Previdência: dívidas não pagas e isenções são culpadas pelo déficit?
[Apr 9, 2019].
"Se cobrar dos devedores e acabar com as isenções, não precisa fazer Reforma da Previdência".
Já ouviu essa frase?
Muita gente defende que olhar só para a trajetória das despesas do regime de aposentadorias no Brasil, ou seja, ficar falando do déficit é ignorar um problema igualmente importante: o da arrecadação.
Meu nome é Camila Veras Mota, da BBC News Brasil aqui em São Paulo, e neste vídeo a gente vai olhar para as receitas do INSS, discutir o que tem de errado e se isso é suficiente para tapar o buraco.
Vamos começar com a dívida, que é bem polêmica.
Empresas, Estados, municípios e pessoas físicas devem nada menos do que R$ 499 bilhões à Previdência.
Só para se ter uma ideia de como é muito dinheiro isso equivale a quase o dobro do déficit em 2018, que foi de R$ 195 bilhões.
Esse foi o valor da diferença entre receitas e despesas do Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, que paga aposentadorias para os trabalhadores do setor privado.
O problema?
Esse valor é incobrável na sua totalidade.
Quem administra a dívida ativa da Previdência é a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a PGFN.
Todo débito com o INSS é inscrito na dívida ativa depois que o ente competente não consegue mais cobrá-lo.
Então a PGFN vai atrás do prejuízo.
Para categorizar o que é mais fácil e mais difícil de recuperar, a PGFN divide a dívida em quatro partes e dá notas de A a D para cada uma delas.
Pois bem, 41% dos quase R$ 500 bilhões têm rating D: são dívidas de empresas falidas, por exemplo que dificilmente voltarão para os cofres do INSS.
Olha aí quem está nessa lista: Varig, que deve quase R$ 4 bilhões, Vasp, Transbrasil a finada TV Manchete e até a editora Páginas Amarelas que fazia as listas telefônicas.
Só 9% da dívida ativa têm rating A, com maior probabilidade de recuperação.
E o resto?
O economista Paulo Tafner, que é especialista em Previdência, diz que a gente tem, por exemplo, as empresas que estão em dificuldade financeira e, por isso, deixaram de pagar o INSS.
Nesse caso, parte tem jeito e parte não.
Parte dá para cobrar e parte não.
Aquelas brigas tributárias entre empresas e o fisco que se arrastam por anos e, finalmente, os maus pagadores: aquele pessoal que usa todos os institutos legais para postergar o pagamento e se beneficiar financeiramente da Previdência.
Esses são os casos em que a legislação poderia tentar coibir e que é tema do Projeto de Lei 1646/19, enviado ao Congresso lá no último dia 22 de março.
De acordo com a proposta, se for constatada inadimplência substancial e reiterada será instaurado processo administrativo contra o contribuinte que corre o risco de ter o CNPJ cancelado e de perder o acesso a benefícios fiscais por até 10 anos.
Em geral, a PGFN tem conseguido recuperar mais ou menos R$ 5 bilhões por ano da dívida, mas, mesmo que ela conseguisse cobrar tudo de uma vez, a dívida não resolveria o problema porque ela é um estoque e o problema da Previdência é de fluxo.
Como assim?
O que o economista quer dizer é que o estoque da dívida previdenciária não é uma receita com a qual se possa contar de forma recorrente.
Caso ela fosse recolhida toda de uma vez só, a conta seria zerada enquanto as despesas da previdência continuariam crescendo pelo menos no mesmo ritmo.
Em outras palavras, o valor recuperado pelo governo diminuiria o déficit acumulado, mas não resolveria o desequilíbrio corrente entre arrecadação e gastos.
Em uma outra conversa que eu tive com o economista Pedro Nery alguns meses atrás, ele comentou que se preocupava menos com a dívida ativa e mais com quem não está na dívida porque foi perdoado ou simplesmente porque é desobrigado de pagar.
Ele estava falando, por exemplo, de Refis e das isenções.
