BANDEIRANTES | EDUARDO BUENO
Verdadeira história de São Paulo foi escrita a fogo e a sangue pelos bandeirantes.
E é isso que você vai ficar sabendo aqui, no "Não Vai Cair no ENEM".
Sou caboclo regionário. Um bandeirante paulista. Combatente voluntário.
Os bandeirantes, embora tenham tido um papel fundamental na história do Brasil,
não faziam parte dela, enquanto essa história estava sendo escrita aqui, no Rio de Janeiro.
Sim, estamos no Rio de Janeiro.
Porque, quando o Brasil se torna independente de Portugal,
os "neo-brasileiros", embora fossem portugueses,
concluem que o Brasil não tinha história.
Sua história era apenas aquela que Portugal contava.
Então, em 1838, 16 anos depois da Independência,
se cria o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Em 1845, é lançado um concurso pelo D. Pedro II com o título "Como se Deve Escrever a História do Brasil",
concurso esse vencido por um alemão, Von Martius, que escreveu um livro que durante anos
foi o guia-mestre, o guia-base para se contar a história do Brasil.
Nele, não tinha nenhum bandeirante.
Até porque este nome nem existia.
Porém, quando São Paulo começa a enricar graças à lavoura do café,
os paulistas olham e dizem assim: "Pô, mas a história é contada só por carioca, lá na Corte, no Rio de Janeiro.
E não é a história verdadeira!
A história verdadeira vamos contá-la nós!"
E é muito incrível, porque isso ainda por cima começa a acontecer no Museu do Ipiranga.
E ali, nos anos 20, do século XX, surgiram estudiosos que disseram:
"Está na hora de contarmos a verdadeira história do Brasil."
E inventaram os bandeirantes.
Claro que os bandeirantes existiram.
Claro que os bandeirantes tiveram uma ação efetiva e intensa na história do Brasil.
Só que essa história não era contada, porque os bandeirantes agiram fora da lei.
Porque os bandeirantes não eram os três mosqueteiros, eles não se vestiam com aquelas roupas
que eles aparecem nesses quadros do Museu do Ipiranga.
Domingos Jorge Velho. Raposo Tavares. Anhanguera. Amador Bueno. Não. Na vida real
eles andavam de pés descalços, com roupas quase esfarrapadas, falavam praticamente só tupi e
eram quase que exclusivamente caçadores de índios. Piratas do sertão.
Gente que vivia do que roubava.
E a frase "Gente que vivia do que roubava" não é minha, é do Conselho Ultramarino português,
que quando viu as ações do Domingos Jorge Velho, que foi contratado para atacar o Quilombo dos Palmares,
em Alagoas, para atacar o Zumbi, foi contratado pelo Conselho Ultramarino, que disse:
"É gente bárbara que vive do que rouba."
Inclusive, quando o bispo de Pernambuco conheceu esse mesmo Domingos Jorge Velho, disse:
"É um dos maiores selvagens com os quais tenho topado. "
E a conversa entre Domingos Jorge Velho e o bispo de Pernambuco, teve que ter um intérprete,
porque o Domingos Jorge Velho praticamente só falava a língua geral. Que é o tupi.
Cara, isso explica facilmente porque que esses bandeirantes surgiram em São Paulo,
inclusive eles eram chamados de paulistas e de sertanistas.
O nome bandeirantes surgiu muito tempo depois. Surgiu no final do século 19.
Eles eram sertanistas, porque viviam no sertão, e sertão você sabe o que quer dizer sertão, claro, né.
Sertão quer dizer "desertão". É. Eram vastas extensões de terras
selvagens, selváticas, pelo interior do Brasil, só que elas não estavam desertas, né.
Elas estavam ocupadas por milhares de indígenas, se calcula que, inclusive que os
bandeirantes ao atacar-lhes as missões jesuíticas: as missões no Guairá, do Paraná;
do Itatim, no Mato Grosso; do Tape, no Rio Grande do Sul.
Atacarem esses lugares que os jesuítas tinham criado, as reduções, teriam escravizado
356.720 indígenas.
Segundo os cálculos de um historiador, chamado Alfredo Ellis Jr., mas parece que foi
356.720,5. Porque tinha um anão, que ele esqueceu de contar, não sei se é o anão do Game of Thrones.
Mas o fato, é que ao atacarem essas missões, os bandeirantes paulistas teriam
escravizado em torno de 400 mil índios,
destruíram essas missões e trouxeram esses índios para serem vendidos como escravos em São Paulo,
para trabalhar na Baixada Santista e na lavoura canavieira do Nordeste do Brasil,
esses bandeirantes muito apropriadamente não viraram nome de rua, né.
Eles são nome de estrada, tamanha a locomo-, o jeito que eles se locomoviam inacreditavelmente,
mesmo pelo Brasil, alguns deles caminharam 3 mil, 4 mil quilômetros, a pé.
O que mais se notabilizou deles é o Raposo Tavares.
