132 - O Contador de Histórias
Bom dia, boa tarde, boa noite!
Um dia descobri que eu sabia contar histórias. E que talvez pudesse ganhar a vida com isso! Virei palestrante, atividade que toma a maior parte de meu tempo. E que me dá um baita prazer... Esse será o tema do Café Brasil de hoje: vamos tratar de contadores de histórias!
Pra começar, uma frase de um dos grandes palestrantes estadunidenses, Zig Ziglar:
Motivação é como banho, não dura.
Por isso tem que tomar todo dia..
Quando eu era garoto, lá pelos meus sete, oito anos de idade, minha mãe me levava todo domingo na missa.
E era sagrado... E eu admirava o padre, lá na frente, falando ao microfone um monte de coisas que eu nunca entendia. Mas era impressionante. E às vezes alguém saia do meio dos fiéis para ler um trechinho da missa. Só de pensar naquilo me dava um nervoso...
Mas acho que foi na missa que eu aprendi a admirar os palestrantes, afinal o padre dominava aquele monte de gente!
Um dia aconteceu, era um dia dos pais na Associação Luso Brasileira de Bauru e em meio às comemorações houve um momento em que uma criança deveria ler um texto falando dos pais.
Não sei como nem porque, mas acabou que eu fui o escolhido...
Não vou lembrar dos detalhes, apenas de que eu estava em cima do palco, com uma pessoa segurando o microfone enquanto eu lia texto.
Não lembro do que estava escrito, só me lembro do final, que dizia assim: “... ele é o meu papai.
O melhor papai do mundo.” Todo mundo aplaudiu e meu pai veio e me deu um grande abraço. Aos nove anos de idade eu tinha feito minha primeira palestra.
Fala maluco
Fala maluco Fala maluco Fala maluco Fala maluco Pessoas não falam Necessitam fazer Esforço redobrado Para se comunicar De bom tom pensar Ninguém nasceu falando Você foi aprendendo Repetindo, Imitando.
É de bom tom pensar Ninguém nasceu andando Você foi aprendendo Caindo, Tropeçando. É importante que se pense o que se fala A palavra é um amistoso Que corre para o mar É importante que se pense o que se fala A timidez pode ser Mal interpretada Fala maluco Fala maluco Fala maluco Fala maluco
Você tá ouvindo outra daquelas maluquices do Café brasil.
FALA MALUCO, com o pessoal do CABOCLADA, dos irmãos Marcio e Theo Werneck que continuam viajando pelo Brasil para trazer o som dos caboclos pra nós.
Então, muitos anos mais tarde, já trabalhando numa multinacional em São Paulo, fui a um grande evento no Hotel Transamérica, não me lembro sobre o que era.
Mas era anos 80 e lá pelas tantas entrou o Professor Marins para uma palestra.
Fiquei fascinado com aquele sujeito engraçado, que descia do palco e andava no meio do pessoal.
Impressionante! Mas nunca me passou pela cabeça que um dia eu estaria fazendo o mesmo...
Lá por 1993, já como gerente de uma multinacional, fazia parte de minha função falar para os funcionários e com o tempo fui dominando as técnicas.
Até um dia ser convidado a realizar uma palestra de verdade, sobre o mercado brasileiro de reposição de autopeças, num evento do setor. Aceitei, me preparei e fui lá. E sabe que fui muito bem?
Todos vieram falar comigo e vi que podia levar aquilo mais a sério.
Comecei a aceitar outros convites e aos poucos fui melhorando...
Então em 2003, quando lancei meu livro Brasileiros Pocotó, desenvolvi uma palestra diferente, bem humorada e cheia de recursos áudio visuais.
E um dia o Irineu Toledo e o Pelegi me convidaram para palestrar num evento gigantesco que seria realizado numa das maiores casas de shows de São Paulo, com platéia estimada de 3 mil pessoas. Estariam presentes vários palestrantes, como Roberto Shiniasyki, Marco Aurélio... e claro, o Professor Marins. E no meio dos cobras, eu...
Realizei a palestra Brasileiros Pocotó, que terminou com a platéia aplaudindo em pé.
Quando saí do palco, cruzei com o Professor Marins, que estava entrando em cena. Passou por mim e disse: “Parabéns, rapaz”. Eu havia me transformado num palestrante! Dali pra frente foi investir, estudar praticar e palestrar. Palestrar, palestrar, palestrar... Até que um dia saquei que eu podia botar pra quebrar...
