Carlos Ghosn: executivo brasileiro alcançou o topo e caiu com delação premiada
[Nov 27, 2018].
O empresário Carlos Ghosn já foi heroi de mangá, já foi personagem de bentô, que é uma marmitinha japonesa, e, até meados de novembro, era o gestor à frente de uma das maiores alianças do setor automotivo:. ...a Renault Nissan Mitsubishi, que vende cerca de 10 milhões de veículos por ano e tem 500 mil funcionários.
Ele foi preso no Japão, suspeito de fraude fiscal na Nissan, e de uso de ativos da empresa para fins pessoais.
Nesse vídeo você vai conhecer um pouco da trajetória do empresário e os detalhes da operação que o levou à prisão.
Carlos Ghosn nasceu em Rondônia, em uma família de descendentes de libaneses.
Ele passou a primeira parte da infância no Brasil, mas saiu do país ainda muito novo, aos 6 anos.
Ele tem nacionalidade brasileira, francesa e é poliglota: fala, além de um português com algum sotaque, claro, francês, entende japonês e fala ainda uma porção de outras línguas.
Estudou na França e foi lá que ele também começou sua carreira.
Foi funcionário da Michelin durante anos e chegou a comandar as operações da empresa na América do Sul, incluindo o Brasil, antes de entrar para a Renault.
Em 1999, quando já era um dos maiores executivos da montadora francesa, foi enviado para o Japão e é nesse momento que ele começa a fazer história como o primeiro estrangeiro a comandar uma grande montadora japonesa.
Sua missão era resgatar a Nissan, que estava bem mal das pernas.
Naquela epoca, a Renault tinha comprado 37% das ações da empresa japonesa, daí o interesse em enviar o que talvez fosse o melhor quadro para o seu outro lado do mundo.
Nissan se tornará a única e maior acionista na Mitsubishi Motors.
Aliás, vamos fazer uma pausa rápida para entender essa história de aliança Renault Nissan Mitsubishi.
É o seguinte: a Renault é hoje dona de 43% da Nissan, que, por sua vez, é dona de 15% das ações da Renault e de 34% das da Mitsubishi.
É meio confuso, né?
Mas é algo comum entre os gigantes do setor automotivo.
Ghosn era presidente do conselho da Nissan, ele tinha deixado a presidência da empresa em abril do ano passado, CEO da Renault, e presidente do conselho da Mitsubishi, além de controlar a aliança estratégica entre as três empresas.
É muita coisa, né?
De volta à história do empresário do Japão, ele fez uma revolução na Nissan no início dos anos 2000.
Mas o remédio foi amargo: 21 mil trabalhadores foram demitidos, o número de fornecedores foi reduzido e fábricas foram fechadas.
Mas que isso, ele implantou medidas consideradas muito ousadas pelos japoneses: a mudança da língua oficial da empresa do japonês para o inglês, por exemplo, e o fim das promoções baseadas na idade, privilegiando a meritocracia e incluindo gestores estrangeiros.
A cultura empresarial japonesa é bem hierarquizada e dá muita importância à idade.
Tradicionalmente é difícil ver gente jovem em posição de chefia.
Estrangeiro, então, nem se fala.
Mas, com estilo agressivo e focado em metas numéricas, o executivo conseguiu entregar o que tinha prometido e acabou virando uma espécie de herói japonês.
Virou até protagonista de mangá: A verdadeira história de Carlos Ghosn, publicada em série a partir de 2001, e posteriormente compilada em um livro.
Os quadrinhos retratam o empresário como um apaixonado por carros, que conseguia reconhecer o modelo só pelo ronco do motor.
Muito querido no país, ele ganhou o apelido de Ghosn 'San', e chegou a aparecer em 7º lugar em uma lista que ranqueava, em 2011, as pessoas que os japoneses gostariam que governassem o país.