Raposo Tavares tem uma história bem interessante, né, o pai dele chegou no Brasil fugido por
ter roubado dinheiro da coroa, mesmo assim virou um dos capitães-mores de São Vicente, na Baixada Santista,
do lado de Santos, em São Paulo, depois o próprio Raposo Tavares morou e viveu em São Paulo,
a vida inteira e atacou as missões no Rio Grande do Sul, em 1627, né.
Depois, por volta de 1640, ele fez uma jornada que se iniciou em São Paulo e o levou até a Bolívia
quase até os Contrafortes dos Andes e ele desceu pelos rios formadores do
Amazonas até Belém do Pará, em Belém do Pará voltou para São Paulo, tudo a pé ou em canoas indígenas.
Quando chegou em São Paulo, não foi reconhecido nem pela pró-, nem pelo próprio cão.
Verdade, o cachorro dele, que nem o cachorro do Ulisses, na Odisseia, latiu para ele,
quando ele voltou, e o cão latiu e depois desfaleceu.
Como se constituíam essas bandeiras. Elas eram basicamente feitas por:
um capitão-mor, com poder de vida ou morte sobre as pessoas que o acompanhavam;
uma dúzia de homens brancos, absoluta maioria deles paulistas, nascidos em São Paulo;
300 ou 400 mamelucos, ou seja filhos de mãe indígena com o pai português;
e às vezes até 2 mil índios, ou escravos, ou domesticados. Essas bandeiras se punham em marcha
partindo, a partir, de São Paulo, porque São Paulo ficava no centro de uma rede de trilhas indígenas
é incrível. É incrível. Todas as grandes estradas brasileiras
eram trilhas pré-históricas percorridas pelos índios.
A Régis Bittencourt, que vai de São Paulo a Curitiba e ao sul do Brasil,
a Via Anchieta, a Imigrantes, Via Dutra, a Castelo Branco, a Fernão Dias,
todas essas estradas que unem, que tornam São Paulo a capitão-, capital geográfica
do Brasil, e que unem São Paulo a todo o resto do Brasil eram, originalmente, percorridas pelos índios,
os bandeirantes que aprendem a viver que nem os índios, a caminhar em fila indiana, que nem os índios,
a sobreviver na mata comendo mel silvestre, comendo palmito,
vivendo de caça e de pesca, criando abrigos de folhas, tudo.
Uma técnica de sobrevivência tupi, todas elas aprendidas pelos paulistas.
E aí quais são os principais bandeirantes, a gente ia acabar sabendo os nomes de cabeça:
Fernão Dias, que é um cara que ficou sete anos no sertão procurando esmeraldas, encontrou turmalinas,
achavam que eram esmeraldas e morreu feliz da vida, sem saber que não tinha encontrado nada de real valor;
Raposo Tavares, né, do qual eu já falei, que é o bandeirante por excelência;
O Anhanguera ia ser uma maravilha, né, que é o cara que pôs fogo na cachaça dizendo
"É água", mostrou para os índios, "Água" botou fogo, Anhanguera, o Diabo Velho,
Bartolomeu Bueno da Silva, um homem de uma crueldade impressionante;
Domingos Jorge Velho, que é o cara que combateu o Quilombo dos Palmares;
então, e outro bandeirante que se notabilizou, é o Borba Gato, se notabilizou tanto que virou um "monstromento",
é, como é chamada uma estátua de ladrilhos que tem em São Paulo, que é a coisa mais quite,
daquela cidade já quite por si, porque os bandeirantes foram chamados de raça de gigantes
por esses historiadores do Museu do Ipiranga, né, e viraram gigantes mesmo,
principalmente gigante de ladrilho.
Outro momento engraçado dessa história dos bandeirantes, que vale a pena ressaltar,
é que em 1954, São Paulo completou 400 anos, então esses 400 anos fizeram com que houvesse
uma grande celebração da história de São Paulo, a inauguração do Parque do Ibirapuera,
grandes exposições e "paralá", e daí surgiram os paulistas "quatrocentões", todos muito ricos,
muitos deles cafeicultores, e aí se orgulhando das suas origens, só que as origens deles
eram justamente esses caçadores de índios, esses piratas do sertão.
Né, mas é. Aí.
Só que eles já tinham virado, quase, uma nobiliarquia, né, e esses caras viraram heróis,
é impressionante, eles não tiveram nada de herói, e é assim que encerro esta história.
A história é fabricada,
a história é inventada e teve um lado muito legal de São Paulo
inventar esses seus heróis, que aliás são a cara de São Paulo, para contrapor a essa história
contada no Rio de Janeiro pelo Instituto Histórico Geográfico,
entendeu. E pelo menos eles criaram genuínos heróis brasileiros.
Genocidas, assassinos e heroicos.
É isso, você só vai ouvir essa história aqui, no 'Não vai cair no ENEM', comigo Eduardo Bueno.
O que você acaba de ver está repleto de generalizações e simplificações,
mas o quadro geral era esse aí mesmo.
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram, então você vai ter que ler.