×

Używamy ciasteczek, aby ulepszyć LingQ. Odwiedzając stronę wyrażasz zgodę na nasze polityka Cookie.


image

BBC Brasil 2020 (Áudio/Vídeo+CC), Como o Brasil que alimenta 1 bilhão no mundo tem 10 milhões passando fome

Como o Brasil que alimenta 1 bilhão no mundo tem 10 milhões passando fome

[Sep 27, 2020].

Um dos pontos mais importantes e menos comentados do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU foi esse:

"No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado. Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial. O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos."

Impressionante, né?

Mas talvez mais impressionantes ainda sejam os dados divulgados pelo IBGE menos de uma semana antes da fala do presidente: Mais de 10 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, segundo o órgão.

Em outras palavras, essa multidão, que inclui crianças, literalmente passa fome no Brasil.

Mas como afinal de contas o mesmo país que alimenta boa parte do planeta tem ao mesmo tempo tantos milhões de famintos?

Eu sou Ricardo Senra, repórter da BBC News Brasil aqui em Londres, e neste vídeo eu explico três pontos-chave dessa triste contradição.

E também faço um raio-x da fome e da produção de alimentos no Brasil.

Para isso, eu conversei com alguns dos principais especialistas do país em temas como acesso à alimentação adequada e fome.

Já já eu falo mais sobre isso, mas vamos começar pelo raio-x da fome com base na pesquisa de orçamentos familiares, a POF, do IBGE, divulgada no dia 17 de setembro, e que se refere aos anos de 2017 e 2018.

Ela identificou que o total de pessoas com alimentação em quantidade suficiente e satisfatória no Brasil é a mais baixa dos últimos 15 anos.

Vale lembrar que isso tudo acontece pouco depois de o país finalmente a sair do Mapa da Fome das Nações Unidas, uma conquista que foi aplaudida no mundo inteiro em 2014.

Pois é, de acordo com uma nova pesquisa 10,3 milhões de brasileiros passavam fome durante o levantamento.

Esse é um aumento de 3 milhões de pessoas sem acesso normal a refeições em apenas cinco anos.

Essa conta não inclui pessoas em situação de rua, o que tornaria esse cenário, segundo especialistas, ainda mais dramático A fome no Brasil é registrada principalmente em áreas rurais, outra contradição já que os alimentos são produzidos nestas regiões.

Desses mais de 10 milhões de brasileiros que passam fome, segundo o IBGE, 7,7 milhões vivem em áreas urbanas, enquanto 2,6 milhões estão em áreas rurais.

O X da questão aqui é proporção.

Esses dados mostram que 23,3% da população urbana têm fome, enquanto 40,1% da população rural passam pela mesma situação.

Ainda segundo a pesquisa, do total de brasileiros que passavam fome no período investigado, 41,5% viviam na região Nordeste, seguidos pelo Sudeste e pelo Norte.

Aqui é preciso que a gente entenda três conceitos importantes nessa discussão.

O que são a insegurança alimentar leve, a moderada e a grave.

A insegurança alimentar leve acontece quando a família não tem certeza se vai conseguir ter acesso a alimentos no futuro e quando a qualidade da comida na mesa já é ruim.

Segundo o IBGE: "Nesse contexto, os moradores assumem estratégias para manter uma quantidade mínima de alimentos disponíveis."

Trocar um alimento por outro que esteja mais barato, por exemplo.

Já a insegurança moderada surge quando os moradores têm uma quantidade restrita de alimentos.

Ou seja, quando tem menos comida na despensa do que o satisfatório.

Por fim, a insegurança grave aparece, nas palavras IBGE, quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos.

É aí que se encaixa definição de fome.

E se a gente considerar esses 3 tipos de insegurança, a gente chega no problema do acesso à alimentação de qualidade, que também é grave no Brasil.

Segundo o IBGE, pelo menos metade das crianças com menos de 5 anos viviam em casas com algum grau de insegurança alimentar.

Isso equivale a 6,5 milhões de crianças.

Agora, se a referência for a insegurança grave, a fome de fato, 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas entre 5 e 17 anos vivem nessa condição no Brasil.

É muita gente! Isso me traz para o segundo ponto deste vídeo: o raio-x da produção de alimentos no Brasil.

Diferentemente do que o presidente Jair Bolsonaro afirmou, o Brasil não desponta como o principal produtor de alimentos do planeta.