Nem vem que não tem
Nem Vem Que Não Tem Nem vem de garfo Que hoje é dia de sopa Esquenta o ferro Passa a minha roupa Eu nesse embalo Vou botar prá quebrar Sacudim, sacundá Sacundim, gundim, gundá!...
Nem Vem Que Não Tem Nem vem de escada Que o incêndio é no porão Tira o tamanco Tem sinteco no chão Eu nesse embalo Vou botar prá quebrar Sacudim, sacundá Sacundim, gundim, gundá!...
Nem Vem! Numa casa de caboclo Já disseram um é pouco Dois é bom, três é demais Nem Vem! Guarda teu lugar na fila Todo homem que vacila A mulher passa prá trás...
Nem Vem Que Não Tem Prá virar cinza Minha brasa demora Michô meu papo Mas já vamos'imbora Eu nesse embalo Vou botar prá quebrar Sacudim, sacundá Sacundim, gundim, gundá!...
Nem Vem! Numa casa de caboclo Já disseram um é pouco Dois é bom, três é demais Nem Vem! Guarda teu lugar na fila Todo homem que vacila A mulher passa prá trás...
Nem Vem Que Não Tem!
UAU!
Eu só tinha ouvido essa com o Simonal, acho que ninguém teve coragem de gravar depois dele, né? Pois a Karla Sabah teve! Nem vem que não tem, do Carlos Imperial. Karla foi integrante do grupo Afrodite se Quiser e além de cantora é diretora de videoclipes. E acredite: até na revista Playboy ela já saiu... Karla Sabah, uma maravilha, no Café Brasil!
Um dia fui convidado a palestrar para um grupo de voluntários do Viva e Deixe Viver (www.vivaedeixeviver.org.br), um grupo que percorre hospitais contando histórias para crianças.
Apresentam-se com divertidos aventais cheios de quinquilharias, levando aos pequenos adoecidos um pouco de alívio... São contadores de histórias.
Com eles aprendi o Credo do Contador de Histórias: "Creio que a imaginação pode mais que o conhecimento. Que o mito pode mais que a história. Que os sonhos podem mais que os fatos. Que a esperança sempre vence a experiência. Que só o riso cura a tristeza.
E creio que o amor pode mais que a morte. " Durante muito tempo me senti atraído por essa profissão: contador de histórias.
Até que tornei-me um deles. O que faço em meus textos, palestras, programa de rádio, podcast ou livros é simplesmente... Contar histórias.
Foram as histórias que ouvimos de nossos pais, avós e tios, que nos transmitiram conceitos morais e éticos enquanto crescemos.
E hoje, continuamos ávidos devoradores de histórias. Que outra explicação existe para o sucesso das novelas na TV? Ou para a nossa fome pelos telejornais e jornais impressos?
Você está ouvindo, no podcast, SE EU QUISER FALAR COM DEUS, de Gilberto Gil, com o piano sempre instigante de Arthur Moreira Lima...
Nos alimentamos de histórias.
Com elas enriquecemos nosso repertório e aprendemos a interpretar o mundo. Mas tem um probleminha aí.
Aquela “moral da história” que ouvi de meus pais e avós sempre envolveu regras de comportamento, lições que separaram o que era bom do que era ruim, mandamentos sobre a convivência harmoniosa, sobre o uso da inteligência ou o respeito ao semelhante.
As histórias que conto para meus filhos também transportam valores morais que, penso, vão ajudar cada um a moldar seu caráter.
Como meus pais e avós, quero formar cidadãos.
Mas hoje os filhos e netos não estão mais interessados em ouvir histórias dos mais velhos.
Preferem a TV. O videogame. O cinema. A propaganda. As cores, movimentos e sons hipnóticos preparados por especialistas. Quem conta as histórias não são mais parentes interessados em valores morais. São vendedores interessados em vender um produto. Um serviço. Um político. Gente interessada em formar con-su-mi-do-res... Dá pra notar a diferença? Cidadãos... E consumidores... Em ritmo de festa...
Quando contei histórias para os contadores de histórias do Viva e Deixe Viver tive diante de mim um grupo de voluntários que tem um objetivo admirável: suplantar a dor, contando histórias.
Enriquecer repertórios, contando histórias. Disseminar valores morais, contando histórias. Pois repare nas histórias que você ouvirá hoje e procure entender a motivação de quem as conta.
Diferente dos pais e avós que, assim como os voluntários do Viva e Deixe Viver contaram histórias para sua alma, os vendedores dos novos tempos contam histórias para seu bolso.
