Bolsonaro e a carteira de vacinação I O ASSUNTO I g1
A vacina uma vez certificada pela Anvisa vai ser extensiva a todos que queiram tomá-la.
Eu não vou tomar. Alguns falam que eu estou dando um péssimo exemplo.
Ô imbecil!
Ô idiota que está dizendo que eu estou dando um péssimo exemplo.
Eu já tive o vírus.
Eu já tenho o anticórtico.
Pra que tomar vacina de novo?
No tocante à vacina, eu decidi não tomar mais a vacina.
Pra que eu vou tomar uma vacina?
Seria a mesma coisa que você jogar na loteria 10 reais pra ganhar 2.
Não tem cabimento isso daí.
Eu por exemplo não estou vacinado.
Eu tenho imunidade natural.
Se você virar o jacaré, é pro meu de você, pô.
A gente pergunta por que o passaporte vacinal?
Que essa coleira que ele botar no povo brasileiro?
Cadê a nossa liberdade?
Eu prefiro morrer do que perder a minha liberdade.
Eu espero que não haja interferência do judiciário.
Espero que a minha filha não vai se vacinar.
Deixar bem claro.
Tenho 11 anos de idade.
A minha opinião que eu quero dar pra você aqui.
A minha filha de 11 anos não será vacinada.
O problema é meu.
A vida é minha.
Olha, ele não tomou vacina.
Tem gente que quer que eu morra e fica me enchendo o saco pra tomar vacina.
Deixa eu morrer.
Você deve se lembrar.
Ao longo da pandemia, Jair Bolsonaro deu sucessivas declarações contrárias à vacina da Covid.
Agora, a Polícia Federal encontrou evidências de que as carteiras de vacinação dele e
de sua filha foram falsificadas.
E tudo com a ajuda de militares e servidores públicos.
Diante das suspeitas, o ex-presidente terceirizou o problema e voltou a apelar ao negacionismo.
Não existe adulteração da minha parte.
Não existe.
Eu não tomei a vacina.
Ponto final.
Nunca neguei isso.
E a outra é a minha filha, que eu respondo pra Laura, que é atualmente 12 anos.
Não tomou a vacina também.
Tem o lado médio tocante aí.
No resto, eu realmente fico surpreso com a busca e a pressão por esse motivo.
Da redação do G1, eu sou Ana Tuzaneri e o assunto hoje é Jair Bolsonaro e a suspeita
de fraude na carteira de vacinação.
Quais são os indícios levantados pela Polícia Federal, como funcionava o suposto esquema
de falsificação e como este caso pode complicar ainda mais a situação jurídica do ex-presidente?
Neste episódio, eu converso com Bruno Tavares, repórter da TV Globo, e Heloísa Machado,
doutora em Direito pela USP e professora da Faculdade de Direito da FGV em São Paulo.
Quinta-feira, 4 de maio.
Bruno, quero te pedir pra começar nos contando como é que essa investigação sai do inquérito
das milícias digitais e vai parar na carteira de vacinação de Bolsonaro.
Os investigadores passam a apurar essa história a partir do momento que surgem aqueles indícios
de que o Bolsonaro teria tomado a vacina, não teria tomado a vacina.
Surge um comprovante, supostamente, de uma vacinação feita aqui em São Paulo.
A partir disso, a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal começam a trocar informações
e passam a investigar de forma oficial, formal, como é que isso ocorreu.
Como o Mauro Cid era o ajudante de ordens do Bolsonaro, uma pessoa muito próxima ao
ex-presidente, eles então passam a investigá-lo pra verificar como é que isso teria acontecido.
E verificam, num primeiro momento, que o Mauro Cid usou a influência que tinha, o acesso
que tinha, pra fraudar a própria carteira de vacinação da mulher e das filhas numa
viagem que eles fariam nos Estados Unidos.
Os investigadores descobriram que, em novembro do ano passado, Cid acionou um subordinado,
o senhor Luiz Marcos dos Reis, para conseguir um comprovante falso de vacinação contra
a Covid para ele próprio, a mulher e as filhas.
O sargento, por sua vez, pediu a um sobrinho, Farley Vinícius Alcântara, que é médico
em Goiás, que conseguisse os cartões de vacinação.
Os cartões eram manuscritos e não foi possível inserir as informações no sistema do Ministério
da Saúde, porque o documento indicava um lote de vacina que não foi distribuído para
Goiás.