Hoje é o terceiro, atrás só da China e dos Estados Unidos, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, que é o maior representante da indústria de alimentação do país, o Brasil exportou comida para mais de 180 países no último ano.

E essas exportações movimentaram US$ 34,1 bilhões no ano passado.

A maior parte US$ 36,8 bilhões foi para a Ásia, principalmente na China.

Em seguida, vêm a União Europeia, com 18,8% das exportações, e Oriente Médio, com 14,3%.

A associação traz informações interessantes: a gente é o segundo exportador mundial de alimentos industrializados em volume e o quinto em valor.

Somos o primeiro produtor e exportador de suco de laranja em todo mundo, o segundo produtor e o primeiro exportador mundial de açúcar.

O segundo produtor e o primeiro exportador mundial de carne bovina e idem para carne de aves.

A gente também é o segundo exportador mundial de café solúvel e essa me surpreendeu!

O Brasil é o segundo produtor mundial de bombons e doces.

Pois é, mas aqui a gente vai para o coração desse vídeo: por que produzindo tanta comida e tendo tanta comida para exportar nós temos tantos brasileiros com fome.

O primeiro ponto aqui é quem alimenta quem.

É importante diferenciar o papel do agronegócio dos pequenos produtores familiares na produção de alimentos no Brasil.

Talvez você se surpreenda de novo.

De acordo com o último censo agropecuário do IBGE, 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros vêm da agricultura familiar.

A gente está falando aqui de terras pequenas, administradas por pessoas da mesma família ou de famílias próximas, que produzem para própria alimentação e vendem o excedente.

Agricultura familiar é diferente das grandes monoculturas de soja ou de café ou daqueles grandes pastos da pecuária e agronegócio.

Ela produz uma diversidade enorme de alimentos: de mandioca e hortaliças a milho, leite e frutas.

E é graças a ela que o nosso prato pode ser farto e colorido, como recomendam os nutricionistas.

Já o famoso agronegócio, que corresponde aos grandes produtores, é responsável por boa parte do PIB brasileiro, tem representantes em vários níveis da política, ele é principalmente destinado à exportação.

Eu falei sobre esse assunto com o Daniel Balaban, que é o diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil.

Ele me disse o seguinte: "O agronegócio, por isso que o nome é negócio, né?

Ele vai aonde pagam mai, aonde ele mais ganha, tem mais lucro.

Então, como um dólar a R$ 5,50, um dólar supervalorizado, fez com que o produto brasileiro ficasse muito barato para exportação.

Ele prefere exportar, no qual ele vai conseguir a cada dólar que ele receber está recebendo R$ 5,50 do que botar aqui no Brasil a R$ 5,50 e, claro, perante os preços básicos dos alimentos aqui, entendeu?

Vamos ver um pacote de 1 kg de arroz, né?

Como é o caso do arroz que subiu demais, então, ele vai preferir sempre exportar, enquanto ele tiver mercado lá fora.

Tanto é que o agronegócio brasileiro ele exporta tudo que tem e só o que não tiver mercado lá fora é que ele bota aqui dentro."

Já o Kiko Afonso, que é diretor-executivo da Ação da Cidadania, aquela ONG fundada pelo Betinho, para combater a fome e a miséria no Brasil, diz que a política de agricultura brasileira se orienta para as exportações.

O que nas palavras dele pode ser bom para balança econômica, mas péssimo para consumo local, principalmente para as populações mais vulneráveis.

"Olha só, então você soma dois grandes fatores, né?

Uma política de governo que olha para o agronegócio para exportação em detrimento do pequeno produtor, o que encarece o alimento.

E uma segunda vertente, onde você tem uma desigualdade social absurda, onde a grande maioria da população vive com um salário muito abaixo de um média aceitável para se sobreviver."

E aqui a gente entra em mais um ponto importante dessa história: a atenção destinada à agricultura familiar, aquela que põe comida na mesa do brasileiro, como a gente viu, tem encolhido.

"Por exemplo, os pequenos agricultores familiares eles tinham o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, né?

Este programa chegou a ter orçamento bilionário, né?

Um R$ 1,5 bilhão por ano Hoje, não chega a R$ 100 milhões.

O Pronaf, que é o Programa de Apoio ao Agricultor Familiar, né.

Diminuiu bastante o número de empréstimos para eles, que tinham com juro subsidiado e outros programas, por exemplo, de captação de água da chuva.

O Brasil também tinha programa de cisternas que apoiava.

Isso também caiu drasticamente.

