China: da revolução comunista ao protagonismo mundial
A China é hoje um dos maiores, mais populosos, mais ricos e mais poderosos países do mundo.
No intervalo de 70 anos, saiu de uma condição agrária, politicamente dividida e economicamente
atrasada, marcada por guerras e revoluções, para se firmar como uma das grandes potências globais.
Hoje, não é possível imaginar o futuro do mundo sem levar em conta o que a China
planeja para o seu próprio futuro.
E para entender o que está por vir é preciso entender primeiro de onde veio todo esse poder
chinês e como esse gigante se move no panorama atual.
Para saber como a China se tornou o que é hoje é preciso voltar pelo menos até 1949.
Foi nesse ano que Mao Tsé-Tung liderou uma revolução comunista vitoriosa que mudou
para sempre os rumos de seu país e do mundo.
Mao foi líder de um movimento de guerrilhas comunistas que vinham fustigando o governo
republicano da China desde os anos 1920.
O poder que foi exercido de 1912 a 1949 pelo partido nacionalista, o Koumintang, ruiu diante
do avanço comunista liderado por Mao, depois de ter resistido a guerras civis, à invasão
japonesa e à Segunda Guerra Mundial.
Com a proclamação da nova República Popular da China, comunista, os membros do derrotado
Kuomintang fugiram para o exílio na ilha de Taiwan.
Um vez no poder, Mao deu início a uma série de mudanças profundas, que levariam essa
nova China a enormes conquistas, e também a enormes desastres.
A China imperial havia sido marcada pelas imensas diferenças econômicas e sociais
entre ricos e pobres.
Por isso, muitos chineses viram em Mao e no comunismo a promessa de maior igualdade.
Uma das primeiras dessas mudanças ocorreu em 1958, com o lançamento de um ambicioso
programa chamado “Grande Salto Adiante”.
Com esse programa, Mao impôs uma profunda e radical reforma agrária em toda a China
e tentou acelerar ao máximo a industrialização do país, com um enorme custo humano.
Nesse período, todos os latifundiários foram expropriados e suas terras foram divididas
pelo Estado comunista.
Nos campos e nas cidades, milhões de pessoas foram remanejadas à força de áreas mais
produtivas para áreas menos produtivas.
A ideia era acelerar o desenvolvimento a todo custo.
O “Grande Salto Adiante” resultou em repressão sobre o povo, mas não em aumento significativo
de produtividade.
No fim, a extrema centralização do planejamento chinês acabou em fome e em dezenas de milhões
de mortos.
Camponeses pegos escondendo alimentos eram punidos como contrarrevolucionários.
O fracasso do plano foi atribuído a sabotagem e a desastres climáticos.
O regime buscava se fortalecer dentro e fora da China.
Em 1964, o país concluiu com êxito seu primeiro teste de uma bomba nuclear, alcançado com
a ajuda indispensável dos parceiros soviéticos.
Nos anos seguintes, o regime colocaria seu primeiro satélite no espaço.
Mas à medida que subia degraus tecnológicos e militares, o regime aumentava os expurgos
dos considerados traidores da revolução.
Entre 1966 e 1976, a chamada Revolução Cultural promoveu perseguições e punições contra
aqueles que o governo considerava culpados pelo fracasso do “Grande Salto Adiante”.
Nessa época, pelotões populares saíram à caça de suspeitos de não fazer o bastante
pelo partido e pela revolução.
A perseguição foi especialmente implacável contra intelectuais e professores universitários.
A exigência de uniformidade, coesão e compromisso era embalada pelos resultados positivos que
a China começou a alcançar a partir dos anos 1960.
A taxa de mortalidade despencou.
A expectativa de vida, que em 1960 era de apenas 43 anos, passou a ser de 66 anos em
1978 e de 76 anos em 2016.
Se em 1982 o percentual de chineses alfabetizados era de cerca de 65%, esse índice chegou a
mais de 95% em 2010.
