'Caixa-preta'? O BNDES em cinco perguntas
[Dec 4, 2018].
Um pouco antes das eleições presidenciais, você começou a receber no seu WhatsApp uma série de imagens como essa daqui? E essa daqui?
Perguntando: por que o BNDES financia tanta obra no exterior se tem tanto problema no Brasil?
"Ah, se essa obra fosse no Nordeste."
Bom, eu sou Amanda Rossi, repórter da BBC News Brasil em São Paulo e, atendendo a pedidos, eu vou falar nesse vídeo sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Eu organizei esse vídeo em torno de cinco perguntas, algumas mais fáceis, outras mais polêmicas.
Pergunta número 1: posso conseguir empréstimo no BNDES?
Só se você for representante de um Estado, de uma prefeitura ou de uma empresa.
Mas também não é toda empresa que consegue.
Ele foi criado em 1952, pelo governo de Getúlio Vargas, para financiar o desenvolvimento da economia do Brasil.
A ideia é que o desenvolvimento de um país precisa de incentivo do Estado.
Vários países também têm bancos públicos de desenvolvimento, como a China, a Alemanha e a Coreia do Sul.
As maiores empresas brasileiras já contaram com o empréstimo do BNDES.
A lista inclui a Petrobras, a Vale, a Embraer, a Natura.
E o poder público também recebe esses empréstimos quando vai construir obras de infraestrutura que são muito caras: rodovia, ferrovia, metrô, obra de saneamento básico, usina hidrelétrica, parque de energia eólica.
Pergunta número 2: Quem decide que modelo de desenvolvimento o banco vai financiar?
Ou, em última análise, quem vai ter prioridade no acesso a esses empréstimos?
É o governo do momento que vai tomar essas decisões.
Nos governos do PT, um dos setores que foram beneficiados pelo financiamento do BNDES foram as grandes empresas brasileiras que teriam chance de se destacar no exterior e, de certa forma, levar o nome do Brasil adiante.
Essa política foi criticada por muitos, por exemplo, que acreditavam que o banco deveria beneficiar mais as pequenas e médias empresas e não se preocupar tanto com a internacionalização das tais "campeãs nacionais", como essas grandes empresas foram chamadas.
Nessa aposta das campeãs, você teve alguns acertos e alguns fracassos, mas, de maneira geral, essa é uma política que deixou de ter a prioridade que ela tinha antes.
Pergunta número 3: Por que o BNDES investe tanto no exterior enquanto a nossa infraestrutura aqui no Brasil é tão precária?
Essa é a pergunta mais comum.
E no alvo da crítica está um tipo de operação específico do BNDES, que é um empréstimo para países estrangeiros contratarem empreiteiras brasileiras para fazerem obras nesses países.
Agora, um spoiler importante: por conta de todas as críticas e da Lava Jato, esse tipo de financiamento foi descontinuado em 2016.
Hoje em dia não tem mais.
Então, o que eu vou explicar a partir de agora é passado, tudo bem?
E como funcionavam esses empréstimos?
Cuba, Venezuela, Angola e outros 11 países pegaram dinheiro emprestado no BNDES, com baixas taxas de juros e longo prazo de pagamento e contrataram empresas brasileiras, como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a OAS, a Queiroz Galvão, a Engevix.
E foi assim que grandes obras de empreiteiras brasileiras se espalharam principalmente pela América Latina e pela África.
Isso era parte de uma política governamental que começou bem antes do governo do PT, mas foi acentuada pelo partido.
Era o BNDES que financiava essas obras porque o Brasil enxergava que seria capaz de competir com outros países, como a China, que também estava financiando as suas empreiteiras para construírem obras na América do Sul e na África.
Um estudo da LCA Consultoria mostrou que, a cada 100 milhões de dólares investidos pelas construtoras brasileiras no exterior, 19 mil empregos eram gerados ou mantidos no Brasil.
Ou seja, havia um argumento de que esses financiamentos serviram para aquecer a economia brasileira e gerar emprego e renda aqui no Brasil.
Agora, entender o real impacto de todos esses projetos é uma questão ainda em aberto.
A maior parte das obras deram certo e estão sendo pagas em dia.
Só que também têm histórias de fracassos.
No ano passado, por exemplo, eu visitei uma dessas obras financiadas por essa linha de financiamento do BNDES, que é o Aeroporto Internacional de Nacala, que fica lá no norte de Moçambique, na África.
Esse aeroporto foi construído pela Odebrecht com dois financiamentos do BNDES, no valor total de 125 milhões de dólares.
Ali não tem demanda por voos.
Nacala, que é onde está construído o aeroporto, é uma região muito pouco movimentada e fica a apenas 190 quilômetros de um outro aeroporto internacional.
Eu estou aqui na pista do Aeroporto Internacional de Nacala.
Não estamos correndo nenhum perigo, porque não tem nenhum voo previsto para chegar ainda hoje.
Na maior parte do tempo, essa pista longa de três quilômetros e esse grande aeroporto lá trás ficam assim, vazios.
Sem conseguir as rendas que esperava com esse aeroporto, Moçambique simplesmente parou de pagar as parcelas do empréstimo para o banco.
