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Flavio Mendes (Bossa Nova), Dindi, O ARRANJO #17 (English subtitles)

Dindi, O ARRANJO #17 (English subtitles)

Em 2014 a atriz e cantora Bibi Ferreira estreou um espetáculo

em que ela cantava as músicas do repertório de Frank Sinatra

Eu trabalhava com a Bibi nessa época,

fui diretor musical, maestro e arranjador dos espetáculos dela nos 15 últimos anos de sua carreira

E pensamos que seria interessante ela cantar alguma música brasileira que o Sinatra gravou,

e eu sugeri Dindi

E ela vira pra mim e fala:

você sabia que o Aloysio de Oliveira escreveu essa letra pra mim quando a gente teve um caso?

E dava detalhes:

segundo ela, a letra originalmente era Bibi, mas pra disfarçar ele mudou as consoantes

Claro que isso foi pro show, a Bibi adorava contar essa história e até pulava a primeira parte, pra já cantar:

"Ah, Bibi, se soubesses o quanto eu te quero"...

Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, seja bem-vindo

Se você está gostando de assistir aos episódios, pense na possibilidade de apoiar a série O ARRANJO e,

assim, colaborar pra eu manter o programa. A partir de apenas 10 reais! Acesse apoia.se/oarranjo

Dindi foi composta entre 1958 e 59, uma fase muito produtiva da carreira do compositor Tom Jobim,

, logo depois do lançamento de Chega de Saudade, o marco inicial da Bossa Nova

O grande parceiro de Tom na época, Vinicius de Moraes, era diplomata

e teve que se mudar para servir ao Itamarati em Montevidéu

O que abriu espaço para Tom compor com novos parceiros, como Aloysio de Oliveira,

e juntos compuseram músicas como Demais, Inútil Paisagem, Só Tinha de Ser com Você e Dindi

A maior parte das canções que Jobim escreveu nesse período foi lançada por Sylvinha Telles,

que só em 1959 gravou 18 músicas de Tom, incluindo a primeira gravação de Dindi

Helena Jobim era irmã de Tom e depois da morte do irmão escreveu um belo livro chamado "Um homem iluminado"

Nesse livro ela conta que Dindi não era o nome de nenhuma mulher, mas um pasto, o pasto do Dirindi,

perto do sítio da família em Poço Fundo, na serra do estado do Rio de Janeiro, onde passa o Rio Preto

"e as águas desse rio, pra onde vão, eu não sei"

"O caminho do Dirindi, daí que vem a palavra Dindi, que eu fiz aquela música"

O sítio da família era um lugar que o Tom costumava ir muito, e um lugar que o inspirava:

lá ele compôs Chega de Saudade, Matita Perê, Águas de Março, Chovendo na Roseira, Estrada Branca

E costumava levar amigos, como Aloysio de Oliveira, e numa dessas viagens os dois compuseram Dindi

20 anos depois, em 1979, Aloysio produziu o disco Terra Brasilis,

em que Tom fez uma revisão dos seus clássicos com um roupagem orquestral grandiosa

Com arranjo de Claus Ogerman, é a versão de Dindi desse disco que eu vou analisar

UM POUCO DE HISTÓRIA

Aloysio de Oliveira é hoje um nome pouco lembrado,

mas foi um personagem muito importante na história da música brasileira no século XX

Nasceu em 1915 no Catete, Rio de Janeiro,

e muito jovem começou a tocar e cantar

Morava numa vila do bairro e junto com vizinhos da mesma vila fundou um grupo vocal, o Bando da Lua

Aloysio era o cantor e um dos violonistas, além de ser o caçula do grupo

O grupo começou como amador, eles até recusavam cachês,

afinal, eram rapazes da classe média, estudantes,

ser músico ainda era mal visto na sociedade de 1930

Mas eram tão bons que viraram profissionais,

e em 1934 excursionaram para Buenos Aires com a maior artista brasileira da época: Carmen Miranda

Carmen já era a maior artista brasileira,

mas a sua vida começou a mudar quando conheceu um jovem baiano, magrinho, recém chegado da Bahia:

Dorival Caymmi

Carmen iria gravar um filme em 1938, Banana da Terra,

e, por voltas do destino, uma das músicas acabou sendo "O que é que a baiana tem"