Isso está muito bem comprovado pelos registros todos, pelos rastros que ele foi deixando
e também, claro, pela quebra de sigilo telemático do telefone celular do Mauro Cid, que foi
mostrando para os investigadores que aquilo que os documentos mostravam era absolutamente
impossível.
E aqui acho que vale até um exemplo.
Eles mostram, por exemplo, que o Mauro Cid chegou a solicitar uma carteira de vacinação
num município no interior de Goiás, mas ele não estava naquele município no dia
em que a vacinação teria ocorrido.
Então eles vão comprovando todas essas inconsistências, verificam inclusive que um ajudante direto
do Mauro Cid é acionado para a inclusão desses dados no sistema do SUS, no sistema
eletrônico do SUS.
Essa pessoa tenta fazer a inclusão dos dados lá da vacinação, da suposta vacinação
no interior de Goiás e diz, olha, o sistema está entendendo que isso é uma fraude.
Lendo as transcrições dos diálogos de Cid com operadores desse suposto esquema narrado
pela Polícia Federal, mas me parece tudo feito muito às pressas, assim.
Me parecia uma certa, haver uma certa ansiedade para resolver isso.
Uma ansiedade para resolver e uma insistência em cometer esses supostos crimes, porque
houve uma primeira tentativa de inclusão, há um erro ali, material, então a partir
dessa inconsistência eles não desistem, eles passam a tentar uma outra alternativa,
que é, bom, então vamos procurar alguém do Rio.
E aí, Natuza, é também importante, acho que sintomático, notar que eles procuram
políticos ligados a eles.
A gente lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro fez comícios durante o período eleitoral
na cidade de Duque de Caxias e as pessoas que, segundo a Polícia Federal, participaram
dessa inclusão de informações falsas na carteira do Mauro Cid, da mulher e das filhas,
de Duque de Caxias e políticos aliados de Bolsonaro.
Sim, até porque não faria sentido pedir isso para um político distante, né?
Em uma dessas trocas de mensagem, e a gente vai falar dela daqui a pouquinho, o Cid parece
pedir favores às pessoas para conseguir a inclusão dessas informações na carteira
de vacinação.
Os investigadores descobriram que no dia 21 de dezembro do ano passado, João Carlos
de Souza Brecha, secretário de governo da Prefeitura de Duque de Caxias, no Rio, inseriu
informações falsas no sistema do Ministério da Saúde.
Brecha teria incluído no sistema que Bolsonaro tomou duas doses de vacina contra a Covid
aplicadas em Duque de Caxias em agosto e outubro do ano passado.
Seis dias depois, no dia 27, as informações foram excluídas.
Informações do Ministério da Saúde revelaram que só em 2022 ele fez mais de 60 inserções
de dados de vacinação contra a Covid no sistema do Ministério.
Mas eu quero dar um passo para trás para explicar, caso quem nos ouve não tenha entendido,
que o Cid teve o seu sigilo telefônico telemático quebrado não por causa da vacinação nem
da carteira de vacinação, mas porque ele já figurava em outro inquérito das milícias
digitais e teve o sigilo quebrado.
E a partir daí se puxa o fio da meada?
É isso?
É isso.
Ele tem o sigilo telemático quebrado e a Polícia Federal então usa essas informações
nas diferentes frentes de apuração que estavam abertas.
Eles usam essa informação da vacinação porque vem ali um caminho para a apuração
de um suposto crime.
E a gente está falando de quais crimes envolvidos, Bruno?
Quais crimes foram cometidos nesse enredo do cartão de vacinação?
A Polícia Federal fala em adulteração, na fraude documental, porque você insere
uma informação falsa no sistema do SUS.
Eles também falam em corrupção de menores porque há menores envolvidos.
As filhas do Mauro Cid são menores de idade.
Eles também falam em uma associação criminosa.
É claro, Natuza, que isso ainda está em apuração.
A Polícia Federal deflagrou essa operação exatamente para colher mais elementos, mais
indícios do que teria ocorrido exatamente.
É importante lembrar que a Polícia Federal levou com ela na operação realizada nessa
quarta-feira o celular do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Todas essas informações agora vão ser mais depuradas para que se verifique exatamente
o que aconteceu, que crimes foram praticados e quem praticou esses crimes.
A Polícia Federal chegou logo cedo à Alconomina, em Brasília, onde mora o ex-presidente Jair
Bolsonaro.
Os policiais ficaram na casa dele por cerca de três horas em busca de indícios e provas
de fraude no cartão de vacinação do ex-presidente.
O celular de Bolsonaro foi apreendido pelos policiais.
O meu telefone não tem senha.