Essa população de campo ela é muito vulnerável.

Então, ela precisa que esteja sempre sendo incentivada e sendo apoiada por políticas públicas do governo", "E estamos falando de muita gente que pode morrer por causa de fome nos próximos meses no Brasil.

Nosso fundador, o Betinho, sempre dizia isso: que a fome é uma das piores senão a pior indignidade que o ser humano pode ter."

E eu aproveito esse gancho para entrar no terceiro ponto.

Chama muita atenção o fato de que a fome no Brasil esteja concentrada nas regiões rurais, como a gente disse, aquelas onde se produz a comida.

O que dizem os especialistas sobre isso?

Eu também falei com o economista Marcelo Neri, que é professor da FGV e ex-presidente do Ipea e ex-ministro-chefe da secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e 2015.

Ele me disse que "o morador do campo é o mais pobre, é o que produz alimentos mas não ganha o suficiente para comprá-los."

Em 2019, segundo o professor 53% dos 20% mais pobres do Brasil e 10% dos 20% mais ricos do Brasil declaravam que faltava dinheiro para alimentação.

Já no resto do mundo, segundo ele, os números eram 48% nos 20% mais pobres, e 21% nos 20% mais ricos.

Ou seja, ele explica, os nossos pobres têm hoje mais insegurança alimentar do que no resto do mundo, enquanto os nossos mais ricos têm menos.

É a famosa "desigualdade tupiniquim", ele diz.

Os outros especialistas concordam com ele.

"O Brasil teve muitas políticas de ajuda aos pequenos agricultores familiares no passado, e essas políticas perderam força nos últimos governos.

Já no final do Governo da Dilma, Temer e agora.

Então, isso faz com que, além de diminuírem a produção, eles não produzirem e acaba tendo fome no campo."

"E elas acabam tendo que migrar ou para centros urbanos para morar em favelas e regiões super pobres, em condições super difíceis, ou elas têm que se adequar a trabalhar para esses grandes agronegócios."

Agora, uma pergunta que muitos de vocês podem estar se fazendo é a seguinte: como é que a pandemia do novo coronavírus afeta o cenário da fome no Brasil.

O Daniel Balaban, do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU, responde essa pergunta: "É triste dizer isso, mas o Brasil tem uma renda, uma renda média de R$ 480.

De repente, quando 65 milhões de pessoas receberam R$ 600 na sua conta, o Brasil diminuiu incrivelmente, durante este período dos recursos emergenciais, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza."

De fato, uma pesquisa da FGV divulgada em julho mostrou que a faixa da população que vive em extrema pobreza caiu de 4,2 para 3,3% da população.

É a menor taxa dos últimos 40 anos no Brasil.

O conceito de extrema pobreza se refere àquelas pessoas que vivem com menos de um US$ 1,90 por dia ou R$ 154 mensais.

Mas então isso é motivo para comemorar?

"Se a gente já tinha antes esses mais de 80 milhões de brasileiros em algum grau de insegurança alimentar, seja leve, moderado ou grave, né? Esse número certamente vai aumentar.

A recessão e a crise claramente não são questões que vão ser resolvidos no curto prazo.

O desemprego já é quase recorde no Brasil e a gente vê claramente que o auxílio emergencial é insustentável no modelo atual."

O diretor da ONU concorda: "O problema todo é que quando acabarem esses recursos emergenciais volta-se ao problema anterior, porque o problema anterior era estrutural, e esse recurso é emergencial."

Já o Marcelo Neri, da FGV, me disse o seguinte sobre a fome e a pandemia no Brasil: "Segundo o nosso último levantamento, apesar da queda da renda do trabalho recorde de 20,5% na pandemia, cerca de 13,1 milhões de pessoas saíram da pobreza em plena pandemia."

O que explica esse paradoxo, ele diz é a generosa entre aspas concessão do auxílio emergencial que chegou a 67 milhões de brasileiros ao custo de R$ 322 bilhões durante 2020.

O problema é que o auxílio termina em 31 de dezembro.

Ele diz: "E aí não são só os ex-pobres que vão voltar à condição inicial.

Eles vão ter a companhia de novos pobres deslocados pela pandemia."

Eu também quis saber se os números sobre a fome no Brasil divulgados pelo IBGE surpreenderam esses especialistas.

Dá uma olhada nas respostas: "Infelizmente, para a Ação da Cidadania, não surpreendem, é porque a gente sabia dessa da dimensão, né, do do que vinha por aí.