"Cantei 'O que é que a baiana tem no violão e ela começou a idealizar coisas,

fez os gestos, se mexeu, e ficou. A música deu muita margem para aquela movimentação dela"

Carmen se encantou com a música, com o baiano, e com o traje que a música sugeria:

uma baiana estilizada, de torso, que era o turbante, pano da costa, que era o xale, sandálias, pulseiras e balangandãs

Carmen nunca tinha se vestido de baiana, mas,

pressentindo o sucesso da música "O que é que a baiana tem"

manteve o figurino estilizado de baiana para se apresentar nos seus shows no Cassino da Urca

Numa noite o cassino recebeu na plateia alguns passageiros do transatlântico Normandie,

de passagem pelo Rio a caminho de Buenos Aires

"Vinha dos Estados Unidos um novo vapor, o Normandie,

que trazia Sonja Reiner, aquela patinadora formidável de gelo,

e vinha também o empresário Lee Schubert.

Foram ao Cassino da Urca e ficaram encantados com a Carmen

E ela dizia: 'You have to take this girl to Broadway', leve essa garota pra Boadway"

Lee Schubert era um mega empresário do teatro, a família era dona de 100 teatros nos Estados Unidos

e também donos da metade dos teatros da Broadway, em Nova York, e ele fez uma proposta pra Carmen

A proposta financeira não era especialmente atraente, Carmen ganhava mais no Brasil,

mas Schubert a convenceu com um argumento forte:

ela já estava no topo da carreira no Brasil, enquanto o que ele estava propondo era um rendimento inicial

não dava pra prever o que poderia acontecer com a carreira dela nos Estados Unidos,

mas se desse tudo certo o céu era o limite

Carmen aceitou, mas impôs uma condição: ela só iria se pudesse levar o seu grupo -

o Bando da Lua, de Aloysio de Oliveira

Lee Schubert não entendeu: ora, ela iria pra Nova York cantar músicas latinas,

e Nova York estava cheio de músicos latinos - Schubert não sabia diferenciar Samba de Rumba...

Em 3 de maio de 1939, a bordo do navio Uruguai, Carmen Miranda e o Bando da Lua zarparam para Manhattan,

e Carmen levava à bordo seis vestidos de baiana para as suas apresentações

Carmen, todos sabem, vira uma grande estrela de Hollywood,

chegou a ser a artista mais bem paga dos Estados Unidos

O Bando da Lua chegou a acabar algumas vezes, mas sempre voltava com diferentes formações,

e esteve presente na última apresentação de Carmen na TV

Nessas imagens Aloysio de Oliveira, o único remanescente do sexteto original, está tocando maracas, é o do meio

Era o programa de Jimmy Durante, apresentado ao vivo, e Carmen morreria nessa noite de infarte, aos 46 anos

Aloysio volta ao Brasil em 1956 um pouco desatualizado do que estava acontecendo na música brasileira,

mas com a experiência de quem viveu no centro do meio artístico mais profissional do mundo, o norte-americano

Foi contratado para ser o diretor artístico da Odeon, talvez a mais importante gravadora do Brasil naquele momento

e lá conheceu um jovem maestro da companhia, Antônio Carlos Jobim

Jobim estava na época fazendo arranjos e dirigindo a gravação de um compacto simples lançando a cantora Sylvia Telles,

gravando de um lado Foi a Noite, de Tom e Newton Mendonça, e de outro Menina, de Carlos Lyra -

era o início do que viria a ser conhecido por Bossa Nova

Numa noite Tom ligou pra Aloysio e disse: venha pra minha casa,

quero te apresentar um cantor baiano que canta e toca diferente: era João Gilberto

Foi durante a sua gestão artística na Odeon que a gravadora virou A gravadora de Bossa Nova

E mais: antes da era Aloysio de Oliveira

o repertório nacional correspondia a apenas 30% das vendas de disco na companhia,

e quando ele saiu era de 80%

Nessa época produziu shows memoráveis em pequenas boates e restaurantes de Copacabana,

como o show Um Encontro,

que reuniu no palco pela primeira e única vez Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes e o grupo Os Cariocas

Também o show com Vinícius, Dorival Caymmi e o Quarteto em Cy na boate Zum Zum,

e a apresentação do musical Pobre Menina Rica com Carlos Lyra e Nara Leão no restaurante Au Bom Gourmet

