5 respostas sobre conflito entre israelenses e palestinos, que tem cessar-fogo
A recente escalada de violência entre israelenses e palestinos atraiu novamente as atenções
do mundo
para um conflito que se arrasta por décadas, misturando política, religião e disputa
por território.
Depois de 11 dias de confronto, Israel e Hamas anunciaram cessar fogo.
Ambos os lados dizem terem saído vitoriosos.
Até a publicação deste vídeo, 243 palestinos teriam morrido em Gaza.
Mais de cem mulheres e crianças, segundo autoridades palestinas.
Em Israel, serviços de saúde afirmam que foram
12 vítimas israelenses, duas delas crianças.
Meu nome é Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil aqui em São Paulo,
e nesse vídeo eu respondo às perguntas mais buscadas por vocês no Google.
A gente começa logo com a mais frequente. Parece simples, mas nunca é…
O que está acontecendo em Israel?
Resumindo, Israel e o Hamas, o grupo extremista que controla parte do território palestino,
a Faixa de Gaza, estão travando mais um conflito violento.
A disputa entre israelenses e palestinos começou há muito tempo,
mas o gatilho dessa nova escalada foi a ameaça de despejo
de famílias palestinas de Sheikh Jarrah, um bairro fora dos muros
da Cidade Velha de Jerusalém.
Cada informação que a gente traz precisa de um contexto.
Só para deixar claro, pelo plano de partilha da ONU,
na fundação do Estado de Israel,
Jerusalém deveria ser dividida em duas partes, o lado oriental, palestino, e o lado ocidental,
israelense.
Esse bairro fica na parte palestina.
Então, por que a Justiça de Israel determinou que as famílias palestinas fossem expulsas?
Porque entendeu que os judeus que entraram na justiça tinham a posse do terreno.
Para entender essa disputa, vamos voltar no tempo.
A defesa desses judeus israelenses alega que em 1870,
quando a Palestina ainda estava sob domínio do Império turco-otomano,
eles haviam comprado as terras em Sheikh Jarrah.
Ali permaneceram até 1948, quando, logo após a fundação do Estado de Israel,
o país foi atacado pelos vizinhos árabes.
Israel ganhou a guerra, mas a Jordânia acabou ocupando
a parte oriental de Jerusalém.
Foi então que a Jordânia e o braço da ONU para refugiados,
a Acnur, construíram, em Sheik Jarrah,
casas para 28 famílias palestinas refugiadas.
Mas as famílias palestinas nunca ganharam direito definitivo sobre a posse da terra.
Foi quando Israel ocupou Jerusalém Oriental em 1967 – eu vou falar sobre isso mais tarde,
que começou então o litígio.
Os proprietários judeus passaram a tentar reaver a área na Justiça.
E aí entra uma questão que desafia os limites da Justiça
e de quem determina as regras de um país.
É que as leis israelenses permitem que judeus reivindiquem direito de propriedade às terras
que possuíam antes de 1948.
O problema é que não concedem o mesmo direito a palestinos que eram proprietários de terras
que atualmente pertencem a Israel.
Ou seja, um palestino não poderá contar com essa lei para dizer que pertence a ele
uma terra em Jerusalém Ocidental
ou mesmo em alguma parte ocupada por Israel após vencer guerras e anexar territórios.
Em 1982, os tribunais israelenses decidiram a favor da adoção de um acordo entre os
arrendatários palestinos e os proprietários judeus.
Esse acordo estabeleceu que os, digamos assim, inquilinos palestinos tinham “arrendamentos
protegidos” sob a lei israelense,
mas que os proprietários ainda manteriam a posse da terra.
Mas agora, judeus ganharam no tribunal de Israel o direito de reaver suas propriedades
em Sheikh Jarrah.
A decisão final ainda será dada pela Suprema Corte israelense, portanto, continua o debate
legal e moral entre os direitos dos inquilinos detentores do arrendamento, ou seja, as famílias
palestinas, e os titulares da propriedade, segundo a lei israelense, os judeus.
E mais simbólico ainda é que a decisão de retirada das famílias tenha ocorrido justamente
na área oriental de Jerusalem,
que deveria ser a capital de um estado palestino, segundo o plano da ONU, o mesmo que abriu
caminho para a fundação de Israel.
