Como pandemia de covid-19 pode levar a revolução nas vacinas
Uma nova tecnologia de vacina que está sendo desenvolvida há 30 anos pode virar realidade
com a pandemia de covid-19.
Eu estou falando das vacinas gênicas.
Elas têm esse nome porque usam engenharia genética para ensinar o nosso corpo a se
defender de um vírus.
Essas vacinas podem ser mais simples de fabricar e seguras de usar e, provavelmente, serão
mais baratas também.
Mas ainda falta algo essencial: provar que elas funcionam.
Eu sou Rafael Barifouse, repórter da BBC News Brasil em São Paulo, e neste vídeo
eu vou explicar o que são as vacinas gênicas e quais as vantagens delas em relação às
vacinas comuns.
Também vou mostrar como o novo coronavírus criou uma oportunidade que elas finalmente
cheguem ao mercado e por que isso pode representar uma revolução em vacinas.
Primeiro, deixa eu contar como funcionam a maioria das vacinas que usamos.
Assim, vai ser mais fácil entender por que a vacinas gênicas são inovadoras.
As vacinas geralmente envolvem injetar um vírus ou bactéria no nosso corpo, para que
o sistema imunológico identifique esse ameaça e crie formas de nos defender.
Dessa forma, se o mesmo vírus ou bactéria nos infectar novamente, o organismo já vai
saber como combatê-lo.
No caso das vacinas contra vírus, elas podem ser feitas com vírus atenuados.
Ou seja, que foram enfraquecidos para se reproduzirem lentamente e não serem capazes de nos deixar
doentes.
Ou com vírus inativados, que foram expostos a calor ou a produtos químicos para não
serem capazes de reproduzir.
Existe ainda a vacina de subunidade, em que apenas fragmentos característicos de um vírus,
como uma proteína, por exemplo, são produzidos em laboratório para serem usados na vacina.
A proposta das vacinas gênicas é diferente.
Em vez de injetar em nós um vírus ou uma parte dele, a ideia é fazer o nosso próprio
corpo produzir a proteína do vírus.
No caso do coronavírus, é uma proteína conhecida como espícula, que se parece com
uma coroa - daí o nome coronavírus.
Essa proteína tem uma grande capacidade de gerar uma resposta do sistema imunológico.
No processo de desenvolvimento da vacina gênica, os cientistas precisam primeiro identificar
a parte do código genético viral que carrega as instruções para a fabricação dessa
proteína e a injetam em nós.
Uma vez que esse material genético é absorvido por nossas células, ele funciona como um
manual de instruções para a produção da proteína.
A célula lê essas instruções e fabrica a proteína.
Depois, ela exibe a proteína em sua superfície, o que alerta o sistema imune e desencadeia
as defesas do nosso organismo.
Em uma infecção ou em uma vacina comum, é o próprio vírus que cumpre esse papel.
Nosso organismo detecta a presença dele em nós e cria formas de combatê-lo.
O que a vacina gênica faz, ao levar nossas células a produzir a proteína, é fazer
com que essas células de certa forma "se disfarcem" de coronavírus.
Nosso organismo identifica a proteína e pensa que ele está circulando em nós, mas na verdade,
não está.
Mas, em teoria, o resultado seria o mesmo de uma infecção ou vacina comum: isso dispara
as defesas do nosso corpo e, neste processo, ele aprende a combater o vírus.
É isso que os cientistas estão pesquisando para ver se dá certo.
As vacinas gênicas oferecerem uma série de vantagens em relação às vacinas comuns.
A imunologista Cristina Bonorino explica que, com as vacinas atenuadas ou inativadas, é
preciso cultivar uma grande quantidade de vírus para usá-los como matéria prima na
fabricação das vacinas.
As vacinas gênicas dispensam isso.
Basta criar em laboratório a sequência genética desejada.
Os cientistas fazem isso por meio da manipulação do genoma do vírus e do uso de enzimas que
realizam processos bioquímicos que têm como produto final o material genético que vai
ser usado na vacina.
Isso exige uma estrutura de produção muito mais enxuta do que a da produção de vacinas
comuns.
O custo também é provavelmente menor, segundo Bonorino.
Além desse tipo de vacina ser produzida mais rapidamente em grande escala, ela também
é mais flexível.
Foi o que me explicou Márjori Dulcine, que é diretora-médica da farmacêutica Pfizer
no Brasil, empresa que está testando uma vacina gênica contra a covid-19.
Esse tipo de vacina é flexível porque, se um vírus sofre mutações, basta identificar
seu novo código genético para fazer uma nova versão.
Ou seja, isso permite adaptar rapidamente a vacina que já existe para combater uma
nova variedade do vírus.
As vacinas gênicas também eliminam o risco de uma pessoa ficar doente ao ser vacinada,
segundo o cientista americano Norbert Pardi.
Isso pode ocorrer com as vacinas que usam vírus atenuados, aqueles que foram manipulados
para se reproduzirem mais lentamente, o que deixa eles menos perigosos para nós.
Isso dá tempo suficiente para que o sistema imunológico de uma pessoa saudável reaja
e, neste processo, aprenda a combater a ameaça.
Mas, se o sistema imune estiver fraco, ele tende a perder essa corrida contra o vírus,
e a pessoa pode adoecer.
Com as vacinas gênicas não tem isso, porque elas não usam um micro-organismo vivo.