Em 1963 resolve montar a sua própria gravadora, Elenco, e fez história:

em seus 3 primeiros anos lançou discos 60 discos, muitos antológicos

Uma parte da mística que envolve a Elenco está nas suas capas, icônicas, quase todas brancas,

com fotos de Chico Pereira que viravam alto contraste em preto e branco nas mãos do diretor de arte César Villela

E as capas quase sempre tinham 4 bolas vermelhas, que significavam harmonia, segundo Villela

A economia visual nas capas combinavam com a economia da música da Bossa Nova, com o som do disco,

mas as capas eram com poucas cores também por outro motivo econômico, o financeiro

Era mais barato fazer uma capa com poucas cores

e a Elenco nunca foi uma gravadora com muitos recursos

Mas tinha uma estética pensada por César Villela: ele achava as vitrines das lojas de disco muito caóticas,

com muitas cores, e as capas da Elenco, simples, com o branco predominando, se sobressaíam

A falta de tino comercial de Aloysio fez com que ele praticamente fosse à falência com a Elenco,

e ele acabou vendendo o catálogo da gravadora a preço de banana para a multinacional Philips

Aloysio seguiu produzindo discos, e foi o produtor de discos antológicos de Tom,

como Caymmi vista Tom, em 1964, ainda na Elenco,

e também nos anos 70, como o Elis & Tom, de 1974, e o disco de Tom com a cantora Miúcha, em 77 O último disco em que ele trabalhou com o Tom foi o disco em que Jobim fazia uma revisão da sua obra, gravado em 1979

O nome inicialmente proposto por Aloysio pro disco soou demasiado pomposo para Tom: Jobinianas

Tom recusou também Brasiliana e Panorama Brasileiro,

e os dois acabaram, finalmente, concordando com o nome Terra Brasilis

1. MELODIA

Dindi começa com uma primeira parte Ad Libitum, ou, de forma abreviada, Ad Lib

É uma expressão em latim que significa à vontade,

e em música significa que uma determinada passagem pode ser tocada com o tempo livre,

ou na regência do maestro

Simplificando, significa tocar sem um tempo marcado

Ter uma introdução, uma primeira parte, Ad Lib é muito comum no cancioneiro norte-americano,

e não tão comum no cancioneiro brasileiro

É mais ou menos o que na música clássica se chama de "recitativo",

muito usado em cantatas, oratórios e nas óperas,

logo antes das árias há, muitas vezes, um recitativo

Nos recitativos os cantores de óperas usam o tempo da fala, mas cantando notas -

é o meio termo entre o canto e a fala

Um dos recitativos mais famosos em óperas é em Bodas de Fígaro, de Mozart

2. ORQUESTRAÇÃO

A partir do disco Matita Perê, de 1973, Tom Jobim começou a bancar a gravação dos seus discos

Com isso ele poderia escolher os músicos, os estúdios, o arranjador,

sem se render às gravadoras e suas estimativas de custos e vendagem,

então a preocupação artística era a principal, e não a comercial

Com o disco pronto ele vendia a master para uma grande gravadora, como a Phillips ou a Warner

Além de Matita Perê, ele gravou mais dois discos nesse esquema nos anos 1970, Urubu e Terra Brasilis

Em comum nesses 3 discos estava o arranjador, o alemão Claus Ogerman,

o maior parceiro musical de Tom, segundo o seu filho, o músico Paulo Jobim

Claus continuava a trabalhar com os instrumentos que sempre foram associados aos arranjos de Bossa Nova,

que era a orquestração dos primeiros discos de João Gilberto, produzidos e arranjados por Jobim

Mas os arranjos dos anos 60 eram em geral minimalistas, muito econômicos,

e nos discos dos anos 70 os arranjos são mais densos, a orquestra está mais presente,

têm um papel normalmente mais importante

A orquestração dessa gravação de Dindi tem a base com piano, baixo, bateria e violão e mais:

: naipe de cordas com violinos, violas e cellos, duas trompas e 5 flautas em sol

Infelizmente não há créditos dos músicos no disco, não dá pra saber quem tocou

3. A FORMA DO ARRANJO

Dindi é uma balada, mais próxima de um samba canção, não é um samba Bossa Nova

O samba canção brasileiro foi muito influenciado pelas baladas norte-americanas e pelo bolero