Essa parte oriental de Jerusalém inclusive está sob ocupação militar de Israel desde
a guerra de 1967, como falei, uma ocupação que é considerada ilegal pela comunidade
internacional, com exceção de poucos países.
Enfim, já está claro que esta é uma disputa por muito mais do que um punhado de casas.
Há décadas, israelenses têm ocupado áreas em territórios palestinos por meio dos chamados
assentamentos, tanto em Jerusalém Oriental quanto na Cisjordânia.
E só para ficar claro pelo plano da ONU, a área conhecida como Palestina,
que estava sob domínio britânico na época, deveria ser dividida
entre o que viria a ser o Estado de Israel e a Palestina.
A grande maioria desses assentamentos é considerada pela ONU uma violação das leis internacionais.
Jerusalém seria dividida em duas, como já disse.
E o territorio palestino ficaria assim, desmembrado, mas com pontos de comunicação,
ou seja, seria possível transitar por toda sua extensão.
Hoje, depois de ocupações e anexações por Israel, veja o que sobrou.
A faixa de Gaza vive sob bloqueio de Israel e do Egito.
E não tem comunicação com a Cisjordânia, comandanda pela Autoridade Palestina e onde
há um pouco mais de estabilidade.
Mas a Cisjordânia, que também está há décadas sob ocupação militar israelense,
é palco também do avanço constante na construção dos chamados assentamentos.
No território, há cerca de 430 mil judeus israelenses que ocupam 132 assentamentos e
124 "postos avançados" menores.
Em pelo menos seis ocasiões desde 1979 o Conselho de Segurança da ONU reafirmou que
estes assentamentos são
"uma violação flagrante da legislação internacional".
A última delas foi em 2016 - o documento oficial também menciona Jerusalém Oriental.
E o que diz Israel?
Israel defende as iniciativas argumentando que representam uma estratégia de defesa
de sua integridade, e não uma tentativa de minar a soberania palestina.
Argumenta tambem que não dá a refugiados o direito de retorno às suas casas porque
isso comprometeria a própria existência de um Estado judeu.
Segundo o editor da BBC para o Oriente Médio, Jeremy Bowen, o fato de o conflito ter desaparecido
das manchetes internacionais nos últimos anos, pelo menos até agora, não significa
que tenha acabado.
"É uma ferida aberta no coração do Oriente Médio", diz ele, que gera ódio e ressentimento
que atravessa não apenas os anos, mas gerações.
Mas não foram só as ameaças de despejo que deflagraram a atual onda de violência.
Nas últimas semanas, houve a violenta repressão de palestinos por parte da polícia israelense
durante o Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos,
culminando com o uso de gás lacrimogênio e de granadas dentro da mesquita de Al-Aqsa,
o lugar mais sagrado para os muçulmanos depois de Meca e Medina.
Os palestinos protestavam em solidariedade às famílias ameaçadas de despejo.
Foi então que o Hamas, o grupo extremista palestino que controla a Faixa de Gaza, resolveu
dar um ultimato a Israel
para remover suas forças do complexo de al-Aqsa e de Sheikh Jarrah.
Israel não acatou a ordem, e o Hamas então começou a disparar foguetes contra cidades
israelenses.
Até hoje o Hamas considera os israelenses invasores, não só das áreas consideradas
ocupações ilegais, mas de todo o território, e defende a destruição total de Israel,
mas não tem poder de fogo para tal.
As dezenas de foguetes foram quase todos interceptados pelo poderoso sistema israelense de interceptação
de mísseis, chamado Domo de Ferro.
Israel respondeu com uma série de bombardeios à Faixa de Gaza.
Vamos então a segunda pergunta, a questão de fundo.
Qual é então a origem do conflito entre israelenses e palestinos?
Já falei um pouco antes, mas quando a gente fala em origem, da sempre para se aprofundar
As tensões entre os dois povos aumentaram quando a comunidade internacional deu ao Reino
Unido a tarefa de estabelecer
um "lar nacional" na Palestina para o povo judeu ao fim da 2ª Guerra Mundial.
Vamos lembrar que foi na segunda guerra mundial que ocorreu o Holocausto - o genocídio em
massa de milhões de judeus assim como de outras minorias.
O Reino Unido havia tomado o controle da área conhecida como Palestina depois que o Império
turco Otomano, fora derrotado na 1ª Guerra Mundial e posteriormente desmembrado. Ou seja,
os palestinos passaram do dominio turco otomano para o dominio britânico.