Sabia da dimensão das famílias que estavam na ponta nos pedindo alimento, ao invés de educação, saúde etc.

Quando a pessoa abre mão desses outros direitos para pedir comida, é porque a situação está realmente muito grave."

O Marcelo Neri trouxe novos dados e disse que os resultados da pesquisa do IBGE desafiam aqueles que acreditam que a fome é coisa do passado no Brasil.

"Antes que ataquem o mensageiro, observamos o mesmo drama em evidências internacionais sobre o Brasil."

A proporção daqueles que não tem dinheiro para comprar alimentos cai de 20% até 18% e depois sobe para 30% em 2017/2018, o que é consistente em termos de período e prazos com a última pesquisa do IBGE.

Esse mesmo patamar de 30% é mantido em 2019.

A gente aqui na BBC News Brasil vai continuar acompanhando os números e principalmente as histórias reais de milhões de brasileiros e brasileiros que estão passando fome nesse momento.

Obrigado por nos seguir até aqui.

Eu espero que este vídeo tenha ajudado vocês a entenderem, a conhecerem mais sobre esse triste cenário e logo logo a gente volta com mais vídeos.

Até lá!


Como o Brasil que alimenta 1 bilhão no mundo tem 10 milhões passando fome How Brazil that feeds 1 billion people in the world has 10 million going hungry Comment le Brésil, qui nourrit 1 milliard de personnes dans le monde, compte 10 millions de personnes souffrant de la faim ? Hoe Brazilië, dat wereldwijd 1 miljard mensen voedt, 10 miljoen mensen honger laat lijden

[Sep 27, 2020].

Um dos pontos mais importantes e menos comentados do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU foi esse: One of the most important and least commented points of President Jair Bolsonaro's speech at the UN General Assembly was this one:

"No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. "In Brazil, despite the world crisis, rural production has not stopped. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. The man in the field worked as never before, producing food for more than 1 billion people. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado. Brazil contributed so that the world would continue to be fed. Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial. We guarantee food security for one-sixth of the world's population. O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos." Brazil emerges as the world's largest food producer."

Impressionante, né?

Mas talvez mais impressionantes ainda sejam os dados divulgados pelo IBGE menos de uma semana antes da fala do presidente: Mais de 10 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, segundo o órgão. But perhaps even more impressive are the data released by the IBGE less than a week before the president's speech: More than 10 million Brazilians live in a situation of severe food insecurity, according to the agency.

Em outras palavras, essa multidão, que inclui crianças, literalmente passa fome no Brasil. In other words, this crowd, which includes children, literally starves in Brazil.

Mas como afinal de contas o mesmo país que alimenta boa parte do planeta tem ao mesmo tempo tantos milhões de famintos? But how is it that the same country that feeds a large part of the planet has so many millions of hungry people at the same time?

Eu sou Ricardo Senra, repórter da BBC News Brasil aqui em Londres, e neste vídeo eu explico três pontos-chave dessa triste contradição. I am Ricardo Senra, reporter for BBC News Brazil here in London, and in this video I explain three key points of this sad contradiction.

E também faço um raio-x da fome e da produção de alimentos no Brasil. And I also do an x-ray of hunger and food production in Brazil.

Para isso, eu conversei com alguns dos principais especialistas do país em temas como acesso à alimentação adequada e fome. For this, I talked to some of the country's leading experts on topics such as access to adequate food and hunger.

Já já eu falo mais sobre isso, mas vamos começar pelo raio-x da fome com base na pesquisa de orçamentos familiares, a POF, do IBGE, divulgada no dia 17 de setembro, e que se refere aos anos de 2017 e 2018. I'll talk more about this in a moment, but let's start with the hunger x-ray based on the IBGE's household budget survey, the POF, released on September 17, and which refers to the years 2017 and 2018.

Ela identificou que o total de pessoas com alimentação em quantidade suficiente e satisfatória no Brasil é a mais baixa dos últimos 15 anos. She identified that the total number of people with sufficient and satisfactory food in Brazil is the lowest in the last 15 years.

Vale lembrar que isso tudo acontece pouco depois de o país finalmente a sair do Mapa da Fome das Nações Unidas, uma conquista que foi aplaudida no mundo inteiro em 2014. It is worth noting that this all comes shortly after the country finally pulled off the United Nations Hunger Map, an achievement that was applauded around the world in 2014.