Dindi é claramente inspirada na grande canção norte-americana,

com a sua forma AABA em que as partes têm 8 compassos cada

Nessa gravação temos a introdução Ad Lib, segue a música inteira,

repete o B com um instrumental e volta uma parte A para o fim da música, com uma coda

A introdução começa só com violão e voz

Não tem o crédito mas provavelmente quem gravou o violão foi Oscar Castro Neves, é no estilo dele

Agora cama harmônica de cordas e flautas e uma frase nas trompas

Um movimento contrário nas cordas, violinos para o agudo e cellos pro grave

Entra baixo e bateria, tocando em ritmo de balada,

com cama harmônica de flautas e cordas e uma linha melódica aguda nos violinos

Uma resposta nas trompas

Um comentário nas trompas

e uma frase no grave dos violinos prepara a parte B

A parte B também é Ad lib

Uma frase de flautas no grave

Acordes nas cordas alternando entre acordes no agudo e no grave

Em posição fechada, ou seja, as notas agrupadas

Notas de trompa no agudo

O belo uníssono de trompas e flautas em sol na frase que segue para a parte instrumental

A melodia da parte B instrumental está nos violinos,

com contraponto em uníssono das flautas com as cordas graves, violas e cellos

Volta ritmo e cama harmônica de flautas e cordas

Esse acompanhamento marcando nas semínimas, marcando nos tempos

Trompas e violinos tocam a mesma melodia de contraponto,

mas com diferença de duas oitavas

Bateria e violão mais soltos no final, com trompas e violinos ainda tocando a mesma melodia em oitavas diferentes

E um acorde bem cheio, mais pro grave, encerra a música

Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like, se inscreve no canal,

e pense na possibilidade de ser um apoiador do programa, a partir de 10 reais, no apoia.se/oarranjo

Muito obrigado, até uma próxima

"Documento Especial reuniu Tom Jobim com um dos mais célebres conjuntos vocais da Bossa Nova,

o Quarteto em Cy

Juntos, homenagearam um notável articulador do movimento, Aloysio de Oliveira,

parceiro de Tom em Dindi"

"Aloysio de Oliveira, olha aqui!"

"Essa reunião é histórica"

Dindi, O ARRANJO #17 (English subtitles)

Em 2014 a atriz e cantora Bibi Ferreira estreou um espetáculo

em que ela cantava as músicas do repertório de Frank Sinatra

Eu trabalhava com a Bibi nessa época,

fui diretor musical, maestro e arranjador dos espetáculos dela nos 15 últimos anos de sua carreira

E pensamos que seria interessante ela cantar alguma música brasileira que o Sinatra gravou,

e eu sugeri Dindi

E ela vira pra mim e fala:

você sabia que o Aloysio de Oliveira escreveu essa letra pra mim quando a gente teve um caso?

E dava detalhes:

segundo ela, a letra originalmente era Bibi, mas pra disfarçar ele mudou as consoantes

Claro que isso foi pro show, a Bibi adorava contar essa história e até pulava a primeira parte, pra já cantar:

"Ah, Bibi, se soubesses o quanto eu te quero"...

Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, seja bem-vindo

Se você está gostando de assistir aos episódios, pense na possibilidade de apoiar a série O ARRANJO e,

assim, colaborar pra eu manter o programa. A partir de apenas 10 reais! Acesse apoia.se/oarranjo

Dindi foi composta entre 1958 e 59, uma fase muito produtiva da carreira do compositor Tom Jobim,

, logo depois do lançamento de Chega de Saudade, o marco inicial da Bossa Nova

O grande parceiro de Tom na época, Vinicius de Moraes, era diplomata

e teve que se mudar para servir ao Itamarati em Montevidéu

O que abriu espaço para Tom compor com novos parceiros, como Aloysio de Oliveira,

e juntos compuseram músicas como Demais, Inútil Paisagem, Só Tinha de Ser com Você e Dindi

A maior parte das canções que Jobim escreveu nesse período foi lançada por Sylvinha Telles,

que só em 1959 gravou 18 músicas de Tom, incluindo a primeira gravação de Dindi

Helena Jobim era irmã de Tom e depois da morte do irmão escreveu um belo livro chamado "Um homem iluminado"

