O que foi e como acabou a Primavera Árabe | 21 notícias que marcaram o século 21 (2)
Unidas criou uma zona de exclusão aérea no país, impedindo o regime de Khadafi de
usar aviões para bombardear Benghazi
A resolução da ONU foi além: aprovou o bombardeio de tanques líbios que se dirigissem
à cidade rebelde
As medidas seriam implementadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança
militar ocidental
Aviões franceses, britânicos e canadenses, além de navios
americanos, passaram a bombardear posições
do regime líbio
O quadro levou a uma guerra civil entre o regime de Khadafi, baseado do lado oeste do
país, e os rebeldes, na parte leste
Apesar da intenção manifestada inicialmente pela resolução do Conselho de Segurança
da ONU de proteger a população civil, os bombardeios das potências ocidentais favoreceram
os rebeldes e criaram as condições para que passassem de uma posição de defesa para
uma ação ofensiva
Em agosto de 2011, soldados rebeldes tomaram o palácio presidencial de Muammar Khadafi,
e controlaram a capital
Khadafi conseguiu fugir
Começaria então uma caçada implacável
Forças rebeldes se concentraram na tomada da cidade natal do agora ex-ditador, Sirte
Khadafi estava na cidade, protegido por combatentes leais ao regime que entrava em colapso
Em outubro de dois mil e onze, ele e um
grupo de soldados foram bombardeados por caças
franceses e finalmente caíram nas mãos de rebeldes
Detido, Khadafi foi espancado
Imagens do ex-ditador ainda vivo, coberto de sangue e pedindo clemência, se espalharam
pelas redes sociais
O ex-ditador seria assassinado pouco depois a tiros
Era o fim da versão líbia da Primavera Árabe, mas o começo da guerra pelo poder no país
A composição de uma nova ordem na Líbia se mostrou muito mais difícil do que imaginavam
as potências ocidentais que apoiaram a queda de Khadafi
Diferentes facções passaram a disputar o domínio do país, e o crescente caos permitiu
o avanço de radicais islâmicos
No ano seguinte à queda de Khadafi, do dia onze de setembro, aniversário dos ataques
ao World Trade Center, em Nova York, em dois mil e um, a embaixada dos Estados Unidos em
Benghazi foi atacada
O embaixador americano e outras três pessoas foram mortas
Washington inicialmente chamou o ataque de protesto espontâneo
Mas estava claro o grau de instabilidade na Líbia
O grupo Ansar al-Sharia, formado naquele mesmo ano em Benghazi com o objetivo de implementar
a lei islâmica na Líbia, foi acusado de ter organizado o ataque
A disputa pelo poder e pelos campos de petróleo na Líbia pós-Khadafi, além da presença
de jihadistas, lançou o país numa guerra civil que durou anos
Numa tentativa de estabilização, as Nações Unidas
apoiaram a implementação de um governo em Trípoli
Mas, no leste do país, a história era outra
Inicialmente tomada por islamistas, a região foi tomada
por um grupo secular liderado pelo general Khalifa Haftar
Após anos de guerra civil, a Líbia continuou dividida até dois mil e vinte, com a maior
parte do território controlada por Haftar
Devido à influência de grupos islamistas na composição do governo em Trípoli, nações
como Rússia, Egito e França estavam com o general dissidente
Já países como Turquia e Itália seguiam apoiando o regime baseado na capital
Mas em outubro passado, os dois lados assinaram um cessar-fogo em Genebra (Suíça) e deram
esperanças para uma futura reunificação do país
Última a sentir a onda de protestos que varriam o mundo árabe naquele início de dois mil
e onze, a Siria enfrentaria o mais danosos efeitos das disputas por poder
O país era conhecido pela repressão do regime a oponentes
Prisões, torturas e assassinatos eram usados com frequência para calar qualquer possível
dissidência política
O presidente da Síria, Bashar al-Assad herdou a presidência do pai, Hafez al-Assad, que
chegou ao poder com um golpe de Estado em 1970
Representante da minoria alauíta, um segmento do lado xiita do Islã, Assad era um dos principais
aliados do Irã no Oriente Médio
Em março de dois mil e onze, foram registradas as primeiras manifestações contra o governo,
