvoas e Rodolfo Viana.

A locução foi gravada no estúdio da Pipoca Sound

com trabalhos técnicos do João Muniz.

Consultoria em roteiro de Mariana Jaspe, Paula Escarpim e Flora Thompson Devoe,

com revisão de Natália Silva.

Consultoria em história, Inaê Lopes dos Santos.

Produção executiva, Guilherme Alpendre.

A execução financeira do projeto é do ISPIS,

Instituto Sincronicidade para Interação Social.

Idealização, reportagem, roteiro, apresentação e coordenação, Thiago Rogero.

Este episódio usou áudios de UOL, Rede TVT, Record, Band, CNN Brasil e SBT.

Agradecimentos a Mayara Priscila de Jesus dos Santos,

a Bruna Dias e a Redes da Maré.

Até o próximo!

Legendas pela comunidade Amara.org