A voz que conta a nossa história
Amiga no meu peito, as horas dormem Num compassar dolente e sossegado Seduz a minha alma uma voz de homem Que ao longe entoa triste um triste fado Seduz a minha alma uma voz de homem Que ao longe entoa triste um triste fado Como se aquela voz entristecida Contasse a nossa história a toda a gente Cada quadra parece ser escolhida Do amor que quer doer lentamente Cada quadra parece ser escolhida Do amor que quer doer lentamente E enquanto eu não reclamo a dor dos dias Em que me afundo a sós nesta memória O frio das noites frias e vazias Só cabe a voz que conta a nossa história O frio das noites frias e vazias Só cabe a voz que conta a nossa história O frio das noites frias e vazias Só cabe a voz que conta a nossa história
Ah... Ana Moura... Essa portuguesinha me dá arrepios.
Aqui você ouve Ana interpretando um daqueles fados arrasadores: A VOZ QUE CANTA NOSSA HISTÓRIA. Sabe o que é? Meu avô era português e eu cresci com esse som... não tem como não gostar...
Um palestrante entrou num auditório para proferir uma palestra e, com surpresa, deu com o auditório vazio.
Só havia um homem sentado na primeira fila. Desconcertado, o palestrante perguntou ao homem se devia ou não dar a palestra só para ele. O homem respondeu: - Sou um homem simples, não entendo dessas coisas. Mas se eu entrasse num galinheiro e encontrasse apenas uma galinha para alimentar, eu alimentaria essa única galinha.
O palestrante entendeu a mensagem e deu a palestra inteira, conforme havia preparado... Quando terminou, perguntou ao homem: - Então, gostou da palestra?
O homem respondeu: - Como lhe disse, sou um homem simples, não entendo dessas coisas. Mas se eu entrasse num galinheiro e só tivesse uma única galinha, eu não daria o saco de milho inteiro para ela.
E meu amigo Klaus Peter Melken conta uma historinha...
Há uns 22 ou 23 anos vivi um episódio que se encaixa à perfeição a essa história dos palestrantes.
Um dia,um clube do qual eu era diretor organizou uma palestra do Prof. Euriclides de Jesus Zerbini numa 6ª feira às 20:00 hs.
Tema: Transplantes de coração, terapias e modos de prevenção de males cardíacos. Inscreveram-se umas 80 pessoas.
O prof. Zerbini viria de Brasília naquela noite, especialmente para cumprir aquele compromisso.
Estavam ausentes o Presidente e o 1º e 2º Diretores Sociais do clube e coube a mim, a tarefa de receber o ilustre visitante e apresentá-lo à platéia, que supunha-se superlotada.
Às 19:55 chegou o palestrante numa limusine com chofer.
Recebi-o e o acompanhei até uma saleta reservada, onde deu os últimos acertos na sua máquina de vídeo-show, montou um mega-coração de plástico e retirou de uma pasta os slides e a documentação nos quais basearia sua palestra. Dei uma olhada no salão nobre...: nada mais que umas poucas pessoas presentes.
O professor ofereceu esperar mais alguns minutos, para que os retardatários chegassem.
Às 20:30, Dr. Zerbini iniciou sua apresentação, fascinante sob todos os aspectos.
1 hora depois, tendo inclusive oferecido um tempo para responder perguntas, o professor encerrou sua palestra, agradecendo com uma atenciosa reverência e uma saudação em português e outra em alemão...! Estavam presentes à palestra 14 gatos pingados, comigo incluído.
Na despedida, abrindo-lhe a porta do carro, desculpei-me pela descortesia dos 66 otários que confirmaram presença, mas não apareceram.
Sabe qual sua resposta ao abraçar-me carinhosamente? Vieram os melhores...!
O craque
Muita grana pode ser o mel Todo o mundo apenas pro seu bel prazer Muita grana pode ser pinel Muita grana pode ser poder Muita grana pode ser papel e mais papel
Muita mídia pode resolver Muita mídia pode parecer que se é Deus Muita mídia pode ser o céu Muita mídia pode ser o breu Muita mídia pode ser você virar patê
O craque pode ser o tal na mídia ou nunca entrar na mídia e ser o tal E mesmo sendo genial também terá seu dia mau Não vá cobrar que seja bom em tempo total
Veja o craque como um ser normal Veja o craque apenas como tal Deixe o craque no gramado e o resto na geral
Você está ouvindo, no podcast, O craque de Celso Viáfora e Vicente Barreto, com o próprio Vicente Barreto.
