Como pensam os olavistas e militares do governo Bolsonaro
[Apr 23, 2019].
Depois de mais de 100 dias de governo, as divergências entre dois dos principais grupos que integram o governo Bolsonaro estão ficando mais claras.
De quem eu estou falando?
De olavistas ou olavetes, como são chamados os seguidores do escritor Olavo de Carvalho, e militares.
A disputa por cargos e influência dentro do governo desbancou para ataques pessoais.
"Esse pessoal subiu ao poder em 1964, destruiu os políticos de direita e sobrou o quê?
Os comunistas! Daí os comunistas tomaram o poder.
E eles dizem 'nós livramos o país do comunismo'.
Não, nós entregamos o país ao comunismo.
Se tivessem vergonha na cara, confessariam o seu erro.
Mas é só vaidade, a vaidade pessoal, vaidade grupal e vaidade esotérica".
Olavo de Carvalho já disparou várias críticas diretas ao vice-presidente, Hamilton Mourão, chegando a sugerir que o general da reserva é um traidor.
Ele chegou até a estimular o deputado Marco Feliciano a pedir a abertura de um processo de impeachment contra Mourão, segundo disse o próprio Feliciano à Folha de São Paulo.
Os militares têm respondido tentando minimizar a importância do escritor, conhecido como uma espécie de mentor da nova direita.
"Para mim, ele não tem importância nenhuma", disse recentemente o general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria Geral de governo, ao ser perguntado pelo repórter Ricardo Senra, da BBC News Brasil, sobre a influência de Olavo de Carvalho no governo.
Mas de que forma a divisão entre militares e olavistas afeta na prática as decisões do presidente?
Eu sou a Natália Passarinho, repórter da BBC News Brasil, aqui em Londres, e eu vou hoje mostrar a diferença entre essas duas alas do governo em quatro questões importantes: educação, relações do Brasil com os Estados Unidos, proximidade com Israel e intervenção na Venezuela.
E no final do vídeo, eu vou contar o que um renomado professor de Harvard diz sobre as possíveis consequências dessa queda de braço.
Mas, primeiro, quem é Olavo de Carvalho?
Para quem não conhece, ele é um escritor de 71 anos, radicado nos EUA, e se popularizou ao criticar a esquerda e defender posições conservadoras em livros e nas mídias sociais.
Nos últimos dois anos, Olavo de Carvalho se aproximou dos filhos de Jair Bolsonaro, principalmente do deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Depois de Jair Bolsonaro se eleger, ele conseguiu emplacar olavetes, como ele próprio já se referiu aos seus seguidores, em postos no Palácio do Planalto e em três ministérios: Educação, Relações Exteriores e na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Já os militares comandam quatro pastas de peso: Defesa, Segurança Institucional, Secretaria de Governo e Infraestrutura.
Além, claro da vice-presidência.
Agora vamos ao primeiro item da discórdia entre essas duas alas do governo: educação.
O episódio mais recente da disputa entre militares e olavistas foi no ministério da Educação.
Esses dois grupos tentaram emplacar nomes seus para substituir o colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodrigues, indicado por Olavo de Carvalho e demitido após se desgastar com uma série de medidas e declarações polêmicas.
Bolsonaro acabou optando pelo economista Abraham Weintraub, ex-aluno de Olavo de Carvalho.
Mas em que militares e olavistas divergem na área de educação?
Bom, tanto os integrantes das Forças Armadas quanto seguidores de Olavo de Carvalho compartilham da ideia de que a escola deve estimular, o civismo, o patriotismo e a valorização dos símbolos nacionais.
Segundo cientistas políticos e militares com quem eu conversei, a principal divergência estaria na abrangência das reformas necessárias para melhorar o sistema de ensino.
A professora de Ciência Política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos, explica que os seguidores de Olavo de Carvalho defendem uma mudança ampla da metodologia de ensino das escolas brasileiras.
Eles são particularmente contrários ao método construtivista, que entende que o aluno deve ser ensinado a aprender.
Por essa metodologia, o aluno deve ocupar o centro do processo de aprendizagem e chegar ao conhecimento por si.
Em seu blog, o guru do governo Bolsonaro escreveu que o sócio-construtivismo retarda a alfabetização dos alunos do Brasil e é um instrumento do marxismo para transformar os alunos em agentes da transformação social.
O general Eduardo Schneider disse que os militares não são contrários ao método em si.
Segundo ele, alguns colégios militares, inclusive, adotam essa metodologia de fazer com que o aluno chegue às respostas por si, tendo o professor como mediador, e que reflita criticamente sobre os conteúdos que são passados.
Mas os militares, segundo Schneider, concordam com os olavistas em acreditar que alguns porta-vozes dessa metodologia de ensino se utilizaram dela para repassar mensagens políticas de esquerda.
Outra diferença, apontada pela pesquisadora Vera Lúcia Chaia, da PUC do Rio de Janeiro, é a visão dos militares e olavistas sobre a Ciência.
Ela lembra que os olavistas negam alguns preceitos que são um consenso entre a comunidade científica internacional, como o fato de que os seres humanos são responsáveis pela aceleração do aquecimento global.