Pois é, de acordo com uma nova pesquisa 10,3 milhões de brasileiros passavam fome durante o levantamento. That's right, according to a new survey 10.3 million Brazilians were hungry during the survey.

Esse é um aumento de 3 milhões de pessoas sem acesso normal a refeições em apenas cinco anos. This is an increase of 3 million people without normal access to meals in just five years.

Essa conta não inclui pessoas em situação de rua, o que tornaria esse cenário, segundo especialistas, ainda mais dramático A fome no Brasil é registrada principalmente em áreas rurais, outra contradição já que os alimentos são produzidos nestas regiões.

Desses mais de 10 milhões de brasileiros que passam fome, segundo o IBGE, 7,7 milhões vivem em áreas urbanas, enquanto 2,6 milhões estão em áreas rurais. Of these more than 10 million hungry Brazilians, according to the IBGE, 7.7 million live in urban areas, while 2.6 million are in rural areas.

O X da questão aqui é proporção. The crux of the matter here is proportion.

Esses dados mostram que 23,3% da população urbana têm fome, enquanto 40,1% da população rural passam pela mesma situação. These data show that 23.3% of the urban population is hungry, while 40.1% of the rural population experiences the same situation.

Ainda segundo a pesquisa, do total de brasileiros que passavam fome no período investigado, 41,5% viviam na região Nordeste, seguidos pelo Sudeste e pelo Norte. Also according to the survey, of the total number of Brazilians who went hungry in the period investigated, 41.5% lived in the Northeast region, followed by the Southeast and the North.

Aqui é preciso que a gente entenda três conceitos importantes nessa discussão.

O que são a insegurança alimentar leve, a moderada e a grave. What are mild, moderate and severe food insecurity.

A insegurança alimentar leve acontece quando a família não tem certeza se vai conseguir ter acesso a alimentos no futuro e quando a qualidade da comida na mesa já é ruim. Mild food insecurity happens when a family is not sure if they will be able to access food in the future and when the quality of the food on the table is already poor.

Segundo o IBGE: "Nesse contexto, os moradores assumem estratégias para manter uma quantidade mínima de alimentos disponíveis." According to IBGE: "In this context, residents take on strategies to keep a minimum amount of food available."

Trocar um alimento por outro que esteja mais barato, por exemplo. Swap one food for another that is cheaper, for example.

Já a insegurança moderada surge quando os moradores têm uma quantidade restrita de alimentos. Moderate insecurity, on the other hand, arises when residents have a restricted amount of food.

Ou seja, quando tem menos comida na despensa do que o satisfatório. That is, when there is less food in the pantry than is satisfactory.

Por fim, a insegurança grave aparece, nas palavras IBGE, quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos. Finally, severe insecurity appears, in the words of the IBGE, when residents have experienced severe deprivation in food consumption.

É aí que se encaixa definição de fome. That is where the definition of hunger fits in.

E se a gente considerar esses 3 tipos de insegurança, a gente chega no problema do acesso à alimentação de qualidade, que também é grave no Brasil. And if we consider these three types of insecurity, we arrive at the problem of access to quality food, which is also serious in Brazil.

Segundo o IBGE, pelo menos metade das crianças com menos de 5 anos viviam em casas com algum grau de insegurança alimentar. According to the IBGE, at least half of the children under 5 years of age lived in homes with some degree of food insecurity.

Isso equivale a 6,5 milhões de crianças.

Agora, se a referência for a insegurança grave, a fome de fato, 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas entre 5 e 17 anos vivem nessa condição no Brasil. Now, if the reference is to serious insecurity, to hunger in fact, 5.1% of children under 5 years old and 7.3% of people between 5 and 17 years old live in this condition in Brazil.

É muita gente! That's a lot of people! Isso me traz para o segundo ponto deste vídeo: o raio-x da produção de alimentos no Brasil. This brings me to the second point of this video: the x-ray of food production in Brazil.

Diferentemente do que o presidente Jair Bolsonaro afirmou, o Brasil não desponta como o principal produtor de alimentos do planeta. Differently from what President Jair Bolsonaro said, Brazil is not emerging as the main food producer on the planet.

Hoje é o terceiro, atrás só da China e dos Estados Unidos, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, que é o maior representante da indústria de alimentação do país, o Brasil exportou comida para mais de 180 países no último ano. Today it is the third, behind only China and the United States, according to the Brazilian Association of the Food Industry, which is the largest representative of the food industry in the country, Brazil exported food to more than 180 countries last year.