incluindo uma pequena reunião de pessoas na capital, Damasco
Na cidade de Deraa, no sul do país, a repressão armada causou as primeiras fatalidades
Jovens morreram durante um protesto contra a prisão e tortura de adolescentes que haviam
pichado dizeres contra o governo
A partir de Deraa, os protestos cresceram em outras cidades importantes, como Homs e
Hama, na região central, e Banias, na costa oeste
Para cada uma delas, o regime adotou tática semelhante, com o envio de tanques que sitiavam
e bombardeavam a área
Serviços básicos como água, eletricidade e telefone eram cortados
As autoridades diziam sempre que seus alvos eram terroristas
Os manifestantes, por sua vez, cresciam em número
O que começou com demandas por mais direitos e liberdade rapidamente virou um movimento
para derrubar o regime
Ao longo de dois mil e onze, a repressão de Assad ficou cada vez mais violenta, com
o uso de armamento pesado contra as concentrações de manifestantes
Os excessos do regime foram logo denunciados por jovens pela internet
Em Aleppo, segunda maior cidade do país, estudantes da universidade local passaram
a se manifestar e exigir o fim do cerco a outras cidades
Como relatou anos depois a União dos Estudantes Livres da Síria (UFSS), criada durante os
protestos, abre aspas: "Estudantes de diferentes universidades por
todo o país uniram forças para registrar as violações do regime de Assad contra eles
e contra a população de Homs e Banias, que foram alvos nos estágios iniciais da revolução"
O governo seguiu com suas ações repressivas, cada vez mais violentas, apesar da crescente
pressão internacional
Mas com o tempo, os confrontos mostravam uma mudança na natureza do que ocorria na Síria
Em junho, centenas de homens atacaram forças de segurança na cidade de Jisr al-Shughour,
matando cerca de 120 soldados e policiais
Foi o primeiro sinal claro de que a revolução pacífica tinha ficado para trás
No segundo semestre de dois mil e onze, em vez de manifestantes ou estudantes, Bashar
al-Assad já enfrentava rebeldes organizados
A Primavera Síria tinha virado uma sangrenta guerra civil
A vizinha Turquia alertou
"Olhe para o assassinado líder da Líbia, que virou suas armas para seu povo e apenas
32 dias atrás usou as mesmas palavras que você"
Mas o presidente da Síria, Bashar al-Assad, prometeu lutar até a morte
Dele ou de seus adversários
Logo, viriam as suspeitas de uso de armas químicas e biológicas por parte do regime de Assad
O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ameaçava intervir:
Em agosto de 2013, rebeldes acusaram o governo de ser o autor de um ataque químico
que deixou mais de mil mortos nos arredores de Damasco
O regime Assad negou o uso dos armamentos e disse que a acusação era fabricada, mas
o incidente colocou forte pressão por uma intervenção dos Estados Unidos e do Reino Unido
Dias depois, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, tentou aprovar no Parlamento
uma autorização para o bombardeio de posições do regime sírio no país
Com os britânicos ainda sob os efeitos da trágica guerra no Iraque e diante do caos
que tomara conta da Líbia, após os ataques aéreos contra as forças de Khadafi, o Parlamento
rejeitou a proposta
Sem apoio do Reino Unido, Obama desistiu de uma intervenção americana direta
A decisão permitiu que Assad ganhasse terreno, com a participação de contingentes do grupo
xiita libanês Hezbollah, a assistência do Irã e o crescente apoio da Rússia
Nos primeiros anos do conflito na Síria, o Exército Sírio Livre, formado em agosto
de dois mil e onze por desertores do Exército nacional, foi o principal grupo a combater
o regime de Assad
Ao longo de 2012 e 2013, com o agravamento do conflito, centenas de
outros grupos rebeldes foram formados, alguns pequenos e locais, outros com conexões e
estrutura em várias partes da Síria
Em dezembro de 2013, a BBC publicou uma lista dos principais grupos envolvidos na guerra
civil
Seriam mais de cem, com mais de 100 mil combatentes
Além do Exército Sírio Livre, a BBC listava duas grandes coalizões de organizações
jihadistas sunitas espalhadas pelo país
