Brumadinho: Como era a vida antes da lama
[Jan 29, 2019].
Oi, pessoal, eu sou Amanda Rossi, repórter da BBC News Brasil.
Nós estamos aqui em Brumadinho desde sábado de manhã para mostrar algumas histórias sobre esta tragédia.
Nesse momento, a gente está aqui numa área que foi atingida pela lama.
O final da área atingida pela lama, muito próximo de onde estão ocorrendo as buscas em um ônibus que foi encontrado.
Um ônibus da mineradora Vale.
Nós estivemos aqui durante um tempo da tarde e eu parei aqui agora um minutinho pra gravar esse vídeo, para falar um pouco sobre a sensação que é ver toda essa área cheia de lama.
Por baixo de toda essa lama, existiam muitas histórias aqui.
E a gente, quando está aqui, a gente vê esse cenário e a gente fica tentando imaginar como que ele era antes dessa tragédia acontecer.
Tem muita história soterrada.
Hoje, quando a gente para e olha pra esse cenário, tudo o que a gente vê é um grande deserto de lama, uma área muito árida, onde não tem vida.
Os animais não conseguem ficar aqui, não tem planta, as pessoas conversam com a gente: 'nunca mais vai nascer nem pasto nesse lugar'.
É uma área silenciosa, só com o barulho das máquinas, os helicópteros, as máquinas que estão fazendo as escavações nas buscas pelas vítimas, o barulho dos helicópteros.
Esse é o único som que a gente ouve.
A gente já não ouve mais nenhum som de natureza, a gente não ouve som de pássaro, não ouve som de riacho, que são sons que existiam nessa área antes dessa tragédia.
A gente está em Brumadinho, Minas Gerais, que é uma área muito montanhosa, muito verde e com muito riacho para quem gosta de mato, aqui é um lugar muito bonito.
Mas nessas áreas que foram atingidas pela mineração, nada disso existe mais.
A gente não tem nem ideia quando a gente olha: o que é que poderia existir aqui embaixo, porque a lama uniformizou tudo.
Então, mesmo o relevo, lugares mais altos, lugares mais baixos, a gente não consegue identificar absolutamente nada.
O que a gente tenta imaginar é a partir do que as pessoas que viviam aqui, que conviviam com esse lugar, contam.
Então, por exemplo, nesse local que a gente está, a gente ouviu algumas pessoas contando que aqui existia antes um grande pasto, era um pasto arredondado, com uma colina de pasto, como a gente vê em lugares que não foram atingidos pela lama muito próximos daqui.
Era uma colina com pasto, um lago bonito e, nesse lago, passava de um lado uma estrada, que ia para a mina da Vale, e do outro lado uma estrada que passava para a pousada Nova Estância, que também foi atingida e era um lugar localizado no meio das montanhas, no meio de um vale, um lugar que as pessoas que tiveram lá dizem que era muito bonita.
Então, a gente, quando a gente olha para tudo isso, a única coisa que a gente vê é lama, é destruição, é tragédia.
Mas as pessoas que conheciam esse lugar elas olham pra cá e elas veem memórias.
Elas veem memórias de como isso tudo aqui era antes.
Então, pra gente é mesmo um exercício de parar e tentar imaginar parte desses relatos.
Como era essa região?
A pessoa por exemplo que a gente econtrou e que narrou pra gente como era esse lugar.
Eu vou virar, o sol melhorou um pouquinho, vou virar a câmera porque está um contraste, vai ficar um pouquinho estourado, mas dá pra vocês terem um pouquinho a ideia, que agora o sol diminuiu.
Lá atrás, estão os bombeiros realizando o trabalho de buscas no ônibus.
Então, esse senhor que nos descreveu esse lago, essas estradas, esse passo, enquanto ele descrevia, ele olhava fundo para o horizonte dessa lama e parecia que era como se os olhos dele não acreditassem naquilo que tivesse vendo.
Como se ele tivesse vendo, ao mesmo tempo, aquilo que existia antes e vendo essa lama.
E as pessoas, quando elas observam, ficam muito caladas.
E com essa sensação mesmo de 'como que pode um lugar que era tão bonito ter virado esse cenário de desolação'.
Aqui também muito perto, eles nos contaram...
Vou tentar mostrar também, já que o sol está um pouquinho melhor.
Lá no fundo, está dando pra ver uma estrada, não se está dando pra ver.
Ali para aquela área ficava o refeitório da Vale.
O refeitório da Vale, que foi..., é uma das primeiras áreas a serem atingidas, era o horário do almoço e muitas pessoas reunidas ali.
Acredita-se que grande parte das vítimas, as pessoas desaparecidas, estivessem no refeitório no momento que a barragem estourou.
E para a gente ter uma ideia do poder dessa lama...
a gente está bem perto de onde era o refeitório, os bombeiros estão começando a fazer hoje escavações em uma área que eles identificaram como sendo uma área do refeitório e ela está a 800 metros daqui.
Então, a lama levou tudo embora.
