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Os Escravos, por Antonio Frederico de Castro Alves, 14º Poema: Confidência, de Os Escravos, de Castro Alves

14º Poema: Confidência, de Os Escravos, de Castro Alves

Confidência

Maldição sobre vós, doutores da

lei!

Maldição sobre vós, hipócritas! Assemelhais-vos aos sepulcros brancos

por fora; o exterior parece formoso,

mas o interior está cheio de ossos e

podridão.

EVANGELHO DE SÃO MATEUS, cap.

XXII. Quando, Maria, vês de minha fronte

Negra idéia voando no horizonte,

as asas desdobrar,

Triste segues então meu pensamento,

Como fita o barqueiro de Sorrento

As nuvens ao luar.

E tu me dizes, pálida inocente,

Derramando uma lágrima tremente,

Como orvalho de dor:

"Por que sofres?

A selva tem odores, "0 céu tem astros, os vergéis têm flores,

"Nossas almas o amor".

Ai!

tu vês nos teus sonhos de criança A ave de amor que o ramo da esperança

Traz no bico a voar;

E eu vejo um negro abutre que esvoaça,

Que co'as garras a púrpura espedaça

Do manto popular.

Tu vês na onda a flor azul dos campos,

Donde os astros, errantes pirilampos,

Se elevam para os céus;

E eu vejo a noite borbulhar das vagas

E a consciência é quem me aponta as plagas

Voltada para Deus.

Tua alma é como as veigas sorrentinas

Onde passam gemendo as cavatinas

Cantadas ao luar.

A minha — eco do grito, que soluça,

Grito de toda dor que se debruça

Do lábio a soluçar.

É que eu escuto o sussurrar de idéias,

O marulho talvez das epopéias,

Em torno aos mausoléus,

E me curvo no túm'lo das idades

— Crânios de pedra, cheios de verdades

E da sombra de Deus.

E nessas horas julgo que o passado

Dos túmulos a meio levantado

Me diz na solidão:

"Que és tu, poeta?

A lâmpada da orgia, "Ou a estrela de luz, que os povos guia

"À nova redenção?

Ó Maria, mal sabes o fadário

Que o moço bardo arrasta solitário

Na impotência da dor.

Quando vê que debalde à liberdade

Abriu sua alma - urna da verdade

Da esperança e do amor!

...

Quando vê que uma lúgubre coorte

Contra a estátua (sagrada pela morte)

Do grande imperador,

Hipócrita, amotina a populaça,

Que morde o bronze, como um cão de caça

No seu louco furor!

...

Sem poder esmagar a iniqüidade

Que tem na boca sempre a liberdade,

Nada no coração;

Que ri da dor cruel de mil escravos,

— Hiena, que do túmulo dos bravos,

Morde a reputação!

...

Sim... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote

As espáduas fustiga com o chicote

Ao cativo infeliz;

Que o pescador das almas já se esquece

Das santas pescarias e adormece

Junto da meretriz...

Que o apóstolo, o símplice romeiro,

Sem bolsa, sem sandálias, sem dinheiro,

Pobre como Jesus,

Que mendigava outrora à caridade

Pagando o pão com o pão da eternidade,

Pagando o amor com a luz,

Agora adota a escravidão por filha,

Amolando nas páginas da Bíblia

O cutelo do algoz...

Sinto não ter um raio em cada verso

Para escrever na fronte do perverso:

"Maldição sobre vós!

Maldição sobre vós, tribuno falso!

Rei, que julgais que o negro cadafalso

É dos tronos o irmão!

Bardo, que a lira prostituis na orgia

— Eunuco incensador da tirania —

Sobre ti maldição!

Maldição sobre tí, rico devasso,

Que da música, ao lânguido compasso,

Embriagado não vês

A criança faminta que na rua

Abraça u'a mulher pálida e nua,

Tua amante...

talvez!... Maldição!

... Mas que importa?... Ela espedaça Acaso a flor olente que se enlaça

Nas c'roas festivais?

Nodoa a veste rica ao sibarita?

Que importam cantos, se é mais alta a grita

Das loucas bacanais?

Oh!

por isso, Maria, vês, me curvo Na face do presente escuro e turvo

E interrogo o porvir;

Ou levantando a voz por sobre os montes, —

"Liberdade", pergunto aos horizontes,

Quando enfim hás de vir?

Por isso, quando vês as noites belas,

Onde voa a poeira das estrelas

E das constelações,

Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,

E onde, como santelmos da tormenta,

Fulgem revoluções!...