Naquela ocasião, a área conhecida como Palestina era habitada por uma maioria árabe palestina,
mas tambem uma minoria de judeus.
Entre as décadas de 1920 e 40, o número de judeus chegando à região cresceu, com
muitos fugindo da perseguição na Europa e também em busca de uma pátria após o
Holocausto.
Mas por que a Palestina? Eles foram incentivados pelo chamado 'sionismo', o movimento nacionalista
judaico surgido no século 19 que promovia a ideia de um Estado para o povo judeu. Seria
um retorno à terra prometida, onde se desenrolou a maior parte da história judaica até o
início da diáspora, ainda na antiguidade
A insurgência judaica no protetorado britânico da Palestina incluiu atentados violentos como
o contra o hotel King David em que 91 pessoas de várias nacionalidades foram mortas por
extremistas judeus.
O hotel era o local dos escritórios centrais das autoridades britânicas na Palestina.
Foi nesse contexto e com os horrores do Holocausto ainda muito proximos que, em1947, a ONU votou
para que a Palestina fosse dividida em Estados judeus e árabes separados, com Jerusalém
se tornando uma cidade internacional.
Esse plano foi aceito pelos líderes judeus, mas rejeitado pelo lado árabe e nunca implementado.
Em 1948, ainda sob esse impasse, os governantes britânicos deixaram a região e os líderes
judeus declararam a criação do Estado de Israel.
Muitos palestinos e árabes de paises vizinhos se opuseram e uma guerra se seguiu.
Mais de 700 mil palestinos, segundo a ONU, fugiram ou foram forçados a deixar suas casas
no que eles chamam de Al Nakba, ou a "Catástrofe".
Ela é marcada na mesma data que Israel celebra sua fundação.
Quando o confronto terminou em cessar-fogo no ano seguinte, Israel havia expandido sua
presença militar para a maior parte do território,
incluindo partes do que deveria ser o futuro estado palestino pelo plano da ONU.
A Jordânia ocupou terras que a oeste do rio Jordão que ficaram conhecidas como Cisjordânia
e o Egito ocupou Gaza.
Jerusalém foi dividida entre as forças israelenses no Ocidente e as forças da Jordânia no Oriente.
Como nunca houve um acordo de paz, com cada lado culpando o outro, houve mais guerras
e confrontos nas décadas que se seguiram.
Sempre assim. Iniciadas por países árabes e vencidas por Israel, que sempre contou com
apoio dos Estados Unidos.
Em outra guerra, em 1967, a chamada Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou Jerusalém Oriental
e a Cisjordânia,
bem como as Colinas de Golã da Síria, a Faixa de Gaza e a península do Sinai.
Israel ainda ocupa a Cisjordânia. Embora tenha saído de Gaza, a ONU ainda considera
aquele pedaço de terra como parte do território ocupado.
Isso porque Israel determina o que entra e sai da Faixa de Gaza por meio de um controle
militar.
É por isso que é tão comemorada em Israel a destruição dos túneis da Faixa de Gaza
que levam clandestinamente desde armas e munição
até alimentos e remédios para o território sob bloqueio de Israel há 14 anos.
Israel reivindica toda Jerusalém como sua capital, enquanto os palestinos reivindicam
Jerusalém Oriental como a capital de um futuro estado palestino,
conforme previa o plano da ONU.
Os Estados Unidos, que tem em Israel seu maior aliado no Oriente Médio, são um dos poucos
países a reconhecer a reivindicação de Israel sobre a cidade inteira.
Próxima pergunta: o que é a Faixa de Gaza?
A Faixa de Gaza é uma estreita faixa de terra localizada na costa oriental do Mar Mediterrâneo.
Faz fronteira com Israel no leste e no norte e com o Egito a sudoeste.
O território tem 41 quilômetros de comprimento e apenas de seis a 12 quilômetros de largura,
com uma área total de 365 quilômetros quadrados.
Mas sua população é de cerca de 1,9 milhão de pessoas, o que a torna um dos territórios
mais densamente povoados do planeta.
Na Faixa de Gaza, os últimos 21 assentamentos judeus na área foram desmontados em 2005
e seus colonos, evacuados.
Naquele ano, os militares israelenses desocuparam o território, mantido no entanto sob bloqueio
militar há anos. A maior parte controlada por israel e outra, pelo Egito.