E essas exportações movimentaram US$ 34,1 bilhões no ano passado. And these exports moved US$34.1 billion last year.

A maior parte US$ 36,8 bilhões foi para a Ásia, principalmente na China. Most of this $36.8 billion went to Asia, mainly in China.

Em seguida, vêm a União Europeia, com 18,8% das exportações, e Oriente Médio, com 14,3%. Next come the European Union, with 18.8% of exports, and the Middle East, with 14.3%.

A associação traz informações interessantes: a gente é o segundo exportador mundial de alimentos industrializados em volume e o quinto em valor. The association brings interesting information: we are the second world exporter of processed food in volume and the fifth in value.

Somos o primeiro produtor e exportador de suco de laranja em todo mundo, o segundo produtor e o primeiro exportador mundial de açúcar. We are the first producer and exporter of orange juice worldwide, the second producer and the first exporter of sugar worldwide.

O segundo produtor e o primeiro exportador mundial de carne bovina e idem para carne de aves. The world's second largest producer and largest exporter of beef and the same for poultry.

A gente também é o segundo exportador mundial de café solúvel e essa me surpreendeu! We are also the world's second largest exporter of soluble coffee and this one surprised me!

O Brasil é o segundo produtor mundial de bombons e doces.

Pois é, mas aqui a gente vai para o coração desse vídeo: por que produzindo tanta comida e tendo tanta comida para exportar nós temos tantos brasileiros com fome. Yes, but here we go to the heart of this video: why, when we produce so much food and have so much food to export, we have so many hungry Brazilians.

O primeiro ponto aqui é quem alimenta quem. The first point here is who feeds whom.

É importante diferenciar o papel do agronegócio dos pequenos produtores familiares na produção de alimentos no Brasil. It is important to differentiate the role of agribusiness and small family farmers in food production in Brazil.

Talvez você se surpreenda de novo. Maybe you will be surprised again.

De acordo com o último censo agropecuário do IBGE, 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros vêm da agricultura familiar. According to the last agricultural census of the IBGE, 70% of the food consumed by Brazilians comes from family agriculture.

A gente está falando aqui de terras pequenas, administradas por pessoas da mesma família ou de famílias próximas, que produzem para própria alimentação e vendem o excedente. We are talking here about small lands, managed by people from the same family or from close families, who produce for their own food and sell the surplus.

Agricultura familiar é diferente das grandes monoculturas de soja ou de café ou daqueles grandes pastos da pecuária e agronegócio. Family farming is different from large monocultures of soy or coffee or those large pastures of livestock and agribusiness.

Ela produz uma diversidade enorme de alimentos: de mandioca e hortaliças a milho, leite e frutas. It produces a huge diversity of foods: from manioc and vegetables to corn, milk, and fruit.

E é graças a ela que o nosso prato pode ser farto e colorido, como recomendam os nutricionistas. And it is thanks to this that our plate can be plentiful and colorful, as recommended by nutritionists.

Já o famoso agronegócio, que corresponde aos grandes produtores, é responsável por boa parte do PIB brasileiro, tem representantes em vários níveis da política, ele é principalmente destinado à exportação. On the other hand, the famous agribusiness, which corresponds to the large producers, is responsible for a good part of the Brazilian GDP, has representatives at various levels of politics, and is mainly intended for export.

Eu falei sobre esse assunto com o Daniel Balaban, que é o diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil. I talked about this subject with Daniel Balaban, who is the director of the Center of Excellence against Hunger of the UN World Food Program in Brazil.

Ele me disse o seguinte: "O agronegócio, por isso que o nome é negócio, né? He told me this: "Agribusiness, that's why the name is business, right?

Ele vai aonde pagam mai, aonde ele mais ganha, tem mais lucro. He goes where they pay more, where he earns more, makes more profit.

Então, como um dólar a R$ 5,50, um dólar supervalorizado, fez com que o produto brasileiro ficasse muito barato para exportação. So, as a dollar at R$5.50, an overvalued dollar, made the Brazilian product very cheap to export.

Ele prefere exportar, no qual ele vai conseguir a cada dólar que ele receber está recebendo R$ 5,50 do que botar aqui no Brasil a R$ 5,50 e, claro, perante os preços básicos dos alimentos aqui, entendeu? He prefers to export, in which he will get every dollar he receives and is getting R$ 5.50 than to put it here in Brazil at R$ 5.50 and, of course, in view of the basic food prices here, do you understand?

