O ódio sobre Barcelona
As motivações dos terroristas
É ódio. Poderá haver outros anunciados motivos e outras pretensas justificações mas quando se mata, atropelando e esfaqueando, de forma indiscriminada, em Barcelona e Cabrilis, centenas de homens, mulheres e crianças é, sem sombra de dúvida, um ato vil, grotesco e carregado de ódio.
Já o escrevi anteriormente, passamos tempo demais em tentar entender as motivações dos terroristas porque, para todos os efeitos, o que interessa é que o "trabalho sujo" de causar terror seja efetuado por quem o deseja. Veja-se o excelente trabalho de Fernando Reinares sobre a forma como a radicalização se faz em Espanha. Para o Daesh ou para a Al-Qaeda é indiferente se os atacantes são verdadeiros adeptos do seu radicalismo ou simples criminosos psicopatas: desde que matem e, de preferência, matem muito é apenas isso que interessa. Podem usar facas, carros, camiões, aviões, explosivos ou tudo e qualquer coisa que a imaginação ditar e a disponibilidade permitir. A oportunidade, a possibilidade de materiais, a sofisticação da preparação, a possibilidade de não se ser detetado com antecedência (um carro não provoca alerta enquanto um componente de um explosivo pode levantar imediatas suspeitas mas, por outro lado, um meio mais forte causa maiores danos) ditará a forma escolhida para a barbárie. Por isso, centremo-nos no que interessa: detetar os terroristas, interromper o apoio e o incentivo dos grandes grupos terroristas que atuam de forma global e atuar com rapidez antes que os ataques ocorram.
O papel do Daesh e da Al-Qaeda
Vamos aos factos. Quem mais deseja intimidar e causar terror na Europa são os grandes grupos como o Daesh e a Al-Qaeda porque, por agora (não será o desejo final), é preciso intimidar as populações do mundo inteiro para pressionarem os seus países a abandonar os esforços de paz e humanitários que se fazem em inúmeras áreas desestabilizadas. O Daesh e a Al-Qaeda não querem apoio humanitário, não querem escolas abertas, não querem operações de paz, não querem desenvolvimento económico nem instituições públicas no Mali, na República Centro Africana, na Somália, na Líbia, no Iémen, na Síria e no Iraque. Os Talibãs escrevem cartas ao Presidente dos EUA para que saia do Afeganistão porque querem colocar rapidamente as mulheres de Burka; o Boko Haram ameaça na Nigéria acabar com todos os Professores e escolas e proíbe qualquer tipo de contacto com estrangeiros. É isso que querem, é por isso que este é o problema principal, este é o desafio global. Na origem do terrorismo está quem o deseja e dele necessita e o terrorismo tem de ser combatido, retirado o seu financiamento e, de forma clara e objetiva, demonstrar publicamente, através de contranarrativas, que os grupos terroristas não representam ninguém, nem têm legitimidade nem aceitação de quem pretendem defender. Será um combate longo, que levará muitos anos e que contará com um labirinto de interesses, como sempre, muito pouco claros e ambíguos, mas infelizmente normal no âmbito da geopolítica. Os sucessos agora obtidos, corretamente, com os povos locais a libertarem as áreas ocupadas pelos terroristas, e o resto do mundo a ajudar, é um caminho que mostra excelentes resultados, pelo que pode e deve ser prosseguido. Não nos podemos deixar intimidar agora e bem sabemos que este esforço obriga à continuidade, que depois de libertar cidades como Mossul ou Raqqa, será preciso um esforço ainda maior para normalizar e estabilizar amplas regiões do Planeta.
A dimensão global do fenómeno
Depois, mas só depois, e tendo em conta a permanente ligação global do terrorismo, temos de atuar contra a radicalização em todo o mundo (ainda recentemente vimos as tentativas de grandes ataques na Rússia e na Austrália). Implica uma estratégia holística e abrangente que aposte na prevenção, na contranarrativa local e, de forma decidida, na ação próxima ativa, quando mais nada restar, também reativa. Temos visto como vários países têm tido muito sucesso nesta prevenção e combate.
A Itália é um bom exemplo para se perceber que se pode vencer e, fundamentalmente, para se tomar consciência como é complexo e intenso este desiderato: de março de 2016 a março de 2017 a Itália interrogou mais de 160.000 pessoas, do que resultou a detenção de 500 suspeitos de terrorismo, dos quais 38 ficaram definitivamente presos. Os números falam por si. Vigiar dá muito trabalho, implica atividades muito coordenadas mas, cumprindo o direito e respeitando a lei, é a forma de o conseguir.
A Espanha tem sido outro bom exemplo, mas a atividade permanente e o elevado número de detidos bem demonstra a enorme complexidade deste fenómeno. Mas não restam dúvidas que tem de haver determinação, em expor as falsas mensagens, em expor o ridículo da violência propagada, em garantir uma contranarrativa para cada tentativa de contágio ou angariação de radicais. Agir, deter e punir quem assim age, quem incita, quem promove a violência. Porque o que se promete, no fim, o que sobra quando o ato é feito, é puro ódio contra, na sua esmagadora maioria, inocentes.
Não se pode por isso voltar a atrás e sucumbir à intimidação. Os grandes grupos terroristas vencem se todos recuarem, se os que lutam pelos seus direitos forem agora desapoiados. Em 2017, pensamos nós, já não há “arrogâncias ocidentais” em impor sistemas políticos ou em ensinar a governar povos distantes (esperemos). Daí esta nova estratégia que se desenvolve, e que tanta raiva causa aos que procuram a violência como o Daesh e a Al-Qaeda, que apoia as iniciativas locais, os povos locais (os que mais morrem), na sua luta de libertar os seus territórios do domínio do terror tem de continuar e ser sustentada. Assim, fundamentalmente e com uma ação decidia na defesa dos valores fundacionais da humanidade, poderemos vencer. E acabar com atos de puro ódio como a barbaridade de Barcelona.
Aos nossos povos irmãos de Espanha afirmamos que também sofremos e estaremos, como sempre estivemos, tal como o demonstrámos muito bem durante os anos de 1811 a 1814 (quando mais de 30.000 portugueses lutaram em terras de Espanha para os libertar dos franceses de Napoleão Bonaparte), presentes, ao seu lado, contra quem os quiser atentar na sua liberdade, orgulho e humanidade.