Não tenho nada a responder, somente nada.
Não era cartão apenas.
Faltam fotografias para compor um filme inteiro.
Então esse é só um momento preliminar dessa investigação.
As buscas e apreensões podem ajudar a completar essas fotografias que faltam para a gente
entender o porquê da adulteração, o porquê da fraude, porquê se preferiu, se de fato
isso for confirmado tal qual a Polícia Federal indica, por que se preferiu fraudar, cometer
crimes no lugar de se vacinar?
O ministro Alexandre de Moraes na decisão tem algumas hipóteses para isso.
Uma delas é de que fazia parte de uma disputa política, de manter o presidente ou então
presidente da república com seu discurso para se beneficiar politicamente desse discurso.
É isso que está escrito lá na decisão, não é?
É, o que o ministro Alexandre de Moraes trata é de o que ele vai demonstrando ali na decisão dele.
E nesse ponto Natuza, também é importante destacar, né?
O ministro ele, de certa forma, concorda com a análise da Polícia Federal.
A gente lembra que a Procuradoria Geral da República é contra as medidas em relação
a Bolsonaro.
Diz que elas são insuficientes ainda, muito preliminares e que não havia naquele momento
em que foi analisado indícios concretos da participação do ex-presidente Jair Bolsonaro
e da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro.
Você tem duas visões contraditórias.
A investigação da PF, que aponta um envolvimento de Bolsonaro de maneira clara na percepção
do relatório, pelo menos, e a versão da Procuradoria Geral da República comandada
por Augusto Aras, alguém que já não pediu diversas investigações contra Bolsonaro
na história recente, na própria pandemia foi assim, dizendo que não há elementos
que vinculem Bolsonaro nessa história.
E o ministro Alexandre de Moraes, que acabou ficando com a posição, pelo menos parte
dela, porque ele não acata todos os pedidos da Polícia Federal, é isso.
Além da decisão, o que a gente percebe claramente é que o que o ministro tenta demonstrar
é que aquilo que o Mauro Cid fez para a própria família dele se aplicou ao Bolsonaro.
Os personagens são os mesmos, o enredo é o mesmo.
Então o que ele vai demonstrando na decisão é que fica claro que o suposto esquema criado
por Mauro Cid também beneficiou o ex-presidente Jair Bolsonaro em alguma medida.
O ministro afirma que no atual estágio da investigação criminal não se demonstra
crível a afirmação da Procuradoria Geral da República de que Mauro César Barbosa
Cid teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa à revelia sem o conhecimento
e sem a anuência do ex-presidente da República Jair Bolsonaro.
Também reconhece que era impossível que o Bolsonaro não soubesse da adulteração,
e veja só, Natuza, o ex-presidente repetia a todo momento que não tinha tomado a vacina.
Então o ministro vai pontuando que há indícios, ele usa inclusive alguns adjetivos nesse
momento e diz que são evidências robustas do envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro
em alguma medida.
O que o ex-ministro tenta demonstrar é que o presidente Bolsonaro sabia do que tinha
acontecido.
A gente está falando então de 16 pessoas que foram alvo da PF na quarta-feira, na
operação de quarta-feira.
A gente sabe que em dia de operação da PF tem muita informação pulverizada, então
eu quero te pedir para que se você puder resumir rapidamente quem são essas pessoas,
pelo menos os principais e o papel dessas pessoas no círculo próximo ali de Bolsonaro
e que teria participado da tentativa de fraude.
Bom, Natuza, eu acho que a gente pode dividir esses personagens em personagens principais,
digamos assim, e os secundários.
O personagem principal dessa história é o Mauro Cid, porque a Polícia Federal atribui
a ele um papel central de quem articulava isso.
De operador.
De operador.
De quem acionava as pessoas para conseguir realizar essa suposta fraude.
Para um escalão mais abaixo, o que a gente tem são assessores próximos do Cid.
A gente lembra, né Natuza, o Cid era da ajudância de ordens e ele tinha ali outros militares
próximos a ele, de patente inferior, que eram subordinados a ele.
A gente lembra inclusive do episódio da Joias, né?
Ele aciona pessoas, ele tem funcionários, digamos assim.
Ele é o operador do episódio da Joias também, assim como esse caso, né?
Bem lembrado.
Então, nesse segundo escalão, funcionários ligados ao Mauro Cid.
E Cid era uma espécie de sombra de Bolsonaro.
Aliás, ele tinha, por diversas vezes, ele privava mais do que os próprios filhos da
companhia de Bolsonaro.