Vamos ver um pacote de 1 kg de arroz, né? Let's see a 1 kg package of rice, shall we?

Como é o caso do arroz que subiu demais, então, ele vai preferir sempre exportar, enquanto ele tiver mercado lá fora. As is the case of rice, which has risen too much, then, he will always prefer to export, as long as he has a market abroad.

Tanto é que o agronegócio brasileiro ele exporta tudo que tem e só o que não tiver mercado lá fora é que ele bota aqui dentro." So much so that Brazilian agribusiness exports everything it has and only what does not have a market abroad it puts here.

Já o Kiko Afonso, que é diretor-executivo da Ação da Cidadania, aquela ONG fundada pelo Betinho, para combater a fome e a miséria no Brasil, diz que a política de agricultura brasileira se orienta para as exportações. Kiko Afonso, who is the executive director of the Citizenship Action, that NGO founded by Betinho, to fight hunger and poverty in Brazil, says that the Brazilian agricultural policy is export oriented.

O que nas palavras dele pode ser bom para balança econômica, mas péssimo para consumo local, principalmente para as populações mais vulneráveis. Which in his words may be good for the economic balance, but terrible for local consumption, especially for the most vulnerable populations.

"Olha só, então você soma dois grandes fatores, né? "Look, so you add up two big factors, right?

Uma política de governo que olha para o agronegócio para exportação em detrimento do pequeno produtor, o que encarece o alimento. A government policy that looks to agribusiness for export at the expense of the small producer, which makes food more expensive.

E uma segunda vertente, onde você tem uma desigualdade social absurda, onde a grande maioria da população vive com um salário muito abaixo de um média aceitável para se sobreviver." And a second aspect, where you have absurd social inequality, where the vast majority of the population lives with a salary far below an acceptable average to survive."

E aqui a gente entra em mais um ponto importante dessa história: a atenção destinada à agricultura familiar, aquela que põe comida na mesa do brasileiro, como a gente viu, tem encolhido. And here we get to another important point in this story: the attention given to family agriculture, the one that puts food on the Brazilian table, as we have seen, has shrunk.

"Por exemplo, os pequenos agricultores familiares eles tinham o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, né? "For example, the small family farmers had the PAA, Food Acquisition Program, right?

Este programa chegou a ter orçamento bilionário, né? This program even had a billion-dollar budget, right?

Um R$ 1,5 bilhão por ano Hoje, não chega a R$ 100 milhões. A R$ 1.5 billion per year Today, it does not reach R$ 100 million.

O Pronaf, que é o Programa de Apoio ao Agricultor Familiar, né. Pronaf, which is the Family Farmer Support Program.

Diminuiu bastante o número de empréstimos para eles, que tinham com juro subsidiado e outros programas, por exemplo, de captação de água da chuva. It has greatly reduced the number of loans for them, which they had with subsidized interest and other programs, for example, rainwater harvesting.

O Brasil também tinha programa de cisternas que apoiava. Brazil also had a cistern program that it supported.

Isso também caiu drasticamente. This has also fallen dramatically.

Essa população de campo ela é muito vulnerável. This rural population is very vulnerable.

Então, ela precisa que esteja sempre sendo incentivada e sendo apoiada por políticas públicas do governo", "E estamos falando de muita gente que pode morrer por causa de fome nos próximos meses no Brasil. So, it needs to be always encouraged and supported by government public policies", "And we are talking about many people who may die because of hunger in the coming months in Brazil.

Nosso fundador, o Betinho, sempre dizia isso: que a fome é uma das piores senão a pior indignidade que o ser humano pode ter."

E eu aproveito esse gancho para entrar no terceiro ponto.

Chama muita atenção o fato de que a fome no Brasil esteja concentrada nas regiões rurais, como a gente disse, aquelas onde se produz a comida.

O que dizem os especialistas sobre isso?

Eu também falei com o economista Marcelo Neri, que é professor da FGV e ex-presidente do Ipea e ex-ministro-chefe da secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e 2015.

Ele me disse que "o morador do campo é o mais pobre, é o que produz alimentos mas não ganha o suficiente para comprá-los."

Em 2019, segundo o professor 53% dos 20% mais pobres do Brasil e 10% dos 20% mais ricos do Brasil declaravam que faltava dinheiro para alimentação.

Já no resto do mundo, segundo ele, os números eram 48% nos 20% mais pobres, e 21% nos 20% mais ricos.