Como em outros países comunistas à mesma época, a supressão de liberdades, as prisões
políticas e a perseguição de dissidentes eram o preço imposto pelo partido em troca
da melhoria dos indicadores sociais.
Mas nem mesmo o bloco comunista era coeso.
Apesar das semelhanças na centralização econômica e na aproximação geopolítica,
as diferenças entre China e União Soviética sempre existiram.
Já nos anos 1950, a China não queria ser tratada como mais um satélite soviético,
que tinha feito sua revolução comunista bem antes, em 1917.
Além disso, Pequim e Moscou divergiam sobre limites territoriais.
Por fim, a China não recebeu o apoio esperado dos soviéticos quando moveu tropas à Península
da Coreia numa guerra de alto custo que teve a participação, do lado contrário, dos EUA.
Essa coleção de desavenças e atritos levou ao conflito sino-soviético, em 1969, que
viria marcar a relação entre as duas potências comunistas até o colapso da União Soviética
nos anos 90.
A grande figura fundadora do Partido Comunista Chinês, Mao Tsé-Tung, morreu em 1976.
Dois anos depois, em 1978, Deng Xiaoping assumiu como secretário-geral do partido, dando início
a uma série de reformas para a abertura do partido e do país.
Para entender essas transições políticas é preciso entender primeiro o papel do Partido
Comunista na política e na sociedade chinesa.
A China tem um regime de partido único.
Isso significa que nenhum outro grupo político está autorizado a disputar o poder.
Todo debate político deve ocorrer única e exclusivamente dentro do partido.
Esse partido é determinante não apenas na gestão dos assuntos burocráticos do governo.
Ele é um partido que influencia todas as esferas da vida em sociedade no país.
Hoje, de uma população de 1 bilhão e 386 milhões de pessoas, 88 milhões de chineses
fazem parte do Partido Comunista.
Essa estrutura onipresente recruta os jovens que participarão da gestão do Estado.
Esses jovens ascendem na carreira da mesma forma que um soldado ascende na hierarquia
militar ou um estagiário numa empresa privada.
No topo da estrutura partidária, está, teoricamente, o Congresso Nacional do Povo, formado por
quase 3.000 membros.
As decisões, no entanto, são tomadas por instâncias bem mais exclusivas.
A primeira delas é o Comitê Central do Partido Comunista, formado por 350 membros.
Num círculo mais fechado, está o Politburo, formado por 25 membros.
Por fim, estão os sete membros do Comitê Permanente do Politburo.
O secretário-geral do Partido Comunista – cargo que foi ocupado por Mao e por Deng, entre
outros – é a figura mais importante da China.
O secretário-geral do Partido exerce as funções de presidente.
Essa estrutura complexa e altamente burocratizada foi capaz de se adaptar a todas as transformações
pelas quais a China passou desde 1949.
Assim, quando Deng Xiaoping foi aclamado secretário-geral, em 1978, teve início um período de aceleradas
transformações políticas e econômicas.
A principal mudança introduzida por ele foi a de de migrar a economia chinesa de um modelo
de planificação centralizada para o que muitos passaram a chamar de “socialismo
de mercado”.
Ou como os próprios chineses preferiram chamar: “socialismo com características chinesas”.
Algo muito peculiar.
Nesse modelo, o Estado continua tendo grande controle sobre a economia, em relação às
metas de longo prazo e à visão estratégica.
É ele quem decide onde e como investir, onde e como produzir.
Porém, o Estado admite que certos setores da economia sejam explorados por entes privados.
Esse processo de abertura relativa marca os anos 1980 e 1990 na China.
O Produto Interno Bruto do país, que tinha crescido pouco mais de 5,1% em 1981, cresceu
15,1% em 1984.
Novamente, a melhora dos indicadores foi obtida por meio de um alto custo para a população.
Para aumentar a produtividade, a China violou direitos trabalhistas, propriedade intelectual,
meio ambiente e direitos humanos.
Em 1989, milhares de chineses – a maioria estudantes – realizaram uma série de protestos
por todo o país, e especialmente na capital, Pequim.