Ele estava o tempo inteiro com o Bolsonaro, ficava no Alvorada até de madrugada, às
vezes dormia no Palácio do Alvorada.
A Federal, Natuza, atribui ao Cid, inclusive, o acesso ao ConectSus, aquele aplicativo que
a gente consulta no nosso certificado de vacina, ele diz que quem acessava, quem tinha a senha,
era o Mauro Cid.
E também, nesse ponto, é interessante notar, a investigação conseguiu verificar que o
ID, né?
Aquele registro do equipamento em que a gente faz os acessos na internet, era um ID atribuído
ao Mauro Cid.
A PF primeiro descobriu que, no final do ano passado, foram inseridos no sistema da Rede
Nacional de Dados em Saúde o registro de que o ex-presidente da República, Jair Messias
Bolsonaro, teria recebido uma dose da vacina contra a Covid da fabricante Pfizer, na data
de 13 de 8 de 2022.
O documento também informa que foi registrado no sistema que o ex-presidente da República,
Jair Bolsonaro, teria recebido a segunda dose da vacina contra a Covid da fabricante Pfizer,
na data de 14 de outubro de 2022, no município de Duque de Caxias.
A PF também obteve registros de que a filha de Bolsonaro teria sido vacinada em Caxias.
A segunda dose no mesmo dia em que o pai, Jair Bolsonaro.
E assim como o registro dele, foi excluído dias depois.
Outro dado que a Polícia Federal considerou relevante, o usuário associado ao ex-presidente
Jair Bolsonaro emitiu o certificado de vacinação contra a Covid por meio do aplicativo Conect
SUS.
Só que, segundo a PF, o endereço do computador usado para acessar o aplicativo Conect SUS
e gerar o certificado pertence à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto.
E que o terminal telefônico utilizado está cadastrado em nome de Mauro Cid Barbosa.
E o e-mail cadastrado também era o de Mauro Cid.
E me chamou a atenção que, numa das transcrições, um dos ajudantes de ordem dele, portanto da
Presidência da República, diz, olha, eu não tenho como ir para os Estados Unidos
porque eu não tenho a carteira de vacinação.
E de repente, um tempo depois, a carteira de vacinação se materializa.
Ou seja, a suposta fraude nas carteiras de vacinação de presidente, ajudante de ordem,
staff presidencial, era um conjunto, não era uma carteira só.
A gente não está falando só da carteira de vacinação de Bolsonaro.
Então, se Bolsonaro precisava viajar para os Estados Unidos e precisava ser acompanhado
das pessoas em que ele mais confia, em termos de funcionários que trabalhavam com ele,
ele precisava colocar essas pessoas lá com ele nos Estados Unidos também.
Tanto assim que dois seguranças próximos também, pessoas que já trabalhavam com Bolsonaro,
foram presas.
Porque também, segundo as investigações, se beneficiaram desse esquema de fraude.
Ao todo, foram 16 mandados de busca e apreensão e seis pessoas foram presas.
O tenente-coronel do Exército, Mauro Cid, que era um dos assessores mais próximos e
homem de confiança do ex-presidente.
Na casa dele, a polícia encontrou US$ 35 mil e R$ 16 mil.
João Carlos de Souza Brecha, secretário de governo de Duque de Caxias.
Dois seguranças do ex-presidente, Max Guilherme Machado de Moura, que trabalha com Bolsonaro
há quase 10 anos, e Sérgio Cordeiro.
Era na casa dele que o ex-presidente fazia as lives durante a última campanha.
Ailton Gonçalves Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL do Rio de Janeiro
no ano passado.
E Luiz Marcos dos Reis, sargento do Exército, ex-integrante da equipe de Mauro Cid.
Exatamente como você está dizendo, o que fica claro é que pessoas do entorno muito
próximo do ex-presidente se beneficiaram desse esquema que, segundo a Polícia Federal,
foi arquitetado, foi criado, foi operado pelo Mauro Cid.
E quais são as suspeitas que recaem sobre ele?
O que o PF já tem de evidência sobre o envolvimento dele nesse caso?
Eu acho que as principais evidências em relação ao Mauro Cid vieram dessa quebra de sigilo
telemático.
A partir dessas informações, eles puderam verificar toda essa teia que foi se formando.
E uma outra coisa importante também, Natuza, vários rastros foram sendo deixados nesse
caminho.
Então, cada vez que o Mauro Cid acionava essas pessoas, trocava mensagens, como era,
tudo isso ficou registrado.
