Por que o real é a moeda que mais se desvalorizou em 2020
Dezenas de países viram o dólar ficar mais caro desde o início da crise provocada pela
pandemia de covid-19.
Mas é difícil encontrar algum com uma desvalorização da moeda tão intensa quanto o Brasil.
O real perdeu quase 30% do valor ante a moeda americana desde 31 dezembro, o pior desempenho
entre as 30 moedas mais negociadas no mundo.
Sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e explico nesse vídeo porque o real se desvalorizou
tanto e o impacto que isso gera no bolso de todo mundo, mesmo quem não compra dólar.
Como eu falei lá no início, o real não se desvalorizou sozinho.
As moedas de vários países, especialmente emergentes, perderam valor por causa de crise
provocada pela pandemia.
A lógica é mais ou menos a seguinte: Quando o mundo está mais avesso a risco,
os investidores costumam tirar dinheiro de mercados emergentes, como o Brasil, e levá-lo
a mercados considerados mais seguros, ainda que o retorno seja menor.
Com menos dólares circulando, o preço sobe.
Investimento estrangeiro não é a única forma de um país captar dólares – tem
as exportações também, por exemplo.
Mas esse investimento estrangeiro, o chamado investimento em portfólio (no mercado de
ações ou em títulos de dívida) é bastante relevante para o país, como explica a professora
da Fundação Getulio Vargas Claudia Yoshinaga.
E o que a gente tem visto nos últimos meses é uma saída massiva desse capital do país,
como mostram as estatísticas do setor externo do Banco Central e que você pode conferir
na versão em texto dessa reportagem.
Os especialistas com quem eu conversei ressaltaram que essa saída não se deve apenas a fatores
externos, àquela aversão ao risco.
Fatores domésticos também têm contribuído pra derrubar o valor do real.
E para o economista Martin Castellano, chefe do departamento de pesquisas do Institute
of International Finance para a América Latina, o principal deles é o risco fiscal.
O Brasil abriu as torneiras do gasto público para tentar amenizar o impacto da crise na
economia.
E, mais uma vez, ele não estava sozinho: essa mesma estratégia foi usada por vários
países para tentar amortecer o choque, especialmente sobre as populações mais vulneráveis.
A questão seria daqui pra frente.
Não está claro como e se o país vai conseguir reequilibrar as contas passada a pandemia.
É o vai e vem sobre o teto de gastos, que para esses investidores acaba sendo uma espécie
de símbolo do comprometimento (ou falta de comprometimento) do governo com o controle
do orçamento, ou as propostas para aumentar os gastos sem uma contrapartida clara de onde
viriam os recursos, como tem sido o caso do Renda Brasil ou Renda Cidadã.
A falta de uma visão unitária no governo sobre esses assuntos – a briga de Paulo
Guedes e seus técnicos com outras alas do governo – também prejudica a imagem do
país, segundo Catellano.
A professora da FGV Claudia Yoshinaga acrescenta ainda dois fatores, que estão interligados:
o atraso na agenda de reformas – a tributária e a administrativa – e a baixa perspectiva
de crescimento da economia, que também reduz a expectativa de retorno de potenciais investidores.
Ah, e um último ponto: lembra quando o ministro Paulo Guedes deu aquela declaração infeliz
de que as empregadas domésticas viajavam pra Disney quando o dólar custava R$ 1,80?
Ele falou isso quando explicava que a desvalorização do real era reflexo da queda dos juros no
Brasil.
De fato, a redução da Selic, hoje na mínima histórica, tem impacto sobre o câmbio.
Os juros mais baixos diminuem a rentabilidade dos títulos públicos e de ativos de renda
fixa de maneira geral, o que contribui para que parte do capital estrangeiro deixe o país
em busca de um retorno maior pros investimentos.
Ajuda a explicar, mas não justifica completamente porque o Brasil foi a moeda que mais desvalorizou
entre as mais transacionadas no mundo.
Pra encerrar, vamos falar sobre o impacto que isso tem na nossa vida.
Sim, porque o real desvalorizado não pesa apenas no bolso de quem quer ou precisa comprar
dólares ou de quem adquire produtos importados.
A indústria nacional consome diversos insumos importados, como é o caso do segmento eletrônico.
E há uma série de itens cuja formação de preços acaba sendo influenciada pelas
cotações internacionais, como é o caso dos combustíveis e das commodities em geral.
O caso recente do arroz é ilustrativo nesse sentido.
A desvalorização - além da maior demanda internacional, que tem elevado os preços
- tende a aumentar a receita em reais de que vende para fora.
Assim, o produtor às vezes prefere exportar a vender no mercado interno.
A menor disponibilidade, por sua vez, empurra o preço para cima no mercado doméstico.
A mesma lógica vale para o milho, para a soja, para o açúcar… Essa dinâmica ajuda
a explicar porque os alimentos subiram tanto de preço nos últimos meses.
Mas parte do impacto está sendo absorvida pelas próprias empresas, uma particularidade
desse momento em que a gente vive.
Diante da crise, muitos vendedores estão evitando repassar o aumento de custos com
medo de perder negócio.
Eles vão espremendo as margens de lucro.
Isso fica bem visível que a gente olha os índices de inflação.
Aqueles que medem os preços ao produtor dispararam, enquanto os que acompanham os preços ao consumidor
estão ainda bem comportados.
E isso acabou criando um jabuticaba: já ouviu falar do IGP-M, aquele índice que reajusta
contratos de aluguel?
Pois é, um dos componentes do IGP-M é um índice de preços ao produtor.
Por isso, ele acumula alta de mais de 17% nos 12 meses até setembro, contra algo próximo
de 3% no IPCA e no INPC, que geralmente são usados nos reajustes de salários.
Se você tem um contrato de aluguel perto de vencer com o IGP-M com o indexador, conversa
com a imobiliária ou com o proprietário para renegociar e evitar o prejuízo.
Eu fico por aqui.
Obrigada e até a próxima!