Apesar de toda a repressão, eles saíram às ruas para pedir democracia.
O regime vinha se abrindo, mas os estudantes descobriram que nem tanto.
Militares e tanques de guerra foram enviados para reprimir as manifestações.
Uma imagem em particular correu o mundo e tornou-se símbolo do movimento: a de uma
pessoa não identificada enfrentando uma coluna de tanques na Praça da Paz Celestial.
As estatísticas sobre o número de mortos nesse episódio variam entre centenas e milhares.
O caráter fechado do regime torna impossível saber o saldo do que ficou conhecido como
o Massacre da Praça da Paz Celestial.
O início dos anos 1990 foram de aprofundamento das reformas econômicas e de manutenção
do crescimento, com baixa inflação.
Em 1992, o Produto Interno Bruto chinês cresceu 14,2%.
No fim desse período, já em 2001, o país passou a fazer parte da OMC, a Organização
Mundial do Comércio.
Em 2008, o país sediou os Jogos Olímpicos, recebendo em Pequim quase 12 mil atletas de
mais de 200 países, e transmitindo a todo o mundo suas gigantescas obras de infraestrutura
e capacidade de organização.
Mas, no final dos anos 2000, a economia passou por uma mudança em sua trajetória de alta.
No fim de 2008, começou a esfriar a demanda internacional por produtos chineses.
E o ritmo do crescimento cai de 14,2% ao ano em 2007 para 9,7% em 2008 — uma desaceleração
considerável.
A partir de 2010, o PIB chinês começou a crescer a taxas cada vez mais baixas, ficando
abaixo do patamar dos 10% a partir de então.
Paralelamente, o governo passou a estimular o mercado interno.
Melhorou salários e buscou dar mais poder de compra aos trabalhadores.
Em 2012, Xi Jinping tornou-se secretário-geral do Partido Comunista, e, em 2013, assumiu
o posto que equivale ao de presidente da China, depois de ter galgado os maiores postos das
estruturas do Partido Comunista.
O novo líder trouxe consigo uma importante mudança geracional: ele foi o primeiro dos
chefes de Estado chineses nascidos depois da revolução liderada por Mao Tsé Tung em 1949.
O período de Xi Jinping está marcado pela consolidação do poder chinês em nível global.
A China retomou antigas reivindicações territoriais no sudeste asiático.
Ele também criou um ambicioso programa chamado Nova Rota da Seda, ou Belt and Road,
como o projeto é apresentado ao mundo, em inglês, com o qual pretende ligar o mundo
por meio de novos portos, aeroportos e estradas construídas pela China ou em parceria com
empresas chinesas.
O país avançou sobre novos mercados não apenas na Ásia e na África, mas também
na América Latina, mexendo com interesses diretos americanos e de outros atores na região.
A rivalidade com os EUA se tornou ainda mais aguda a partir da eleição de Donald Trump
como presidente dos EUA, em 2016.
As projeções indicam que a China pode passar os EUA como primeira economia do mundo até 2050.
Toda essa rivalidade aberta entre Pequim e Washington fez com que Trump abrisse uma guerra
comercial contra os chineses.
O presidente americano começou a impor paulatinamente taxações
sobre a importação de produtos chineses.
A guerra comercial também esbarra em interesses militares.
Trump proibiu que uma gigante chinesa das telecomunicações entrasse no mercado americano.
É esse crescente protagonismo da China na economia e na política que deve pautar os
rumos do mundo globalizado nos próximos anos.
Ao ocupar cada vez mais espaço, a China também provoca cada vez mais reações.
A mudança na ordem mundial, hoje dominada pela preponderância dos interesses americanos,
trará consigo um rearranjo de forças, com consequências para todos os envolvidos.
E é nesse rearranjo que os chineses buscam exercer o papel expansivo e poderoso que o
país já teve muitas vezes ao longo de sua história milenar, e cujo impulso mais recente
teve início com a Revolução de 1949.