Nesse livro ela conta que Dindi não era o nome de nenhuma mulher, mas um pasto, o pasto do Dirindi,

perto do sítio da família em Poço Fundo, na serra do estado do Rio de Janeiro, onde passa o Rio Preto

"e as águas desse rio, pra onde vão, eu não sei"

"O caminho do Dirindi, daí que vem a palavra Dindi, que eu fiz aquela música"

O sítio da família era um lugar que o Tom costumava ir muito, e um lugar que o inspirava:

lá ele compôs Chega de Saudade, Matita Perê, Águas de Março, Chovendo na Roseira, Estrada Branca

E costumava levar amigos, como Aloysio de Oliveira, e numa dessas viagens os dois compuseram Dindi

20 anos depois, em 1979, Aloysio produziu o disco Terra Brasilis,

em que Tom fez uma revisão dos seus clássicos com um roupagem orquestral grandiosa

Com arranjo de Claus Ogerman, é a versão de Dindi desse disco que eu vou analisar

UM POUCO DE HISTÓRIA

Aloysio de Oliveira é hoje um nome pouco lembrado,

mas foi um personagem muito importante na história da música brasileira no século XX

Nasceu em 1915 no Catete, Rio de Janeiro,

e muito jovem começou a tocar e cantar

Morava numa vila do bairro e junto com vizinhos da mesma vila fundou um grupo vocal, o Bando da Lua

Aloysio era o cantor e um dos violonistas, além de ser o caçula do grupo

O grupo começou como amador, eles até recusavam cachês,

afinal, eram rapazes da classe média, estudantes,

ser músico ainda era mal visto na sociedade de 1930

Mas eram tão bons que viraram profissionais,

e em 1934 excursionaram para Buenos Aires com a maior artista brasileira da época: Carmen Miranda

Carmen já era a maior artista brasileira,

mas a sua vida começou a mudar quando conheceu um jovem baiano, magrinho, recém chegado da Bahia:

Dorival Caymmi

Carmen iria gravar um filme em 1938, Banana da Terra,

e, por voltas do destino, uma das músicas acabou sendo "O que é que a baiana tem"

"Cantei 'O que é que a baiana tem no violão e ela começou a idealizar coisas,

fez os gestos, se mexeu, e ficou. A música deu muita margem para aquela movimentação dela"

Carmen se encantou com a música, com o baiano, e com o traje que a música sugeria:

uma baiana estilizada, de torso, que era o turbante, pano da costa, que era o xale, sandálias, pulseiras e balangandãs

Carmen nunca tinha se vestido de baiana, mas,

pressentindo o sucesso da música "O que é que a baiana tem"

manteve o figurino estilizado de baiana para se apresentar nos seus shows no Cassino da Urca

Numa noite o cassino recebeu na plateia alguns passageiros do transatlântico Normandie,

de passagem pelo Rio a caminho de Buenos Aires

"Vinha dos Estados Unidos um novo vapor, o Normandie,

que trazia Sonja Reiner, aquela patinadora formidável de gelo,

e vinha também o empresário Lee Schubert.

Foram ao Cassino da Urca e ficaram encantados com a Carmen

E ela dizia: 'You have to take this girl to Broadway', leve essa garota pra Boadway"

Lee Schubert era um mega empresário do teatro, a família era dona de 100 teatros nos Estados Unidos

e também donos da metade dos teatros da Broadway, em Nova York, e ele fez uma proposta pra Carmen

A proposta financeira não era especialmente atraente, Carmen ganhava mais no Brasil,

mas Schubert a convenceu com um argumento forte:

ela já estava no topo da carreira no Brasil, enquanto o que ele estava propondo era um rendimento inicial

não dava pra prever o que poderia acontecer com a carreira dela nos Estados Unidos,

mas se desse tudo certo o céu era o limite

Carmen aceitou, mas impôs uma condição: ela só iria se pudesse levar o seu grupo -

o Bando da Lua, de Aloysio de Oliveira

Lee Schubert não entendeu: ora, ela iria pra Nova York cantar músicas latinas,

e Nova York estava cheio de músicos latinos - Schubert não sabia diferenciar Samba de Rumba...