Que reviravolta: a promotoria de justiça de Tóquio acusa o executivo de não declarar pelo menos 5 bilhões de ienes, o equivalente a 44 milhões de dólares, do que recebeu da Nissan entre 2011 e 2015.
Ou seja, ele teria recolhido menos impostos sobre o salário do que deveria.
O executivo teria dito a investigadores que não reportou intencionalmente ganhos inferiores à realidade.
A expectativa é que ele responda em liberdade e, pelo menos temporariamente, deixe o tatame.
A cela é bem pequena: tem três tatames.
Para vocês terem uma ideia, cada tatame cabe uma pessoa deitada, um vaso sanitário, uma pia e uma mesinha. Não tem paredes internas.
O empresário tem direito a 3 refeições básicas por dia e a 2 banhos por semana.
Toda a investigação da promotoria só foi possível graças a uma mudança na legislação japonesa, em junho deste ano, que passou a permitir a delação premiada.
Essa é a segunda vez que ela é usada para acusados de crime de colarinho branco.
A primeira vez foi em julho, em um caso envolvendo uma empresa de geração de energia japonesa e o pagamento de propina a agentes públicos na Tailândia, onde a companhia pretendia operar.
O caso de Ghosn é o primeiro em que a colaboração premiada atinge um grande empresário.
O nome do relator não foi divulgado, mas, segundo a imprensa japonesa, ele é um funcionário estrangeiro da montadora no Japão que estaria supostamente envolvido em um esquema com residências particulares em Paris, Amsterdan, Beirute e no Rio de Janeiro, usadas pelo executivo e que estão sob investigação das autoridades.
Antes do escândalo, o salário de Ghosn já gerava controvérsia no Japão e fora dele.
Ele é um dos executivos mais bem pagos entre as companhias japonesas com remuneração que, com frequência, passava de um bilhão de ienes por ano, que dá aí por volta de R$30 milhões.
O salário na Renault também tinha um monte de zero: cerca de 7 milhões de euros, quase R$30 milhões.
A remuneração do executivo na França, aliás, virou motivo de queda de braço com o governo, que tem cerca de 15% das ações da Renault.
Sob pressão, o executivo acabou aceitando no início de 2008 reduzir em 30% seus ganhos.
Em troca, tinha tido seu mandato no comando do grupo renovado até 2022.
Se condenado por violação da legislação financeira no Japão, ele poderá pegar penas de até 10 anos de prisão, uma multa de 10 milhões de ienes, que dá aí R$330 mil, mais ou menos, ou as duas coisas.
O presidente da empresa, Hiroto Saikawa, que assumiu a posição que era de Ghosn, la em abril de 2017, falou durante a primeira coletiva de imprensa depois do caso, em tom de indignação, que lamentava muito o que tinha acontecido e que se sentia traído.
Ele atribuiu o episódio, entre outros fatores, ao poder concentrado nas mãos de uma única pessoa durante quase duas décadas.
Como o caso é de certa forma inédito, pouca gente arrisca prever qual vai ser o desfecho, mas conversando com a Fátima Kamata, nossa colaboradora lá em Tóquio, ela lembrou de algo interessante, um ritual marcante na cultura empresarial japonesa usado em episódios parecidos.
É o chamado Shazai: um pedido público de perdão em que o principal executivo da empresa e seus diretores convocam uma coletiva de imprensa, se posicionam na frente de uma multidão de repórteres e são fotografados se curvando.
Mas não é uma inclinada que o pessoal dá quando vai trocar cartão, se despedir, tipo, uma coisa assim. Não.
É cabeça abaixada, o tronco bem inclinado, como uma expressão física mesmo de um pedido de desculpa, mas por mais impactante que ele seja, ele não substitui a eventualmente as punições legais, que nesse caso a gente não sabe quais são, né?
Se você quiser saber mais sobre esse assunto, tem a reportagem da Fátima Kamata no nosso site, BBC News Brasil, aqui embaixo.
E a gente vai continuar, claro, acompanhando este assunto.
Valeu e até a próxima!