E, num segundo momento, as informações do próprio SUS.
Quando essas informações chegam, informações documentais, registros em computador, eu acho
que isso foi demonstrando para os investigadores que aquilo que estava no celular ocorreu na
prática, aquilo foi materializado.
Por isso que eu te digo que eu tenho a impressão de que houve pressa.
Porque só quem tem pressa deixa tanto rastro assim, deixa tanta ponta solta.
Ou certeza de impunidade também, porque você pode, na certeza de impunidade, ser descuidado.
Como havia ali uma troca de turno, uma troca de presidente, eu não sei se a certeza de
impunidade era o que movia ali.
Mas me parece que o elemento pressa, insisto, teve um papel importante.
As mensagens deixam isso bem evidente também.
As mensagens vão mostrando que não havia nenhum cuidado para se fazer algo que era
claramente ilegal, irregular.
Às vezes, inclusive, numa espécie de troca de favores.
Tem uma passagem que ilustra bastante isso na decisão, na investigação, no inquérito,
em que conversas interceptadas pela polícia captam um diálogo entre Mauro Cid e o militar
da reserva, o Ailton Barros.
Os dois presos, inclusive pela polícia federal.
E esse diálogo é particularmente perturbador para mim, Bruno, porque ele leva até um outro
caso que é o do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Relembra pra gente o que tem ali, por favor.
Nesse diálogo, eles conversam sobre a possibilidade de obter uma carteira de vacinação no município
de Duque de Caxias, para que a fraude fosse completa.
Ou seja, o que ele não tinha conseguido em Cabisferas, ele estava tentando em Duque de
Caxias.
Exato.
Para que os lotes fossem correspondentes ao lugar, para que a fraude ficasse redonda,
digamos assim.
Nessas tratativas, para que consigam uma nova carteira de vacinação de um município no
Rio de Janeiro, chegam a figura de um ex-vereador, Marcelo Siciliano.
Esse Marcelo Siciliano, ele se dispõe a ajudar.
Ele diz, olha, eu consigo a carteira de vacinação assinada por um médico.
E segundo a Polícia Federal, houve uma troca.
Em troca da carteira, esse ex-vereador, Marcelo Siciliano, queria que o CID ajudasse ele a
destravar uma proibição de viagem aos Estados Unidos.
Marcelo Siciliano estava impedido de viajar aos Estados Unidos, tentou tirar um passaporte,
tentou tirar um visto, melhor dizendo, mas ele foi impedido porque era citado na investigação
sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco.
Siciliano queria um encontro com um representante diplomático americano para resolver um problema
com o visto de entrada dele nos Estados Unidos.
E mesmo que não haja provas de envolvimento de A, B ou C com um crime nos moldes do que
foi o assassinato de Marielle e Anderson, se eu sou ajudante de ordens de um presidente
da República e sei que tem alguém que figura numa investigação e que pede um favor em
troca, a primeira coisa que você faz é sair daquilo imediatamente.
Mas olha só um trecho desse diálogo que acho que vale a pena mostrar para quem nos
ouve.
Foi nessa conversa que Ailton disse, eu sei dessa história da Marielle toda, irmão,
sei quem mandou, sei a coisa toda, entendeu?
E se referindo, a Siciliano completou, está de bucha nessa parada aí.
A palavra bucha é usada para se referir a alguém que é acusado injustamente.
Siciliano chegou a ser investigado na época, mas depois a polícia descartou a participação dele.
Então esse diálogo é um diálogo absolutamente impróprio para um ajudante de ordens de um
presidente da República sem aqui antecipar responsabilidades ou não de quem quer que seja.
Pela leitura desse material, Mauro Cid estava trocando uma carteira falsa por uma interferência
junto ao governo dos Estados Unidos para obter um visto para uma pessoa investigada.
Então você disse, claro, não cabe a gente aqui antecipar responsabilidades, mas era
a situação de momento.
Naquele momento, essa pessoa era uma pessoa investigada e o ajudante de ordens estava
precisando de uma carteira que ele não tinha obtido de forma regular, ele não tinha feito
a vacinação.
É um diálogo, chega a ser impressionante.
E agora, Bruno, quais são os próximos passos?
Quando o ex-presidente Bolsonaro deve ser ouvido, pelo menos qual é a expectativa da
Polícia Federal para ouvir o ex-presidente da República?
O ex-presidente seria ouvido no próprio dia da operação, na quarta-feira, mas ele não
compareceu à Polícia Federal alegando que não teve acesso ainda aos autos.