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14º Poema: Confidência, de Os Escravos, de Castro Alves 14th Poem: Confidência, from Os Escravos, by Castro Alves

Confidência

Maldição sobre vós, doutores da

lei!

Maldição sobre vós, hipócritas! Assemelhais-vos aos sepulcros brancos

por fora; o exterior parece formoso,

mas o interior está cheio de ossos e

podridão.

EVANGELHO DE SÃO MATEUS, cap.

XXII. Quando, Maria, vês de minha fronte

Negra idéia voando no horizonte,

as asas desdobrar,

Triste segues então meu pensamento,

Como fita o barqueiro de Sorrento

As nuvens ao luar.

E tu me dizes, pálida inocente,

Derramando uma lágrima tremente,

Como orvalho de dor:

"Por que sofres?

A selva tem odores, "0 céu tem astros, os vergéis têm flores,

"Nossas almas o amor".

Ai!

tu vês nos teus sonhos de criança A ave de amor que o ramo da esperança

Traz no bico a voar;

E eu vejo um negro abutre que esvoaça,

Que co’as garras a púrpura espedaça

Do manto popular.

Tu vês na onda a flor azul dos campos,

Donde os astros, errantes pirilampos,

Se elevam para os céus;

E eu vejo a noite borbulhar das vagas

E a consciência é quem me aponta as plagas

Voltada para Deus.

Tua alma é como as veigas sorrentinas

Onde passam gemendo as cavatinas

Cantadas ao luar.

A minha — eco do grito, que soluça,

Grito de toda dor que se debruça

Do lábio a soluçar.

É que eu escuto o sussurrar de idéias,

O marulho talvez das epopéias,

Em torno aos mausoléus,

E me curvo no túm’lo das idades

— Crânios de pedra, cheios de verdades

E da sombra de Deus.

E nessas horas julgo que o passado

Dos túmulos a meio levantado

Me diz na solidão:

"Que és tu, poeta?

A lâmpada da orgia, "Ou a estrela de luz, que os povos guia

"À nova redenção?

Ó Maria, mal sabes o fadário

Que o moço bardo arrasta solitário

Na impotência da dor.

Quando vê que debalde à liberdade

Abriu sua alma - urna da verdade

Da esperança e do amor!

...

Quando vê que uma lúgubre coorte

Contra a estátua (sagrada pela morte)

Do grande imperador,

Hipócrita, amotina a populaça,

Que morde o bronze, como um cão de caça

No seu louco furor!

...

Sem poder esmagar a iniqüidade

Que tem na boca sempre a liberdade,

Nada no coração;

Que ri da dor cruel de mil escravos,

— Hiena, que do túmulo dos bravos,

Morde a reputação!

...

Sim... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote

As espáduas fustiga com o chicote

Ao cativo infeliz;

Que o pescador das almas já se esquece

Das santas pescarias e adormece

Junto da meretriz...

Que o apóstolo, o símplice romeiro,

Sem bolsa, sem sandálias, sem dinheiro,

Pobre como Jesus,

Que mendigava outrora à caridade

Pagando o pão com o pão da eternidade,

Pagando o amor com a luz,

Agora adota a escravidão por filha,

Amolando nas páginas da Bíblia

O cutelo do algoz...

Sinto não ter um raio em cada verso

Para escrever na fronte do perverso:

"Maldição sobre vós!

Maldição sobre vós, tribuno falso!

Rei, que julgais que o negro cadafalso

É dos tronos o irmão!

Bardo, que a lira prostituis na orgia

— Eunuco incensador da tirania —

Sobre ti maldição!

Maldição sobre tí, rico devasso,

Que da música, ao lânguido compasso,

Embriagado não vês

A criança faminta que na rua

Abraça u’a mulher pálida e nua,

Tua amante...

talvez!... Maldição!

... Mas que importa?... Ela espedaça Acaso a flor olente que se enlaça

Nas c’roas festivais?

Nodoa a veste rica ao sibarita?

Que importam cantos, se é mais alta a grita

Das loucas bacanais?

Oh!

por isso, Maria, vês, me curvo Na face do presente escuro e turvo

E interrogo o porvir;

Ou levantando a voz por sobre os montes, —

"Liberdade", pergunto aos horizontes,

Quando enfim hás de vir?

Por isso, quando vês as noites belas,

Onde voa a poeira das estrelas

E das constelações,

Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,

E onde, como santelmos da tormenta,

Fulgem revoluções!...