Ou seja, ele explica, os nossos pobres têm hoje mais insegurança alimentar do que no resto do mundo, enquanto os nossos mais ricos têm menos.

É a famosa "desigualdade tupiniquim", ele diz.

Os outros especialistas concordam com ele.

"O Brasil teve muitas políticas de ajuda aos pequenos agricultores familiares no passado, e essas políticas perderam força nos últimos governos.

Já no final do Governo da Dilma, Temer e agora.

Então, isso faz com que, além de diminuírem a produção, eles não produzirem e acaba tendo fome no campo."

"E elas acabam tendo que migrar ou para centros urbanos para morar em favelas e regiões super pobres, em condições super difíceis, ou elas têm que se adequar a trabalhar para esses grandes agronegócios."

Agora, uma pergunta que muitos de vocês podem estar se fazendo é a seguinte: como é que a pandemia do novo coronavírus afeta o cenário da fome no Brasil.

O Daniel Balaban, do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU, responde essa pergunta: "É triste dizer isso, mas o Brasil tem uma renda, uma renda média de R$ 480.

De repente, quando 65 milhões de pessoas receberam R$ 600 na sua conta, o Brasil diminuiu incrivelmente, durante este período dos recursos emergenciais, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza."

De fato, uma pesquisa da FGV divulgada em julho mostrou que a faixa da população que vive em extrema pobreza caiu de 4,2 para 3,3% da população.

É a menor taxa dos últimos 40 anos no Brasil.

O conceito de extrema pobreza se refere àquelas pessoas que vivem com menos de um US$ 1,90 por dia ou R$ 154 mensais.

Mas então isso é motivo para comemorar?

"Se a gente já tinha antes esses mais de 80 milhões de brasileiros em algum grau de insegurança alimentar, seja leve, moderado ou grave, né? Esse número certamente vai aumentar.

A recessão e a crise claramente não são questões que vão ser resolvidos no curto prazo.

O desemprego já é quase recorde no Brasil e a gente vê claramente que o auxílio emergencial é insustentável no modelo atual."

O diretor da ONU concorda: "O problema todo é que quando acabarem esses recursos emergenciais volta-se ao problema anterior, porque o problema anterior era estrutural, e esse recurso é emergencial."

Já o Marcelo Neri, da FGV, me disse o seguinte sobre a fome e a pandemia no Brasil: "Segundo o nosso último levantamento, apesar da queda da renda do trabalho recorde de 20,5% na pandemia, cerca de 13,1 milhões de pessoas saíram da pobreza em plena pandemia."

O que explica esse paradoxo, ele diz é a generosa entre aspas concessão do auxílio emergencial que chegou a 67 milhões de brasileiros ao custo de R$ 322 bilhões durante 2020.

O problema é que o auxílio termina em 31 de dezembro.

Ele diz: "E aí não são só os ex-pobres que vão voltar à condição inicial.

Eles vão ter a companhia de novos pobres deslocados pela pandemia."

Eu também quis saber se os números sobre a fome no Brasil divulgados pelo IBGE surpreenderam esses especialistas.

Dá uma olhada nas respostas: "Infelizmente, para a Ação da Cidadania, não surpreendem, é porque a gente sabia dessa da dimensão, né, do do que vinha por aí.

Sabia da dimensão das famílias que estavam na ponta nos pedindo alimento, ao invés de educação, saúde etc.

Quando a pessoa abre mão desses outros direitos para pedir comida, é porque a situação está realmente muito grave." Cuando una persona renuncia a estos otros derechos de pedir comida, es porque la situación es realmente muy grave ".

O Marcelo Neri trouxe novos dados e disse que os resultados da pesquisa do IBGE desafiam aqueles que acreditam que a fome é coisa do passado no Brasil.

"Antes que ataquem o mensageiro, observamos o mesmo drama em evidências internacionais sobre o Brasil."

A proporção daqueles que não tem dinheiro para comprar alimentos cai de 20% até 18% e depois sobe para 30% em 2017/2018, o que é consistente em termos de período e prazos com a última pesquisa do IBGE.

Esse mesmo patamar de 30% é mantido em 2019.

A gente aqui na BBC News Brasil vai continuar acompanhando os números e principalmente as histórias reais de milhões de brasileiros e brasileiros que estão passando fome nesse momento.

Obrigado por nos seguir até aqui.

Eu espero que este vídeo tenha ajudado vocês a entenderem, a conhecerem mais sobre esse triste cenário e logo logo a gente volta com mais vídeos.

Até lá!