E daí tem uma historinha que circula entre os palestrantes e que é uma delícia, quer ver...
O palestrante entra e encontra o auditório cheio.
Feliz da vida, começa sua palestra, entusiasmado, caprichando nos gestos, caras e bocas. Lá pelas tantas, repara que uma pessoa entra lá pelo fundo e cochicha alguma coisa baixinho para outra pessoa que estava sentada na última cadeira. A pessoa ouve, levanta-se e começa a sair. Mas antes de sair, repete o procedimento, cochichando no ouvido de outra pessoa que estava na cadeira ao lado. E assim vai, uma a uma, levantando e cochichando no ouvido de outra, que se levanta e sai. Até que finalmente resta uma só pessoa no auditório, ali na primeira fila, ouvindo o palestrante. Intrigado com o esvaziamento do auditório, o palestrante então dirige-se ao solitário espectador e pergunta:
- Desculpe-me, mas o que é que as pessoas disseram uma às outras?
E o homem responde: - Parou de chover.
Pois é... palestrar para outras pessoas é contar histórias.
É contando e ouvindo histórias que o homem se desenvolveu e por mais que o mundo evolua, por mais que a tecnologia nos assombre com novidades e por mais que criemos redes sociais e mídias, contar e ouvir histórias jamais deixará de ser nossa forma predileta de aprender...
Contando histórias transmitimos o saber.
Espalhamos o conhecimento. E no meu caso, servimos como um personal trainer para o cérebro, ajudando as pessoas a praticar seu fitness intelectual.
Quem sabe falar de histórias é o mestre Rubem Alves que um dia escreveu assim:
As histórias se formam da mesma maneira como se forma a pérola dentro de uma ostra.
Ostras felizes não fazem pérolas. É preciso que um grão de areia entre em sua carne mole. O grão de areia torna a ostra infeliz. Para livrar-se da dor do grão de areia a ostra pacientemente envolve o grão de areia com uma substância lisa, sem arestas e redonda. A pérola. E é assim também que nascem as histórias. Como as pérolas.
E Rubem continua: a palavra é o começo de tudo.
Com a palavra, o universo começou. Com a palavra, nós começamos. Somos poemas encarnados. Somos as estórias que moram em nós. Se as palavras que moram em nós formarem estórias belas, seremos belos e bons...
E pra terminar o mestre dá uma porrada: só se deve falar quando a fala melhora o silêncio...
Então, você pode ter passado batido, mas eu vou repetir.
O credo do Contador de histórias. Preste atenção:
"Creio que a imaginação pode mais que o conhecimento. Que o mito pode mais que a história. Que os sonhos podem mais que os fatos. Que a esperança sempre vence a experiência. Que só o riso cura a tristeza.
Pé quente cabeça fria
Pé quente, cabeça fria, dou-lhe uma Pé quente, cabeça fria, dou-lhe duas Pé quente, cabeça fria, dou-lhe três Saia despreocupado Você pode conquistar o mundo dessa vez Pé quente, cabeça fria, dou-lhe uma Pé quente, cabeça fria, dou-lhe duas Pé quente, cabeça fria, dou-lhe três Saia despreocupado Faça tudo que você queria e nunca fez Pé quente, cabeça fria, numa boa Pé quente, cabeça fria, na maior Pé quente, cabeça fria, na total Saia despreocupado Mas cuidado porque existe o bem e o mal Pé quente, cabeça fria, numa boa Pé quente, cabeça fria, na maior Pé quente, cabeça fria, na total Saia despreocupado Mas se alguém se fizer de engraçado, meta o pau.
E é assim, ao som de PÉ QUENTE, CABEÇA FRIA, com Gil, Caetano, Gal e Bethânia nos Doces Bárbaros que este Café Brasil que falou de contadores de histórias, vai embora.
Na técnica, o grande historiador Lalá Moreira.
Na produção, a contadora de histórias Ciça Camargo. E eu, Luciano Pires, o inventor de histórias na apresentação e direção.
Estiveram conosco a Caboclada, Karla Sabah, Arthur Moreira Lima, Ana Moura, os Doces Bárbaros, Vicente Barreto... e o Silvio Santos!
Gostou?
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Para terminar, uma frase do escritor espanhol Max Aub:
"Há três categorias de homens: a) os que contam a sua história b) os que não a contam c) os que não a têm.