Esses autos agora foram disponibilizados a todos os advogados, dos envolvidos, e a partir
de agora o que a Polícia Federal faz, é praxe, a Polícia Federal vai chamando um
a um essas pessoas, priorizando, claro, quem está preso, vai chamando essas pessoas e
essas pessoas vão falando ou não, na medida do que elas quiserem.
Esse é o próximo passo, ouvir as pessoas envolvidas.
O ministro Alexandre de Moraes determinou que elas sejam ouvidas e também, importante,
Natuza, determinou que as carteiras de vacinação das pessoas que supostamente foram beneficiadas
pelo esquema sejam imediatamente canceladas.
Na etapa seguinte, o que o delegado costuma fazer é, a partir de todos esses elementos
recolhidos, ele faz um relatório final, ele diz ali, bom, o que foi apurado, ele finaliza
a investigação, o inquérito policial, ou ele continua.
São essas as possibilidades.
Quando a investigação for encerrada, e pelo que eu andei conversando, isso não deve demorar
muito, eles avaliam que as informações principais já estão ali, o que vai se fazer agora é
incluir esses depoimentos de quem aceitar prestar esclarecimentos e também informações
de perícia nesses telefones, nesses documentos recolhidos.
Então, deve fazer um relatório final, a Polícia Federal pode ou não indiciar essas pessoas,
e esse relatório então é remetido pra Justiça.
O Ministério Público vai ser chamado a se pronunciar, e aí a gente sabe, Natuza, o Ministério
Público pode oferecer denúncia, pedir o arquivamento dessa investigação, ou mais
diligências.
Bruno, te agradeço demais, a gente tá conversando aqui cara a cara, frente a frente, depois
de um dia exaustivo de trabalho.
Então, agradeço, bom descanso, e a gente vai contar com você de novo pra esclarecer
vários dos pontos dessa investigação.
É um prazer pra mim, fiquei super feliz de estar aqui com você frente a frente, agradeço
mais uma vez a chance de participar do assunto.
Espera um pouquinho que eu já volto pra falar com a Heloisa.
Bolsonaro é alvo de investigações no Tribunal Superior Eleitoral, no Supremo Tribunal Federal
e na primeira instância.
Como esse novo caso das fraudes em cartões de vacinação pode complicar ainda mais a
situação jurídica do ex-presidente?
De fato, a gente tem uma série de inquéritos que investigam práticas criminosas distintas,
que vão desde peculato, fraude, documentos públicos, passam por crimes contra a humanidade,
genocídio, que tem como alvo a conduta do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que a gente percebe a cada depoimento, a cada testemunho, é que a situação do ex-presidente
Jair Bolsonaro se complica.
O último depoimento dado, a Polícia Federal afirmou que estava sob efeito de substâncias
controladas que o impediram de adotar medidas conscientes na postagem de qualquer coisa
relativo aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Os advogados de Bolsonaro disseram que, na época, ele estava internado em um hospital
nos Estados Unidos por problemas no intestino e que a postagem foi acidental.
O ex-presidente queria salvar a publicação, mas acabou a compartilhando sem querer e fez
isso sob efeito de remédios.
Foi submetido a tratamento com morfina.
Essa postagem foi feita de forma equivocada, tanto que pouco tempo depois, duas ou três
horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou essa postagem.
Hoje nós já tivemos essa contradição em relação ao documento de vacinação e o
que de fato aparece no registro do SUS.
O andar das investigações tem complicado a posição do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas independentemente do futuro dessas investigações, já é notável a variedade de crimes que
estão sob alvo de investigações relativas a condutas do ex-presidente.
Bom, de memória aqui tem milícia digital, os atentados golpistas de 8 de janeiro, o
caso das joias, apologia ao estupro, que é aquele caso da deputada Maria do Rosário,
crimes da pandemia, vazamento de inquérito, interferência na Polícia Federal e ataques
a urnas eletrônicas.
Só pra gente deixar o nosso ouvinte a par de todas essas investigações em que Bolsonaro
é alvo.
Agora, se a Justiça entender que houve falsificação de documento público ou falsidade ideológica,
o ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser preso por causa disso?
Olha, o sistema judicial brasileiro, ele permite a possibilidade de prisão após a
sentença penal, condenatória, transitada em julgado.
Então, só de fato ao fim de qualquer recurso.
E depende do tipo de crime, do tipo de pena que pode ser aplicada no caso, pra saber se
de fato a prisão, ou seja, o recolhimento a um presídio, um regime fechado, se aplica
nesse caso.