E foi aí que então surgiu o primeiro calote do BNDES no exterior.
Pergunta número 4: e a tal da caixa preta do BNDES, existe?
É uma daquelas perguntas polêmicas que a gente falou no começo.
Primeiro, a gente não sabe exatamente o que se quer dizer com caixa preta do BNDES.
O futuro presidente do Brasil Jair Bolsonaro declarou pelo Twitter que vai "abrir a caixa preta", mas não diz exatamente o quê.
O senador Lasier Martins, do PDT do Rio Grande do Sul, também falou de caixa preta.
Ele tem um projeto de lei para proibir o sigilo de operações do BNDES.
Bom, a boa notícia é que, se a caixa preta for isso, essas informações já estão públicas.
O Tribunal de Contas da União, o TCU, um órgão federal que fiscaliza as contas públicas, já criticou muito o BNDES pela falta de transparência.
Abre aspas: "não temos como avaliar se o BNDES aplica os recursos bem ou não.
O banco é hoje uma caixa preta na administração pública.
O BNDES resiste a todas as tentativas de fiscalização mais profunda do TCU." Fecha aspas.
Uma primeira reviravolta ocorreu no começo de 2015, de uma forma muito inesperada: o Congresso da República Dominicana, um dos países que pegou dinheiro com o BNDES para construir obras por lá, postou no seu site um contrato com o BNDES.
"Foi um achado, um tesouro, uma descoberta de Indiana Jones", me disse o economista do Insper Sérgio Lazzarini, que era uma das pessoas que criticava a falta de transparência do banco.
Bom, depois desse episódio, aconteceu um segundo: o BNDES sofreu uma derrota na Justiça.
O banco havia entrado com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal questionando um pedido do TCU por informações sobre operações assinadas com a JBS Friboi.
Segundo o BNDES, os dados estavam protegidos por sigilo bancário.
No julgamento, o ministro relator Luiz Fux declarou, aspas: "Aquele que contrata com o BNDES deve aceitar que a exigência de transparência justifica o conhecimento por toda a sociedade de informações que possam influenciar o seu desempenho empresarial", fecha aspas.
O BNDES foi então obrigado a abrir os dados para o TCU.
A partir daí, o BNDES passou a ser mais transparente e divulgar a informação não só para o TCU, mas também para toda a sociedade no seu site.
Por exemplo, aqui na minha mão agora eu tenho um contrato do BNDES com Moçambique para financiar a construção daquele aeroporto que a gente falou antes.
É um documento que eu sempre quis ver, mas eu não conseguia acessar.
Hoje, está lá no site do BNDES, junto com os contratos de todas as outras obras financiadas no exterior pelo banco.
Na minha reportagem sobre o tema na BBC News Brasil, há um link para todos os tipos de informação que você pode descobrir no site do banco.
Clicá lá e dá uma olhada.
Pergunta número 5: então, por que ainda se fala na caixa preta do BNDES, se ele tem mais transparência hoje?
Em primeiro lugar, porque o banco realmente não era nada transparente antes.
Isso gerou uma impressão muito ruim na opinião pública, que até hoje acha que o BNDES não tem transparência nenhuma.
Aí entra uma pergunta: hoje ainda existe alguma informação sigilosa no BNDES?
A resposta simples é sim.
Só que ainda não existe um consenso se essas informações têm que ser divulgadas ou não.
Essa é uma questão que está parada na Justiça.
São dados principalmente sobre a saúde financeira da empresa que o BNDES leva em conta na hora de decidir se vai emprestar ou não.
Agora, por que essas informações continuam sob sigilo?
O banco alega que, se essas informações forem divulgadas, isso vai acabar gerando um efeito no mercado de capitais.
Por trás de muitas dessas críticas, está a suspeita de que o BNDES também fez parte da teia de corrupção do governo.
Conforme os escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato iam avançando, a mesma desconfiança que pairava sobre outras instituições trouxe também nuvens carregadas para o BNDES.
Isso porque, entre os maiores beneficiados por empréstimos do banco nos últimos anos, estão grandes empresas no coração de investigações de combate à corrupção, como a Odebrecht e a JBS.
E aí a grande questão era se a decisão de emprestar para essas empresas tinha sido simplesmente uma estratégia de desenvolvimento ou incluía também negociatas.
O banco já foi investigado algumas vezes.
Algumas dessas investigações foram encerradas sem apontar irregularidades e outras ainda estão em curso.
No próprio caso do Aeroporto de Nacala, em Moçambique, a dúvida ficou no ar.
A Odebrecht revelou para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em uma investigação feita por lá, que realizou pagamentos corruptos no valor de 900 mil dólares para autoridades moçambicanas.
Mas é importante dizer que não há uma referência direta ao BNDES nesse caso.
No próximo governo, teremos Joaquim Levy como presidente do BNDES e Jair Bolsonaro disse: "se ele não abrir a caixa preta, vai ser demitido".
A gente vai seguir acompanhando.
Será que deu para esclarecer algumas dúvidas?
Você também pode ler a nossa reportagem: está aqui o link.
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Muito obrigada, até a próxima!"