Então vamos a eles.
Refis é um nome genérico para programas de parcelamento de dívidas tributárias.
A empresa deixa de recolher para o INSS, por exemplo, faz uma dívida com a União e pode usar esses programas especiais para alongar essa dívida, pagar em prestações mais suaves ou mesmo para deixar de pagar parte da multa e dos juros.
Vários países se usam desse expediente.
O problema no Brasil é que ele virou rotina e é extremamente benevolente.
Enquanto no exterior os prazos máximos de parcelamento vão de 12 a 24 meses, de acordo com o estudo da OCDE com 26 países, aqui o limite é em média de 180 meses, podendo chegar a 240 em alguns casos, de acordo com um levantamento da Receita Federal divulgado em dezembro de 2017.
Desde os anos 2000, quando surgiram os Refis, foram quase 40 programas.
E qual o problema disso?
Isso cria um péssimo incentivo: você premia um mau pagador e acaba influenciando negativamente os bons pagadores.
Se meu vizinho não paga imposto e todo ano tem a dívida perdoado ou refinanciada, porque eu vou recolher em dia, não é mesmo?
Com o perdão de multa, juros e das dívidas promovidas pelos Refis, só entre 2008 e 2017, os cofres da Previdência deixaram de recolher R$ 44 bilhões.
A PEC da Reforma da Previdência tem um dispositivo para limitar o período máximo dos programas de parcelamento a 60 meses, ou seja, cinco anos.
Tem economista que acha que a mudança é razoável.
Outros acham que ela ainda é muito branda.
Passando agora para as isenções.
Pela regra geral, as empresas precisam recolher o equivalente a 20% do salário dos funcionários para INSS.
Essa é uma das principais fontes de financiamento da Previdência.
Mas uma série de categorias têm tratamento privilegiado nesse sentido: entidades filantrópicas e exportadores rurais, por exemplo, são totalmente isentos.
As pequenas e médias empresas enquadradas no regime tributário do Simples também são.
É que as empresas enquadradas no Simples, que são 74% das firmas no país, fazem pagamento único por mês: uma taxa que varia entre 4,5% e 33% do faturamento bruto e que substitui a cobrança de oito impostos entre eles a contribuição previdenciária.
As isenções custam mais ou menos R$ 60 bilhões por ano.
O problema, nesse caso, é que a gente não sabe se essa renúncia vale a pena ou não.
As instituições filantrópicas na área de saúde e educação estão prestando bom serviço à população, ou seja, estão fazendo o valor do dinheiro dos impostos que estão deixando de pagar valer?
A gente não sabe.
Dentro desse grupo a gente tem, por exemplo, as Santas Casas, que na maioria das vezes suprem as deficiências do SUS, mas tem também instituições privadas de ensino que muitas vezes adaptam os seus modelos de negócios apenas para se encaixam na categoria de filantrópica e tirar proveito da isenção tributária.
O economista Josué Alfredo Pellegrini, da Instituição Fiscal Independente, ressalta que a falta de avaliação de custo-benefício é um problema de praticamente todas as políticas públicas no Brasil.
Falta monitoramento, prazos para avaliação periódica, e, em muitos casos, um prazo para o fim de determinadas políticas.
Mas, afinal, resolver esses problemas solucionaria a questão da Previdência?
A maioria dos economistas diz que não que não dá pra negligenciar a trajetória do aumento das despesas e por duas razões: à medida que a expectativa de vida do brasileiro avança, a Previdência vai ter que pagar um número maior de aposentadorias e por mais tempo.
Do outro lado, o número de contribuintes cresce cada vez menos, já que as famílias brasileiras têm menos filhos.
É por isso que os economistas falam que o déficit da Previdência não é só financeiro, ele é atuarial também ou seja, ele é estrutural.
O assunto é polêmico e tem muita coisa para a gente discutir.
Então, manda suas dúvidas e sugestões sobre Previdência para a gente abordar nos próximos vídeos.
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