Peculato e, no caso, disseminação da pandemia, que são crimes mais graves, podem sim ter
como resultado, ao final do processo, uma condenação a uma pena de prisão, de um
regime fechado, a depender ali das circunstâncias.
Diferentemente, por exemplo, de uma falsificação de documentos.
Mas há um tipo ou outro de prisão, que são as prisões cautelares, antes que se termine
um processo e que tem por objetivo resguardar a aplicação da lei penal.
Então, impedir que testemunhas sejam ameaçadas, impedir que provas sejam destruídas.
E nesse caso, não há muita relação entre a gravidade do crime e essa providência cautelar.
Por enquanto, não há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro será preso cautelarmente.
E Luiz, a gente não sabe, até esse presente momento, se Bolsonaro entrou nos Estados Unidos
e apresentou um certificado de um cartão de vacinação fraudado.
A gente não tem essa informação.
Na hipótese disso ter acontecido, que ele inclusive negou na declaração que fez a
imprensa na quarta-feira, o que pode acontecer?
Ele poderia responder também criminalmente nos Estados Unidos por isso?
Sim, isso pode servir de objeto para uma nova investigação e um novo tipo de responsabilização
criminal lá nos Estados Unidos por um crime específico, tipificado lá, no que se refere
à apresentação de documentos falsos para a autoridade alfandegária.
Isso pode vir a acontecer e depende, claro, da agenda e da movimentação das instituições
do sistema de justiça lá nos Estados Unidos.
Por enquanto, não há nenhuma informação que, de fato, isso esteja sob avaliação
ou em análise pelas autoridades norte-americanas.
Agora, o tenente-coronel Mauro Cid é um dos principais alvos da operação.
Ele também aparece em outros inquéritos, como o inquérito das joias.
Então eu te peço, Luísa, para nos explicar por que os possíveis crimes cometidos por
ele são apurados na justiça comum e não na justiça militar, tendo em vista que ele
é um militar da ativa.
A Constituição Federal, ela é muito clara ao determinar que compete à justiça militar
a apuração de crimes militares definidos em lei.
Quando a Constituição diz isso, ela está claramente vinculando uma natureza de um crime
que só pode ser cometida num ambiente militar, como, por exemplo, alguns casos de insubordinação,
que são, evidentemente, específicos, crimes específicos da área militar.
Crimes comuns, como peculato, fraude, falsificação, nada disso tem uma natureza eminentemente
militar e não haveria nenhuma justificativa para a incidência da justiça militar nesse
caso.
E é importante que a gente tenha um contexto nisso.
De fato, há uma demanda das Forças Armadas para ampliar o alcance da justiça militar
para diversos atos, que não aqueles apenas praticados com natureza estrita, relação
da natureza militar da função.
Há, por exemplo, um pedido para que atividades em garantia de lei e ordem da segurança pública
sejam julgadas pela justiça militar, há reivindicações para que atos outros também
entrem sob o guarda-chuva da justiça militar.
Se a gente for lembrar, até aquela intervenção no Rio de Janeiro, que foi decretada pelo
Temer, colocava ali uma natureza militar do cargo de interventor de braga-neto para assegurar
a justiça militar.
Essas tentativas de ampliação da justiça militar têm que ser prontamente barradas.
Há alguns casos que estão no Supremo Tribunal Federal e é importante que haja uma resposta
muito clara de que deve imperar o nosso princípio republicano, de que deve imperar o princípio
da igualdade e que a justiça militar deve ficar estrita apenas às hipóteses constitucionais.
Heloísa, o que a operação da PF de quarta-feira nos diz sobre a forma como o Bolsonaro lidou
com a pandemia e com outros casos em que ele é investigado?
Bom, nós vivemos no Brasil um descalabro no que se refere à resposta do governo à
pandemia.
Nós tivemos um governo que claramente organizou o aparato estatal para disseminar o vírus
da Covid-19.
Todos os ministros, todos, vocês já sabem qual é a sua pergunta, você quer dizer o
Tem que estar afinado comigo, todos os ministros, indicações políticas minhas.
Acreditou em teorias fantasiosas de cura.
Ah, não tem comprovação científica que seja eficaz, mas também não tem comprovação
científica que não tem comprovação eficaz.
Nem que não tem, nem que tem.
Promoveu a distribuição de medicamentos comprovadamente ineficazes.
E mais ainda, Deus foi tão abençoado que nos deu até a hidroxicloroquina para quem
se acometia da doença.
E quem não acreditou, engula agora.