É completamente sintética.
O tempo necessário para desenvolver uma vacina também cai drasticamente, segundo Pardi.
Normalmente, demora meses para uma vacina estar pronta para os primeiros testes.
Com a vacinas gênicas, demora semanas.
Pardi cita o exemplo da Moderna, uma empresa americana que está desenvolvendo uma vacina
gênica contra o coronavírus.
Ela levou 42 dias do momento em que recebeu a sequência genética do vírus até começar
os estudos.
Isso é quase impossível com outras tecnologias de vacina.
Mas se estas vacinas têm tantas vantagens, por que ainda não há nenhuma aprovada para
o uso em humanos?
Um dos motivos é que a tecnologia é recente.
A primeira vacina foi criada pelo médico britânico Edward Jenner há pouco mais de
220 anos, na virada entre os séculos 18 e 19, para prevenir a varíola.
As vacinas gênicas estão sendo desenvolvidas há pouco mais de três décadas.
E só mais recentemente as pesquisas começaram a dar resultados animadores.
A princípio, acreditava-se que seria melhor fazer esse tipo vacina usando DNA.
DNA é a molécula que guarda todas as informações genéticas de um organismo.
Essas informações são usadas pelas nossas células para fabricar as proteínas que compõem
o nosso corpo.
Mas, para que isso aconteça, o DNA precisa antes ser transformado em moléculas de RNA.
É o RNA que transporta essas instruções até a parte da célula onde as proteínas
são produzidas.
Os cientistas acreditavam que, ao injetar o DNA do vírus em nós, ele poderia ser absorvido
por nossas células.
Uma vez dentro delas, o DNA seria transformado em RNA para que então a proteína viral fosse
fabricada, dando início à reação imune.
Mas os testes mostraram até agora que as vacinas de DNA não produzem uma resposta
imunológica forte o suficiente em humanos.
E os cientistas ainda sabem exatamente por quê.
Outra alternativa é usar diretamente o RNA.
O problema é que essa molécula é capaz de gerar uma inflamação muito forte em nós
e que pode nos matar.
O RNA também é muito mais instável do que o DNA e se degrada facilmente no nosso organismo.
Isso porque temos por tudo quanto é lado do nosso corpo enzimas que atacam RNA, como
me explicou o imunologista Jorge Kalil «< diretor, Laboratório de Imunologia do Incor»>. Quando há RNA circulando no nosso organismo, ele é geralmente de algum micro-organismo
que está nos atacando.
Por isso, se injetamos o RNA de um vírus sem que ele esteja devidamente protegido,
ele vai ser rapidamente destruído e não vai conseguir chegar na célula para ser absorvido.
Mas, nos últimos 15 anos, cientistas encontraram uma forma de envelopar o RNA com uma partícula
de gordura muito pequena, para impedir que ele se decomponha e consiga chegar até a
célula.
Os pesquisadores também conseguiram reduzir o potencial inflamatório do RNA.
Esses avanços, junto com a pandemia de covid-19, criaram uma oportunidade para que as vacinas
gênicas finalmente se tornem uma realidade.
A covid-19 é uma doença nova, muito contagiosa e mortal, contra a qual a gente ainda não
tem uma vacina.
Criar uma é urgente.
Fazer isso normalmente custa dezenas ou centenas de milhões de dólares, mas agora há muito
dinheiro sendo investido por governos e organizações.
E, quando uma vacina estiver pronta, países do mundo todo terão interesse em comprá-la.
Ou seja, o mercado vai ser enorme.
Hoje, há 40 vacinas gênicas entre as 187 que estão sendo desenvolvidas contra a covid-19,
segundo a Organização Mundial da Saúde.
Dez já são testadas em humanos, e duas estão na última etapa desta parte da pesquisa,
a chamada fase três.
Nesta fase, a vacina é aplicada em dezenas de milhares de pessoas para ver se ela realmente
funciona.
As duas vacinas gênicas que estão nesta etapa são feitas, uma pela Moderna e outra
pela Pfizer, empresas que eu citei agora há pouco.
Nos dois casos, as farmacêuticas já desenvolviam vacinas de RNA para combater outros vírus.
No caso da Moderna, era o Nipah, que pode causar problemas respiratórios e uma inflamação
no cérebro potencialmente fatal.
A Pfizer estava criando uma vacina de RNA contra o influenza, que causa a gripe.
Elas agora estão testando se essa tecnologia funciona contra o coronavírus.
No caso da Pfizer, os testes estão sendo feitos também no Brasil.
O cientista Norbert Pardi diz que as pesquisas mostraram até agora que as vacinas gênicas
contra a covid-19 geraram uma reação do sistema imunológico ao menos tão boa quanto
a das candidatas que usam métodos tradicionais.
O teste final será para ver se essa proteção é duradoura.
A expectativa é que os primeiros resultados sejam divulgados ainda neste ano.
Se eles forem positivos, isso pode ter implicações não apenas para o combate à covid-19.
Uma vez que a gente tenha domínio dessa tecnologia, a tendência é que ela se torne cada vez
mais comum entre as vacinas do futuro.
Por hoje, é só.
Curtiu?
Ficou com alguma dúvida?
Conta pra gente aqui nos comentários.
Fica ligado no nosso canal no YouTube e nas redes sociais da BBC News Brasil.
A gente tem sempre alguma novidade pra você.
Até o próximo vídeo!