A imensa maioria de seus habitantes (98% a 99%) é palestina.
Chama-se Faixa de Gaza devido à cidade de Gaza, cuja existência remonta à Antiguidade,
e é governada pelo grupo extremista palestino Hamas.
E o que é o Hamas?
O Hamas é o maior dentre diversos grupos de militantes islâmicos da Palestina.
O nome em árabe é um acrônimo para Movimento de Resistência Islâmica, que teve origem
em 1987 após o início da primeira intifada palestina, ou levante,
contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Em seu estatuto, o Hamas se comprometeu com a destruição de Israel.
O grupo inicialmente tinha o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel,
liderada por seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam,
e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos.
Mas desde 2005, quando Israel retirou tropas e colonos de Gaza,
o Hamas também se envolveu no processo político palestino.
Venceu as eleições legislativas em 2006, pouco antes de reforçar seu poder no ano
seguinte,
derrubando o movimento rival Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud
Abbas e ganhando o controle de Gaza.
A Cisjordania, no entanto, continuou sob o controle do Fatah.
Isso na pratica criou dois governos diferentes em dois pedaços de território palestino
de certa forma ilhados em Israel.
Desde então, militantes em Gaza travaram três guerras com Israel.
O Hamas como um todo, ou em alguns casos sua ala militar, é classificado como um grupo
terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido,
bem como outras potências globais.
Em sua fundação, o Estatuto do Hamas definiu a Palestina histórica, incluindo a atual
Israel, como terra islâmica e exclui qualquer paz permanente com o Estado judeu.
O documento também ataca os judeus como povo, o que deixa clara a dificuldade de negociação
com o grupo.
Em 2017, o Hamas produziu um novo documento de política que suavizou algumas de suas
posições declaradas e usou uma linguagem mais moderada.
Não houve reconhecimento de Israel nesse documento, mas ele aceitou formalmente a criação
de um Estado palestino provisório em Gaza, na Cisjordânia
e em Jerusalém Oriental, algo que é conhecido como a fronteiras pré-1967.
Por que pré-1967?
Porque depois dessa guerra, como já dissemos, Israel ocupou e anexou territórios que deveriam
ser dos palestinos segundo o plano da ONU.
O documento também enfatiza que a luta do Hamas não é contra os judeus, mas contra
"os agressores sionistas de ocupação".
Em resposta, Israel disse que o grupo estava "tentando enganar o mundo".
Vamos então à última pergunta.
A Palestina é um país?
A Palestina, reconhecida oficialmente como o "Estado da Palestina" pela ONU, é um Estado
soberano de jure, uma expressão em latim que significa pela lei ou pelo direito.
Ou seja, é independente teoricamente, mas não na prática.
Seu território é formado pela Cisjordânia e Faixa de Gaza e advoga Jerusalém como sua
capital, ainda que, na prática, seu controle administrativo parcial
seja mantido apenas sobre as 167 "ilhas" na Cisjordânia e no interior da Faixa de Gaza,
enquanto seu centro administrativo está atualmente localizado em Ramallah.
São chamadas de ilhas porque não se comunicam por terra, como vocês já viram nesse mapa.
O Estado da Palestina é reconhecido por 138 dos 193 membros da ONU, entre eles o Brasil,
ao passo que Israel é reconhecido por 164.
Desde 2012, a Palestina tem o status de Estado observador não membro nas Nações Unidas.
O reconhecimento brasileiro ocorreu em 2010 durante o segundo mandato do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. A Argentina fez o mesmo dias depois.
O Brasil e a Argentina foram os primeiros países ocidentais a reconhecer o Estado palestino,
que já havia sido reconhecido por cerca de 100 países da Ásia e da África.
Na ocasião, o ministério das Relações Exteriores de Israel manifestou "pesar e decepção"
com a decisão do presidente brasileiro
e afirmou que o reconhecimento "prejudica o processo de paz".
O governo israelense da época considerou que o reconhecimento "constitui uma violação
do acordo interino firmado em 1995,
que estabelecia que o status da Cisjordânia e da Faixa de Gaza será determinado em uma
negociação entre as partes".
A Palestina é membro da Liga Árabe, da Organização de Cooperação Islâmica, do G77, do Comitê
Olímpico Internacional e de outros organismos internacionais.
É isso, espero que tenha explicado um pouco mais desse tema tão complexo!
Até a próxima