Eu não sou médico, mas sou ousado.
E boicotou as medidas de isolamento.
Eu tenho que estar do meio do povo, inclusive, queroga, sem máscara.
A comissão parlamentar do inquérito, a CPI, da pandemia de Covid-19, revelou outros tantos
atos como, por exemplo, a omissão e demora na aquisição de vacinas, o desfinanciamento
de medidas para combater a pandemia de Covid-19.
A pressa da vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas.
Quando a gente tem agora, neste momento, já fim do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro,
o avanço de investigações que vão revelando como essa estratégia governamental de disseminação
da pandemia se deu, é muito importante que elas tenham continuidade e cheguem a um termo final.
O próprio relatório final da CPI da pandemia de Covid-19 indicou uma série de medidas
e investigações, algumas delas ainda estão em andamento, mas não houve, naquele momento,
uma resposta suficiente para promover essa responsabilização.
Nós tivemos no campo simbólico a condenação de Jair Bolsonaro pelo Tribunal Permanente
dos Povos por disseminar a pandemia.
O Brasil tem sido reconhecido internacionalmente como um péssimo exemplo de como enfrentar
a pandemia e agora me parece que, finalmente, avança a responsabilização criminal para
aqueles que deliberadamente permitiram a contaminação da população brasileira.
Você falou em outras ocasiões sobre a retração da Procuradoria-Geral da República,
comandada por Augusto Aras, ao investigar atos de Bolsonaro quando era presidente.
Esse caso da vacina é mais um exemplo disso, os órgãos de controle falharam durante a gestão passada,
e mais, no caso da Covid-19, a ideia de recuperar o tempo perdido é uma ideia um tanto complexa.
Qual é a sua opinião sobre isso?
A Procuradoria-Geral da República teve uma atuação ínfima no que se refere ao controle
dos atos governamentais, no que se refere à pandemia.
Não foi a Procuradoria-Geral da República que procurou obstar as medidas bastante inusitadas
adotadas pelo governo, como a distribuição de cloroquina, como campanhas contra as medidas
de distanciamento.
Mas não só a PGR não se colocou contra essas medidas, controlando o governo, como
em grande parte dessas ações que acabou esbarrando no Supremo Tribunal Federal, levada
por partidos políticos, chancelou a posição do governo.
A Procuradoria-Geral da República tem se mantido contrária, avessa a qualquer tipo
de investigação em relação a esses atos.
Mesmo com os inquéritos em andamento, a PGR continua se manifestando, por exemplo,
pela não produção de provas, não oferece denúncias específicas nesse caso.
Então, infelizmente, a gente tem um retrato onde, para que essa pandemia fizesse o estrago
que fez no Brasil, foi necessária a colaboração do principal órgão de controle, que é a
Procuradoria-Geral da República.
Se não tivesse ocorrido a CPI, a gente sequer saberia o que aconteceu durante esses últimos
anos.
É o Procurador-Geral da República quem decide sobre o futuro das investigações das 13
pessoas com foro privilegiado que estão na lista de 80 pedidos de indiciamento feitos
pela CPI.
O presidente Jair Bolsonaro, os ministros Marcelo Queiroga, Onyx Lorenzoni, Braga Neto
e Wagner Rosário, o senador Flávio Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros,
e outros cinco deputados, Eduardo Bolsonaro, Bia Quisses, Osmar Terra, Carlos Zambelli
e Carlos Jordi, além do governador do Amazonas, Wilson Lima.
O relator pediu o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por nove crimes.
Crime de epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas,
emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares,
charlatanismo, prevaricação, crime contra a humanidade e crime de responsabilidade.
Uma nova direção da Procuradoria-Geral da República pode trazer luz a essas escolhas
que foram feitas por esse órgão de controle e também fazer avançar com mais clareza
sobre as razões para se perseguir um determinado crime e não outro daqui para frente.
Sim, ainda é possível responsabilizar.
Eloísa, muito obrigada pela participação aqui no assunto.
Bom trabalho para você.
Foi um prazer, um abraço.
Antes de terminar, se você quer saber mais sobre quem é o Coronel Cid, fica aqui uma sugestão.
Ouvir o episódio do assunto do dia 10 de março com o título
Coronel Cid, o Faz Tudo de Bolsonaro.
É só procurar na sua plataforma de áudio ou na matéria deste episódio no G1.
Alguns dos áudios que você ouviu neste episódio são do SBT e da Jovem Pan.
Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de áudio preferida.
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Comigo na equipe do assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,
Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.
Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.
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