Dá pra gente ter uma ideia de como ela varreu essa paisagem.
E aqui, então, onde existia lago, não existe mais nada disso.
A gente também foi para outros lugares, não só aqui, uma região mais próxima da Vale, que foram atingidos pela lama.
Alguns bairros da zona rural de Brumadinho, onde existiam casas, onde existe uma típica vida de interior mineira.
Os vizinhos vivendo em chácaras, a boa vizinhança, a amizade.
Tudo isso foi perdido.
A gente fez uma reportagem sobre a história de um casal de idosos, o Seu Geraldo e a Dona Vera.
Eles moravam num vale, em uma área mais baixa de um vale.
Eles estavam em casa no momento que a barragem estourou.
Não tocou a sirene para que eles pudessem sair com mais tranquilidade.
E eles foram pegos de surpresa quando a lama já estava chegando.
E aquela área que eles viviam, eles me contaram, era mesmo um lugar perfeito para passar a aposentadoria, que eles batalharam pra comprar e pra conseguir passar a aposentadoria mais tranquila.
Eles tinham horta, eles tinham pomar.
Eles ficaram me descrevendo a quantidade de plantas frutíferas que eles tinham.
A Dona Vera falou que ela falava para o Seu Geraldo: 'Seu Geraldo, você não compra fruta, não compra legumes porque tem agrotóxico.
A gente planta aqui na nossa terra'.
Tinham galinha, tinham cinco cachorros.
A Dona Vera tinha um fogão à lenha, que ela cozinhava comida mineira naquele fogão à lenha.
Todo dia ela ia levar comida para um senhor de 90 anos que vivia no topo da colina onde ela morava também.
E aquela calma, aquela paz, aquele lugarzinho de interior de Minas.
E todos esses pequenos detalhes, todas essas pequenas nuances, essas histórias, essas preciosidades, todas elas viraram hoje simplesmente lama.
Eu sou mineira também, eu sou de Uberlândia, então eu estou nesses lugares, passando por essas paisagens, conversando com as pessoas com sotaque mineiro, elas me descrevendo a vida delas...
E eu lembro..., eu fico pensando muito nessa nessa vida que se perdeu, nesses detalhes dessa vida que se perdeu.
Tanta história que está debaixo da lama.
Brumadinho é um desastre para todos os brasileiros, mas conversando com as pessoas aqui...
O que eu sinto é que um desastre ainda maior para quem é de Minas Gerais.
Eu conversei com uma menina de 20 anos, de Divinópolis, Minas Gerais, brigadista voluntária aqui, que me relatou muito emocionada que infelizmente Minas Gerais perdeu algumas das suas belezas naturais, a qualidade dos seus rios com a tragédia de Mariana.
E mais uma vez a gente estava, além de todas as vidas perdidas, destruindo aqui também mais um...
Minas Gerais perdendo mais um rio, perdendo mais ambientes bonitos da nossa região.
E o Seu Geraldo, que eu comentei antes, ele também me falou uma outra coisa: que Minas Gerais é um estado com muito minério.
Drummond, o nosso poeta, já falava nas suas poesias sobre as minas.
Então, Minas Gerais é um estado com muito minério e tem muita barreira, muita barragem, desculpa...
Então, o que a gente precisa, dizia pra mim o Seu Geraldo na sua sabedoria de um senhor de 70 anos, que, muito abalado de ter perdido tudo, mas ao mesmo tempo muito forte...
O depoimento dele, a história dele...
Ele dizia que o que a gente precisa é aprender a conviver, aprender a conviver essa exploração econômica sem gerar tantos prejuízos, sem essa possibilidade de vidas perdidas.
Ele passou por uma situação que a sirene não tocou.
E ele quase perdeu a vida dele, o cunhado dele está desaparecido.
A pergunta que fica: 'por que essas sirenes não tocaram?
Por que essas pessoas não foram avisadas para tentar fugir?
Se a tragédia ambiental, esse cenário desolador que a gente vê, era inevitável, pelo menos que as vidas humanas tivessem sido tratadas com um pouco mais cuidado.
Então, é isso, um pouco de reflexão do que esse espaço faz a gente pensar.
A gente estando aqui, como jornalista, conversando com várias pessoas, imaginando como eram esses lugares para tentar descrever, para tentar contar essa histórias, e pensando tudo o que foi perdido.
Nesse refeitório, por exemplo...
Os amigos que estavam conversando, que estavam almoçando, mostrando a foto do filho, mostrando um meme, contando piada, descansando depois do almoço.
E tudo isso, todas essas sutilezas estão hoje debaixo de um monte de lama.
Esse terreno árido, esse terreno horroroso que a gente vê aqui.
A gente vai continuar na BBC Brasil fazendo a cobertura.
Então, sigam acompanhando a gente nas nossas redes sociais, no nosso site e a gente vai estar sempre trazendo informações pra vocês.
Eu vou dar uma giradinha na câmera, para que vocês possam ficar um pouquinho com essa paisagem da lama que destruiu tudo"