A primeira, Frente Islâmica, era a maior delas, com cerca de quarenta e cinco mil combatentes
Juntava grupos abertos à participação de combatentes estrangeiros, mas não ligados
à Al-Qaeda
A segunda coalizão, a Frente Síria de Libertação Islâmica, era menor, mas definiria os rumos
da guerra
Entre seus grupos, estavam a Frente Al-Nusra, um braço da al-Qaeda na Síria,
e o EstadoIslâmico no Iraque e no Levante, também conhecido como Isis, Isil ou Daesh
Apesar da intenção inicial do Isis de se aliar à Al-Nusra em um só movimento, a frente
rejeitou a união e manteve-se fiel à Al-Qaeda
Nascido da temida Al-Qaeda, e inicialmente chamado apenas Estado Islâmico no Iraque,
o grupo avançou de forma impressionante na Síria
Comandado pelo iraquiano Abu Bakr al-Baghdadi, já em 2014 o Isis tomou Falluja,
no Iraque, e derrotou outros grupos rebeldes na disputa pela cidade síria de Raqqa
Em junho, Baghdadi declarou que o Estado Islâmico no Iraque e no Levante era agora um califado,
e ele era o califa
Em seu auge, entre 2015 e 2016, o chamado Estado Islâmico controlou cerca
de um quarto do território sírio, especialmente o nordeste, onde implantou o terror das execuções
em massa e sua visão extremista do Islã
Mas também foi neste período que as ações militares externas se intensificaram
Primeiro, foram os bom bombardeios de aviões americanos e britânicos
Em março de 2016, o Estado Islâmico foi expulso definitivamente da cidade
histórica de Palmira, que tomara um ano antes
Grande parte das ruínas históricas foi destruída pela organização
A guerra ao Estado Islâmico foi um esforço conjunto, mesmo que não coordenado
O regime sírio, o grupo libanês Hezbollah, a Jordânia, outros grupos islamistas e as
Forças Democráticas Sírias - aliança secular rebelde formada em 2015 - participaram,
de uma forma ou de outra, do combate ao chamado Estado Islâmico na Síria
Ganhou destaque a luta travada pelas Unidades de Proteção das Mulheres, grupo de mulheres
curdas, no norte do país
Aos poucos, o Estado Islâmico perdeu Raqqa e Baghuz, sua última base na Síria
Em 2019 chegava ao fim o califado de Abu Bakr al-Baghdadi
Durante a luta contra o chamado Estado Islâmico, a preocupação da comunidade internacional
com a derrubada do regime de Assad diminuiu
O presidente sírio também teve a preciosa ajuda de seu grande aliado, a Rússia
Os incansáveis bombardeios russos que contribuíram para derrotar o Estado Islâmico também miravam
outros grupos rebeldes
A Rússia acabou acusada de destruir vários hospitais e matar um grande número de civis
Assad aos poucos recuperou o controle de cidades como Homs e Aleppo e afastou o risco de ser
derrubado militarmente
Segundo uma estimativa do Observatório Sírio de Direitos Humanos, de março de 2011
a março de 2020, a guerra civil na Síria deixou meio milhão de mortos
O conflito também destruiu completamente as construções e a infraestrutura de muitas cidades
No início de dois mil e vinte um, a Síria ainda estava dividida, com o leste controlado
por rebeldes seculares liderados por curdos e apoiados pelos Estados Unidos
Já a parte oeste e central está nas mãos do governo
E ainda há pontos ocupados por extremistas religiosos e outros pela Turquia, acusada
de apoiar os jihadistas
O regime de Bashar al-Assad sobrevive
Enquanto a Síria enfrentava quase uma década de guerra civil, outra guerra devastadora
recebia menos atenção da comunidade internacional
No Iêmen, a história começou de forma parecida à de seus vizinhos
Manifestantes também saíram às ruas no início de dois mil e onze com esperança
de obter mais democracia e melhores condições econômicas
do regime do autoritário presidente Ali Abdullah Saleh
Em abril, os protestos já reuniam dezenas de milhares na capital, Sanaa, e em outras cidades
Saleh resistiu durante meses
No início de 2012, após 33 anos no poder, Saleh deixou o posto
Passou o comando do país a seu vice, Abdrabbuh Mansour Hadi
Após dois anos de tensão e protestos, liderados pelo
movimento xiita Houthi, a crise do Iêmen virou guerra civil
Em 2015, rebeldes tomaram o poder em Sanaa