Já os militares, segundo ela, têm uma visão mais pragmática e defendem um sistema de ensino pautado na visão científica predominante no mundo.
Segundo ponto: relação do Brasil com os Estados Unidos.
Bom, é na área de relações internacionais que a diferença entre olavistas e militares é mais clara.
Indicado por Olavo de Carvalho, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tem defendido um alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, distanciamento da China, aliança com Israel, e maior interferência brasileira na resolução da crise na Venezuela.
Especificamente no caso da aliança com os Estados Unidos, Bolsonaro tem se aproximado fortemente do presidente Donald Trump e aderido à críticas do governo americano à China, que enfrenta uma guerra comercial com os Estados Unidos.
A questão é que os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil, comprando 30% das nossas commodities, como alimentos e matérias-primas.
Embora os militares também optêm por alianças com governos de direita e de centro-direita, eles defendem que o Brasil adote uma postura de neutralidade em questões controversas, para permitir que o nosso país mantenha boas relações com gregos e troianos.
Olha o que o general da reserva Eduardo Schneider, que atuou em missões do exército com o vice-presidente Hamilton Mourão, me disse:
"...Os países, mais do que amizade, eles têm interesses.
Não existe essa coisa de alinhamento automático.
O alinhamento automático acontece quando os interesses estão alinhados.
Quando os interesses não se alinham, obviamente cada país tem que procurar preservar aquilo que lhe é vital.
Talvez uma potência global como os Estados Unidos enxergue a China como um possível competidor global.
E nós analisamos que no atual interesse regional, é importante manter uma relação com a China.
Porque é um ator importante do mundo.
Não tenho a menor dúvida, né! O conflito não nos interessa com a China, de jeito nenhum".
Terceiro ponto: relação com Israel.
O movimento do governo brasileiro de aproximação com Israel foi até certo ponto freado pelos militares.
Ainda na campanha, Jair Bolsonaro manifestou a intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos de Donald Trump.
A forte aproximação com Israel é defendida pelo ministro de Relações Exteriores, que como eu já disse foi indicado por Olavo de Carvalho.
Só para lembrar, os israelenses reclamam Jerusalém como capital do Estado de Israel.
Mas a comunidade internacional e as Nações Unidas defendem que a propriedade desse território deve ser definida em negociações de paz com os palestinos, já que os muçulmanos querem a parte oriental de Jerusalém como capital de um futuro Estado palestino.
Por isso, todos os países, com exceção de EUA e Guatemala, mantêm hoje a embaixada em Tel Aviv.
Bom, preocupados com os efeitos de uma transferência da embaixada brasileira para Jerusalém, os militares lançaram uma ofensiva para dissuadir Bolsonaro.
A preocupação deles era de duas ordens: econômica e de segurança.
Por um lado, eles temiam a reação dos países árabes, que importam cerca de 10% dos produtos agropecuários do Brasil.
Por outro, queriam evitar eventuais problemas de segurança, já que o Brasil e tropas brasileiras em missões da ONU no exterior poderiam vir a se tornar alvos de radicais islâmicos atuando em retaliação pela aliança com Israel.
Mourão chegou a se reunir com representantes palestinos para tentar conter o incêndio e foi alvo de ataques nas redes sociais por Olavo de Carvalho.
No final, Bolsonaro acabou optando, por enquanto, por abrir um escritório diplomático em Jerusalém, decisão que ainda assim gerou reações negativas de palestinos e do mundo árabe em geral.
Setores do governo dizem que transferência da embaixada vai ocorrer, mas de maneira gradual Último item: intervenção na Venezuela.
Enquanto o ministro de Relações Exteriores do Brasil defende uma postura enfática contra o regime de Nicolás Maduro, sem descartar eventual apoio numa intervenção liderada pelos EUA, os militares brasileiros vêm repetindo que o governo deve se fiar em pressão diplomática e não usar a força contra o país vizinho.
"(General Mourão) ...Advogamos pela não intervenção. Portanto, continuaremos com a pressão diplomática, política, econômica para que se chegue a uma solução na Venezuela".
Durante visita aos EUA no mês passado, Bolsonaro afirmou que o Brasil poderia dar apoio logístico aos americanos caso eles decidam intervir militarmente na Venezuela para retirar Maduro do poder.
A hipótese é vista com cautela pelos militares.
Uma semana depois da declaração de Bolsonaro, o ministro da Defesa se reuniu com o secretário de Defesa dos EUA e disse que intervenção militar não é uma hipótese que o Brasil esteja considerando.
E quais podem ser as possíveis consequências dessas divisões?
Eu conversei com o professor de Harvard Scott Mainwaring, que estuda Brasil há mais 30 anos e tem dezenas de livros publicados.
Segundo ele, em governos comandados por setores que discordam fortemente entre si o que costuma acontecer é que, com o tempo, uma ala acaba derrotando a outra.
Outra possibilidade é que haja uma divisão mais clara de prerrogativas, com um setor intervindo menos ou nada na seara do outro.
O problema é que nem militares nem olavistas parecem se contentar com as atribuições específicas dos respectivos ministérios.
Bom, vamos continuar acompanhando para ver no que que isso vai dar.
Esse foi mais um vídeo da nossa playlist Estúdio BBC.
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