Em 3 de maio de 1939, a bordo do navio Uruguai, Carmen Miranda e o Bando da Lua zarparam para Manhattan,

e Carmen levava à bordo seis vestidos de baiana para as suas apresentações

Carmen, todos sabem, vira uma grande estrela de Hollywood,

chegou a ser a artista mais bem paga dos Estados Unidos

O Bando da Lua chegou a acabar algumas vezes, mas sempre voltava com diferentes formações,

e esteve presente na última apresentação de Carmen na TV

Nessas imagens Aloysio de Oliveira, o único remanescente do sexteto original, está tocando maracas, é o do meio

Era o programa de Jimmy Durante, apresentado ao vivo, e Carmen morreria nessa noite de infarte, aos 46 anos

Aloysio volta ao Brasil em 1956 um pouco desatualizado do que estava acontecendo na música brasileira,

mas com a experiência de quem viveu no centro do meio artístico mais profissional do mundo, o norte-americano

Foi contratado para ser o diretor artístico da Odeon, talvez a mais importante gravadora do Brasil naquele momento

e lá conheceu um jovem maestro da companhia, Antônio Carlos Jobim

Jobim estava na época fazendo arranjos e dirigindo a gravação de um compacto simples lançando a cantora Sylvia Telles,

gravando de um lado Foi a Noite, de Tom e Newton Mendonça, e de outro Menina, de Carlos Lyra -

era o início do que viria a ser conhecido por Bossa Nova

Numa noite Tom ligou pra Aloysio e disse: venha pra minha casa,

quero te apresentar um cantor baiano que canta e toca diferente: era João Gilberto

Foi durante a sua gestão artística na Odeon que a gravadora virou A gravadora de Bossa Nova

E mais: antes da era Aloysio de Oliveira

o repertório nacional correspondia a apenas 30% das vendas de disco na companhia,

e quando ele saiu era de 80%

Nessa época produziu shows memoráveis em pequenas boates e restaurantes de Copacabana,

como o show Um Encontro,

que reuniu no palco pela primeira e única vez Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes e o grupo Os Cariocas

Também o show com Vinícius, Dorival Caymmi e o Quarteto em Cy na boate Zum Zum,

e a apresentação do musical Pobre Menina Rica com Carlos Lyra e Nara Leão no restaurante Au Bom Gourmet

Em 1963 resolve montar a sua própria gravadora, Elenco, e fez história:

em seus 3 primeiros anos lançou discos 60 discos, muitos antológicos

Uma parte da mística que envolve a Elenco está nas suas capas, icônicas, quase todas brancas,

com fotos de Chico Pereira que viravam alto contraste em preto e branco nas mãos do diretor de arte César Villela

E as capas quase sempre tinham 4 bolas vermelhas, que significavam harmonia, segundo Villela

A economia visual nas capas combinavam com a economia da música da Bossa Nova, com o som do disco,

mas as capas eram com poucas cores também por outro motivo econômico, o financeiro

Era mais barato fazer uma capa com poucas cores

e a Elenco nunca foi uma gravadora com muitos recursos

Mas tinha uma estética pensada por César Villela: ele achava as vitrines das lojas de disco muito caóticas,

com muitas cores, e as capas da Elenco, simples, com o branco predominando, se sobressaíam

A falta de tino comercial de Aloysio fez com que ele praticamente fosse à falência com a Elenco,

e ele acabou vendendo o catálogo da gravadora a preço de banana para a multinacional Philips

Aloysio seguiu produzindo discos, e foi o produtor de discos antológicos de Tom,

como Caymmi vista Tom, em 1964, ainda na Elenco,

e também nos anos 70, como o Elis & Tom, de 1974, e o disco de Tom com a cantora Miúcha, em 77 O último disco em que ele trabalhou com o Tom foi o disco em que Jobim fazia uma revisão da sua obra, gravado em 1979

O nome inicialmente proposto por Aloysio pro disco soou demasiado pomposo para Tom: Jobinianas

