As origens do poder do Irã. E das tensões que cercam o país
O Irã está no centro da cena política, religiosa e militar do Oriente Médio.
Mas esse papel não começou agora, com a tensão nuclear envolvendo os Estados Unidos
ou com as disputas de influência com Arábia Saudita e Israel.
Para entender como o Irã se tornou uma potência regional de peso
é preciso voltar bastante no tempo, até as origens do Irã,
a partir de pontos que exercem influência no atual jogo de poder.
O Irã é um país persa, diferentemente de vizinhos como Iraque e Arábia Saudita, que são árabes.
E é um país xiita, corrente do islamismo que difere dos sunitas,
maioria entre os países muçulmanos vizinhos.
Um outro aspecto relevante: a identidade da nação iraniana
está associada ao imaginário do Império Persa,
um imaginário de potência regional desde a Antiguidade
E não menos importante: o Irã o abriga uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945,
Estados Unidos e União Soviética passaram a disputar a hegemonia global na chamada Guerra Fria.
O Irã era importante nesse xadrez.
Durante a Segunda Guerra e nos primeiros anos após o seu fim,
o Irã sofria influência de soviéticos e britânicos.
Em 1951, porém, houve um ponto de inflexão:
os iranianos nacionalizaram uma empresa britânica de petróleo, causando uma crise internacional.
Os Estados Unidos intervieram e o Irã sofreu um golpe.
Representantes eleitos foram destituídos em 1953.
E o xá, espécie de rei no Irã, ganhou plenos poderes com o apoio dos americanos.
A partir dali, o xá, Reza Pahlevi, instalou uma autocracia
marcada por prisões políticas, torturas e execuções de opositores.
O interesse americano era claro: entre os países do Oriente Médio que são membros da Opep,
a Organização dos Países Exportadores de Petróleo,
só a Arábia Saudita tem mais reservas que o Irã. No mundo, só a Venezuela.
Nos anos 1970, a despeito dos lucros com o petróleo,
a desigualdade no Irã crescia, e uma coisa importante: o país se ocidentalizava.
Temas como sexo antes do casamento e o voto feminino entravam em choque com o xiismo.
No campo político, o choque era com um nacionalismo
que contestava a crescente subordinação do país a potências como os Estados Unidos.
Esse cenário, somado à crise econômica, levou a população iraniana ao limite,
principalmente no interior, mais pobre e religioso,
e no ambiente universitário, que era mais nacionalista.
Os dois setores tiveram peso fundamental
naquele que pode ser considerado o epicentro da história recente do Irã: a Revolução de 1979.
Nesse ano, o xá foi derrubado por um levante popular liderado por jovens estudantes,
muitos deles de esquerda, socialistas e comunistas,
que depois acabaram engolfados pelo poder de clérigos xiitas.
No lugar do xá, quem assumiu o poder foram os aiatolás,
que é nome dado às autoridades clericais do islamismo xiita.
Um aiatolá em particular se tornou importante: o aiatolá Khomeini,
que voltou ao Irã depois de 14 anos no exílio, para liderar o novo regime.
Um dos maiores alvos simbólicos dessa revolução de 1979 foi a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã.
Dezenas de americanos foram mantidos presos por mais de um ano como reféns dentro da embaixada.
O episódio, e a revolução como um todo, marcou uma ruptura violenta e um distanciamento do Ocidente.
A ordem prévia ruiu. E os maiores amigos do xá até então,
os americanos, se tornaram os maiores inimigos do novo regime.
Aqui, vale abrir um parênteses
para entender como funciona exatamente o sistema de governo do Irã,
que é um sistema bem diferente do que a maioria de nós conhece.
Nesse sistema, o líder supremo do país, que hoje é o aiatolá Ali Khamenei,
sucessor do revolucionário Aiatolá Khomeini, tem papel central.
Khamenei é o Líder Supremo do Irã, com mandato vitalício.
Mas ele não foi eleito pelo voto popular:
Ele foi escolhido para o cargo em 1989 por um órgão chamado Assembleia dos Peritos.
Essa Assembleia tem 86 membros, eleitos para mandatos de 8 anos.
Os membros desta Assembleia só assumem se tiverem seus nomes aprovados, antes,
por um órgão chamado Conselho dos Guardiães.
Esse Conselho é formado por 12 membros, sendo 6 teólogos xiitas escolhidos pelo Líder Supremo
e 6 juristas, especialistas em leis islâmicas, escolhidos pelo Chefe do Judiciário.
Esse Chefe do Judiciário é também apontado a dedo para o cargo pelo Líder Supremo,
mas submetido ao parlamento unicameral de 290 membros.
O país também tem um presidente. Ele é eleito por voto direto da população.
Mas há um detalhe aí: só podem disputar a presidência
candidatos aprovados antes pelo Conselho dos Guardiães,
cuja metade dos membros são escolhidos … pelo Líder Supremo.
Ou seja, o Líder Supremo do Irã tem um enorme poder.
E, no Irã, o poder político e religioso se encontram no mesmo cargo, na mesma pessoa.
As mudanças trazidas pela Revolução de 1979 foram sentidas imediatamente
não só no Irã, mas em todo o Oriente Médio.
