Como a Coreia virou dois países (e qual foi o papel de EUA e União Soviética)
A Guerra da Coreia foi o primeiro conflito da chamada Guerra Fria, que por décadas dividiu o
mundo em áreas de influência de duas potências: os Estados Unidos e a antiga União Soviética.
Foi uma das guerras mais sangrentas do século 20, com consequências que perduram até hoje.
Eu sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e neste vídeo explico por que a
Coreia se dividiu em dois países. Para entender essa guerra,
precisamos dar um passo para trás. Dois dias após uma bomba atômica atingir
Hiroshima, em agosto de 1945, a União Soviética declara guerra ao Japão e invade a Coreia.
O Japão ainda seria alvo de uma segunda bomba atômica, em Nagasaki,
e se renderia poucos dias depois. Era a vitória dos países aliados e
o fim na Segunda Guerra Mundial. A derrota abriu espaço para uma
nova disputa de poder na península coreana, que estava sob domínio do império japonês desde 1910.
Os soviéticos tomaram o controle da parte norte da península.
Enquanto isso, o exército americano desembarcava no sul da Coreia para evitar que todo o
país caísse nas mãos do Exército Vermelho. Da mesma maneira como aconteceu na Alemanha,
com o muro de Berlim, as duas potências definiram suas zonas de influência, separadas por uma linha
divisória próxima ao Paralelo 38. Em 1948, no entanto, essas duas
zonas se converteram em territórios governados de forma independente.
No Sul, se constituiu a Primeira República da Coreia, sob a órbita dos Estados Unidos.
Seu presidente era Syngman Rhee, um político conservador e nacionalista.
Ao norte, nasceu a República Popular Democrática da Coreia, de orientação
comunista e liderada por Kim Il-Sung. Cada Estado reivindicava sua soberania
sobre toda a Coreia, o que fez a tensão crescer ao longo dos meses.
Em 25 de junho de 1950, as tropas da Coreia do Norte cruzaram o
Paralelo 38 e invadiram o sul da península. Com o apoio do líder soviético, Josef Stálin,
o ataque de Kim Il-Sung pegou de surpresa a comunidade internacional e a Coreia do Sul, que
teve de colocar suas forças militares em retirada. Foi então que os americanos decidiram intervir.
É preciso lembrar que o mundo já estava em plena Guerra Fria entre o bloco capitalista,
liderado pelos Estados Unidos, e o comunista, capitaneado pela União Soviética.
A República Popular da China, proclamada por Mao Tsé Tung um ano antes, em 1949,
logo se converteu em uma grande aliada da Coreia do Norte, o que continua sendo até hoje.
O então presidente dos Estados Unidos naquele momento, Harry Truman, queria evitar qualquer
tentativa de expansão do comunismo, como aconteceu em seguida em Cuba e no Vietnã.
Truman estava preocupado com o fato de que, se o comunismo conseguisse dominar a Coreia,
o próximo país a cair seria o Japão, que era muito importante para o comércio americano.
Com a autorização das Nações Unidas, as tropas dos Estados Unidos e de
outros 15 países desembarcaram na Coreia em setembro de 1950.
Com bombardeios aéreos intensos, os americanos arrasaram cidades norte-coreanas inteiras.
Mas as forças norte-coreanas de Kim Il-sung, com o apoio de Stálin e Mao
Tsé Tung, se defenderam e contra-atacaram durante os 3 anos de duração do conflito.
Naquela época, a fronteira entre os dois Estados coreanos foi alterada várias vezes.
Mais de 3 milhões de pessoas morreram, entre elas ao menos dois milhões de civis.
Os Estados Unidos bombardearam a Coreia do Norte com cerca de 635 mil toneladas de explosivos e
33 mil toneladas de napalm, um combustível capaz de queimar qualquer forma de vida.
Entre 12 e 15% da população civil norte-coreana morreu nos bombardeios,
e centenas de milhares de pessoas ficaram desabrigadas.
