Epigenética: entenda essa nova fronteira na Ciência
[Aug 2, 2020].
Durante muito tempo, os cientistas acreditaram que o nosso código genético determinava 100% do que somos, e que seria praticamente impossível modificá-lo.
Afinal, os genes que formam nosso DNA carregam as principais informações sobre quem somos.
São eles que dão instruções para as células que definirão desde a cor dos nossos olhos até o funcionamento dos nossos pulmões e a nossa propensão a doenças como o câncer ou oa diabetes.
Mas a vida que uma pessoa leva, juntamente com outros fatores, faz com que isso seja mais complexo.
Imagine duas irmãs gêmeas.
O DNA delas é exatamente o mesmo, mas suas vidas são bem diferentes.
Uma tem uma rotina mais tranquila, a outra tem uma profissão estressante.
Uma faz mais exercícios, mas a outra come melhor.
Por isso, elas começam a apresentar diferentes características, e quem sabe a ter desenvolver doenças, que a outra não tem.
Como isso é possível, se seu genoma é exatamente igual?
O motivo é que o corpo humano tem uma maneira natural de ativar ou desativar alguns dos nossos genes em resposta ao ambiente ou ao estilo de vida que levamos.
Mas sem mudar a estrutura do DNA.
É o que se chama de epigenética.
E o conjunto de substâncias químicas que marcam o genoma e dizem às células o que fazer com cada um dos genes é conhecido como epigenoma.
Pense no DNA como um manual de instruções de como a célula deve funcionar.
Cada célula do seu corpo tem um desses manuais.
O epigenoma é como se alguém pegasse um pacote de marcadores de texto coloridos para enfatizar partes diferentes do manual.
Essa parte aqui é mais importante.
Essa aqui eu prefiro que você não use.
Mas como isso acontece?
Cada célula do nosso corpo contém quase dois metros de DNA.
Para que ele caiba dentro de uma célula, o DNA se enrola em um conjunto de proteínas chamadas histonas e forma uma estrutura compacta.
Mas isso significa que a célula nem sempre tem acesso fácil aos genes, algo necessário para que ela saiba como exercer suas funções.
Aqui entra em jogo a epigenética.
As marcas epigenéticas são marcadores químicos que agem sobre essa estrutura para imprimir nela instruções de como apertar ou soltar o DNA ao redor das histonas.
Quando uma parte do DNA fica mais apertada, por exemplo, a célula pode não ter acesso à informação de alguns genes, e eles ficam desativados.
Outras marcas, por exemplo, podem soltar trechos do DNA.
Isso deixa genes mais acessíveis à célula, e eles são ativados.
Esse processo já acontece quando as primeiras células do embrião começam a se dividir.
Por isso é tão importante para o bebê a alimentação da mãe, seu estado emocional e físico, os medicamentos e vitaminas que ela toma durante a gravidez.
Toda essa informação pode ser transmitida para o bebê pelo sangue, em forma de sinais químicos.
Se a dieta da mãe é pobre, o bebê poderia nascer mais propenso à obesidade – já que seu epigenoma o programou para armazenar mais calorias sempre que tiver comida.
Esse fenômeno têm sido comprovado em diversos estudos com mulheres que passaram por períodos de fome prolongada durante guerras, por exemplo.
Mas os pais também participam disso.
A maioria das marcas epigenéticas dos pais é apagada já nos primeiros dias do embrião.
Mas agora já se sabe que algumas delas permanecem, e podem ser passadas para os descendentes.
Por exemplo, se o pai tinha o hábito de fumar muito no início da adolescência, isso poderia contribuir com uma expectativa de vida menor para os seus filhos e até para os seus netos.
Mas o epigenoma age no nosso corpo durante toda a nossa vida, não só na fase embrionária.
Como no exemplo das gêmeas, nossos hábitos, nossa dieta, nossas experiências e o ambiente em que vivemos podem ativar ou desativar nossos genes.
E é mais do que isso: a epigenética mostra que a natureza pode ter encontrado uma maneira de passar até traumas para as gerações seguintes.
Em um experimento, cientistas fizeram com que camundongos machos associassem o aroma da flor de cerejeira com a dor provocada por choques elétricos.
Os ratinhos procriaram, e seus filhos ficavam nervosos quando sentiam esse cheiro, mesmo sem nunca terem recebido os choques.
A terceira geração de camundongos, os netos dos primeiros, também demonstrou ter mais sensibilidade ao aroma da flor de cerejeira do que a qualquer outro.
Em seu DNA, os cientistas encontraram marcas epigenéticas em um gene responsável por codificar uma proteína receptora de odores.
Em seu cérebro, esses ratinhos também tinham mais neurônios responsáveis por detectar o cheiro da flor de cerejeira.
Mas isso não quer dizer que estamos predestinados a reviver as emoções de nossos pais e avós.
Os cientistas ainda estudam como esse tipo de transmissão epigenética de um trauma poderia acontecer em humanos.
Mas eles acreditam que seria possível reprogramar esse mesmo mecanismo para nos tornar mais saudáveis, já que as marcas epigenéticas podem ser reversíveis.
Isso abre um enorme universo de possibilidades no mundo científico.
Por exemplo, há estudos para criar medicamentos que permitem remover marcas do epigenoma que favorecem a aparição de certos tumores.
A epigenética também pode revolucionar o tratamento de doenças como diabetes, lúpus e até o mal de Alzheimer e alguns vícios.
A questão agora é como desenvolver tratamentos que atuem somente nos marcadores prejudiciais, sem impactar os positivos.
A epigenética prova que nem tudo está escrito nos nossos genes.
Temos em nossas mãos o poder de influenciar positivamente nosso genoma através de escolhas saudáveis.
E de ajudar pessoas que não puderam fazer essas escolhas.
Isso pode trazer benefícios não só a nós mesmos, como também às futuras gerações.