Tom recusou também Brasiliana e Panorama Brasileiro,

e os dois acabaram, finalmente, concordando com o nome Terra Brasilis

1\\. MELODIA

Dindi começa com uma primeira parte Ad Libitum, ou, de forma abreviada, Ad Lib

É uma expressão em latim que significa à vontade,

e em música significa que uma determinada passagem pode ser tocada com o tempo livre,

ou na regência do maestro

Simplificando, significa tocar sem um tempo marcado

Ter uma introdução, uma primeira parte, Ad Lib é muito comum no cancioneiro norte-americano,

e não tão comum no cancioneiro brasileiro

É mais ou menos o que na música clássica se chama de "recitativo",

muito usado em cantatas, oratórios e nas óperas,

logo antes das árias há, muitas vezes, um recitativo

Nos recitativos os cantores de óperas usam o tempo da fala, mas cantando notas -

é o meio termo entre o canto e a fala

Um dos recitativos mais famosos em óperas é em Bodas de Fígaro, de Mozart

2\\. ORQUESTRAÇÃO

A partir do disco Matita Perê, de 1973, Tom Jobim começou a bancar a gravação dos seus discos

Com isso ele poderia escolher os músicos, os estúdios, o arranjador,

sem se render às gravadoras e suas estimativas de custos e vendagem,

então a preocupação artística era a principal, e não a comercial

Com o disco pronto ele vendia a master para uma grande gravadora, como a Phillips ou a Warner

Além de Matita Perê, ele gravou mais dois discos nesse esquema nos anos 1970, Urubu e Terra Brasilis

Em comum nesses 3 discos estava o arranjador, o alemão Claus Ogerman,

o maior parceiro musical de Tom, segundo o seu filho, o músico Paulo Jobim

Claus continuava a trabalhar com os instrumentos que sempre foram associados aos arranjos de Bossa Nova,

que era a orquestração dos primeiros discos de João Gilberto, produzidos e arranjados por Jobim

Mas os arranjos dos anos 60 eram em geral minimalistas, muito econômicos,

e nos discos dos anos 70 os arranjos são mais densos, a orquestra está mais presente,

têm um papel normalmente mais importante

A orquestração dessa gravação de Dindi tem a base com piano, baixo, bateria e violão e mais:

: naipe de cordas com violinos, violas e cellos, duas trompas e 5 flautas em sol

Infelizmente não há créditos dos músicos no disco, não dá pra saber quem tocou

3\\. A FORMA DO ARRANJO

Dindi é uma balada, mais próxima de um samba canção, não é um samba Bossa Nova

O samba canção brasileiro foi muito influenciado pelas baladas norte-americanas e pelo bolero

Dindi é claramente inspirada na grande canção norte-americana,

com a sua forma AABA em que as partes têm 8 compassos cada

Nessa gravação temos a introdução Ad Lib, segue a música inteira,

repete o B com um instrumental e volta uma parte A para o fim da música, com uma coda

A introdução começa só com violão e voz

Não tem o crédito mas provavelmente quem gravou o violão foi Oscar Castro Neves, é no estilo dele

Agora cama harmônica de cordas e flautas e uma frase nas trompas

Um movimento contrário nas cordas, violinos para o agudo e cellos pro grave

Entra baixo e bateria, tocando em ritmo de balada,

com cama harmônica de flautas e cordas e uma linha melódica aguda nos violinos

Uma resposta nas trompas

Um comentário nas trompas

e uma frase no grave dos violinos prepara a parte B

A parte B também é Ad lib

Uma frase de flautas no grave

Acordes nas cordas alternando entre acordes no agudo e no grave

Em posição fechada, ou seja, as notas agrupadas

Notas de trompa no agudo

O belo uníssono de trompas e flautas em sol na frase que segue para a parte instrumental

A melodia da parte B instrumental está nos violinos,

com contraponto em uníssono das flautas com as cordas graves, violas e cellos

Volta ritmo e cama harmônica de flautas e cordas

Esse acompanhamento marcando nas semínimas, marcando nos tempos

Trompas e violinos tocam a mesma melodia de contraponto,

mas com diferença de duas oitavas

Bateria e violão mais soltos no final, com trompas e violinos ainda tocando a mesma melodia em oitavas diferentes

E um acorde bem cheio, mais pro grave, encerra a música

Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like, se inscreve no canal,

e pense na possibilidade de ser um apoiador do programa, a partir de 10 reais, no apoia.se/oarranjo

Muito obrigado, até uma próxima

"Documento Especial reuniu Tom Jobim com um dos mais célebres conjuntos vocais da Bossa Nova,

o Quarteto em Cy

Juntos, homenagearam um notável articulador do movimento, Aloysio de Oliveira,

parceiro de Tom em Dindi"

"Aloysio de Oliveira, olha aqui!"

"Essa reunião é histórica"