Xiitas no Líbano se sentiram inspirados.
E o governo do Iraque começou a temer passar pelo mesmo.
Por isso, em 1980, no ano seguinte à Revolução dos Aiatolás,
o Irã, xiita, e o Iraque, sunita, entraram em guerra
O então presidente iraquiano, Saddam Hussein, apoiado pelos americanos,
invadiu o Irã, esperando uma vitória relativamente fácil diante da convulsão social do vizinho.
Mas essa vitória não veio.
A guerra se estendeu por mais de sete anos, até 1988,
com enorme custo para as populações civis de ambos os lados.
Além do Iraque, também a Arábia Saudita,
maior potência militar do Oriente Médio, maior potência sunita
e sede dos lugares mais sagrados do Islã, passou a rivalizar com esse novo Irã.
Por fim, Israel, único país de maioria não muçulmana em todo o Oriente Médio,
também ligou seus radares em relação a um regime teocrático
que crescia em termos políticos, econômicos e militares.
Israel e Irã até haviam sido próximos no tempo do xá,
mas essa conexão acabou no regime dos aiatolás.
O isolamento do Irã na região aumentou ainda mais com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
Os atentados em si não tinham ligação com o Irã.
Eles haviam sido cometidos pela rede terrorista Al-Qaeda, que é da corrente sunita.
A questão é que a resposta dada pelo então presidente americano, George W. Bush,
alterou o entorno iraniano no Oriente Médio.
Bush invadiu, primeiro, o Afeganistão. Depois, o Iraque.
Em seguida, cooptou o governo do Paquistão
e instalou bases militares em quase todos os países que fazem fronteira com o Irã.
Essa ofensiva, ocorrida em 2003, abriu caminho, em 2005,
para a ascensão de um novo presidente iraniano: Mahmoud Ahmadinejad.
Diante do entorno hostil e do avanço americano, Ahmadinejad tornou-se a face pública
do regime dos aiatolás na reabilitação do programa nuclear do Irã.
O primeiro mandato dele foi até 2009, quando disputou o direito de governar por mais um mandato.
Na eleição, o presidente foi confrontado nas urnas
por pelo menos dois adversários de perfil mais liberal.
E, nas ruas, por eleitores que pediam mudanças.
Ahmadinejad e os clérigos xiitas, apoiados pela Guarda Revolucionária,
reprimiram os manifestantes com violência
A onda de manifestações, conhecida como Revolução Verde, foi sufocada,
e Ahmadinejad foi reeleito.
Ele governou até 2013, quando foi substituído
pelo atual presidente, Hassan Rohani, mais moderado.
Mesmo com a sucessão, no front externo,
a comunidade internacional impôs pesadas sanções ao governo iraniano,
na tentativa de estrangular a economia local e de frear a ameaça nuclear que o país passava a representar.
Pressionado, Rohani deu sinais de que aceitaria desmontar o programa nuclear
que havia sido reerguido por seu antecessor.
Em 2015, um grupo das cinco potências
com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais a Alemanha,
finalmente conseguiu firmar um acordo nuclear com o Irã.
À época, o presidente americano era Barack Obama.
Em 2016, porém, a eleição de Donald Trump mudou novamente esse cenário.
O novo presidente americano se refere a este acordo como o pior da história e tenta derrubá-lo.
A ofensiva de Trump, por ora, fracassou.
Enquanto isso, o front regional se acirra.
O Irã apoia grupos armados em países vizinhos, como uma forma de contrabalancear
o relativo baixo gasto militar e a pressão dos Estados Unidos e de potências sunitas ao redor.
O Irã age na Síria e no sul do Líbano, por meio do grupo xiita Hezbollah.
No Iêmen, apoiando os rebeldes houtis.
Na Palestina, por meio do Hamas e da Jihad Islâmica.
No Iraque, em conexão com grupos xiitas e curdos.
E no Afeganistão, se apoiando em milícias xiitas que agem contra o Estado Islâmico.
Esse eixo de alianças, além de indispor o regime dos aiatolás
com os Estados Unidos e com Israel, coloca o Irã em rota de colisão
com a Arábia Saudita pela hegemonia regional.
Analistas chamam isso de Guerras de procuração,
que alimentam uma espécie de Guerra Fria no Oriente Médio.
Em meio a essa guerra por procuração, o regime dos aiatolás foi mais uma vez desafiado
internamente no começo de 2018. Desta vez, por causa de uma série de protestos que eclodiram pelo interior do país.
Ao contrário dos protestos de 2009, desta vez não havia lideranças claras entre os manifestantes.
Nas ruas, o próprio líder Supremo, Ali Khamenei foi questionado.
Para o regime, as manifestações foram insufladas por inimigos estrangeiros.
Mais uma vez, a poderosa Guarda Revolucionária silenciou com violência os protestos,
confirmando o caráter opressor de um governo, que há quase 40 anos,
foi instaurado justamente contra a autocracia do xá
É desse xadrez de poder que emerge um país muçulmano e xiita
que enfrenta problemas internos ao mesmo tempo em que desafia
não apenas seus rivais regionais, mas também as maiores potências do mundo.