Em 27 de julho de 1953, pouco depois da morte de Stálin, foi assinado um armistício,
que restaurou a fronteira do Paralelo 38, que existia antes da guerra.
No entanto, nunca se chegou a tratado de paz oficial e definitivo.
Ou seja, 70 anos depois do início do conflito, Coreia do Norte, de um lado,
e Coreia do Sul e Estados Unidos, de outro, seguem tecnicamente em guerra.
Com o fim da guerra na prática, a situação foi diferente nas duas Coreias.
No sul, Syngman Rhee governou de forma autoritária até 1960.
Nos anos seguintes, se alternaram governos democráticos e regimes militares, até que,
no final dos anos 80, se consolidou a democracia na Coreia do Sul.
No norte, Kim Il-sung instaurou um regime totalitário e governou até
sua morte, em 8 de julho de 1994. Ele foi sucedido por seu filho,
Kim Jong-Il, e depois de sua morte em 2011, por seu neto, o atual líder, Kim Jong-un.
A dinastia Kim impôs um sistema baseado na filosofia Juche, ou seja,
um regime comunista adaptado à cultura coreana, com um exército enorme e um sistema econômico
que não permite a propriedade privada. Mas esse modelo entrou em uma profunda
crise depois da queda da União Soviética. Nos anos seguintes, o isolamento, uma grande
crise de fome e sanções internacionais contra seu programa nuclear agravaram a situação no país.
A Coreia do Sul, por outro lado, investiu em educação e no desenvolvimento da indústria
nacional, principalmente voltada a exportações. Apesar do apoio capitalista dos Estados Unidos,
incorporou políticas mais alinhadas ao pensamento da esquerda como a substituição de importações.
Deixou para trás a dependência da produção de commodities de baixo valor agregado como o arroz
ou mesmo a indústria de baixo teor tecnológico, como a de calçados, se aventurando em áreas como
a produção de carros, navios e eletrônicos. Foram investimentos considerados
ambiciosos para o que então era um dos países mais pobres do mundo, que colocaram a Coreia do
Sul no grupo dos chamados Tigres Asiáticos, junto com Cingapura, Taiwan e Hong Kong.
Em uma economia dominada por conglomerados familiares,
o país enfrenta problemas como a corrupção. Mas a população viu, nos últimos 30 anos,
um forte avanço não só da renda como também dos índices de desenvolvimento humano.
As relações entre as duas Coreias são tensas há anos. Desde o fim dos anos 90 houve tentativas
de aproximação e cooperação, sem sucesso. Nem as numerosas reuniões internacionais
para dissuadir a Coreia do Norte de seu programa nuclear em troca
de ajuda financeira foram bem-sucedidas. O país liderado por Kim Jong-un ainda mantém
viva a memória dos ataques aéreos dos EUA e a trágica morte de milhões de civis durante
a guerra para justificar a necessidade de desenvolver um arsenal nuclear.
A comunidade internacional, por outro lado, teme que essas armas
nas mãos de um regime não democrático como a Coreia do Norte sejam uma ameaça global.
Em abril de 2018, os presidentes Kim Jong-un e Moon Jae-in assinaram [a Declaração de
Panmunjom] um acordo para transformar o armistício de 1953 em um tratado de paz,
com a cooperação dos Estados Unidos e da China. Mas na prática, isso não teve um efeito
palpável até agora. As negociações inéditas
entre os governos de Donald Trump e Kim Jong-un também não chegaram a um acordo.
70 anos após o início da Guerra da Coreia, centenas de milhares de famílias coreanas
ainda vivem separadas pelo Paralelo 38. Uma fronteira que continua sendo uma
das mais militarizadas do mundo e um dos últimos legados da Guerra Fria.
Os historiadores estimam que, durante a guerra, Mao Tsé-tung enviou 2 milhões de
soldados chineses para a Coreia do Norte. Entre eles estava seu filho mais velho,
Mao Anying, morto durante um bombardeio nos Estados Unidos.
Quando o líder chinês foi informado da derrota, declarou:
"Na guerra há sacrifícios. Sem sacrifícios não haverá vitória."
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