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BBC Brasil 2019 (Áudio/Vídeo+CC), Barragem de Brumadinho: As lições ignoradas do desastre da Samarco em Mariana

Barragem de Brumadinho: As lições ignoradas do desastre da Samarco em Mariana

[Feb 5, 2019].

'Mariana nunca mais'.

Foi com esse lema que o atual presidente da Vale tomou posse em dezembro de 2017.

A ideia era aprender as lições com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, em 2015, a maior tragédia ambiental do Brasil.

Três anos depois, com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a gente pode estar diante da pior tragédia humana.

Se Mariana era para servir de exemplo para evitar novos desastres, que ensinamentos foram esses que o governo e as empresas ignoraram.

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil aqui em Londres e vou falar aqui de quatro lições que pelo visto não foram levadas a sério.

Primeira: proximidade das barragens com as comunidades.

Em Mariana, o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, arrasou o subdistrito de Bento Rodrigues, que ficava a seis quilômetros do local do acidente.

19 pessoas morreram.

A tragédia só não foi maior em termos de mortes humanas porque uma funcionária de uma empresa que prestava serviços para a Samarco e que era moradora de Bento Rodrigues, a Paula Geralda, conseguiu descer de moto até a cidade e alertar a população.

Em vez de fugir para uma área segura, ela arriscou a vida para salvar a comunidade.

Foi a sirene que não tocou.

Eu conversei com ela pra lembrar essa história.

Vamos ouvir....

"...Eu peguei e saí correndo, peguei a minha moto. Saí para a rua gritando: Corre, a barragem estourou. Corre! Aí as pessoas foram acreditando e foi todo mundo correndo, um ajudando o outro. Praticamente atravessei na frente do tsunami de lama para avisar à comunidade. Quando eu cheguei lá no alto do morro onde a gente ficou, que olhou para atrás... que eu vi que o Bento tinha acabado".

Bento Rodrigues tinha cerca de 600 habitantes. A cidade ficou destruída.

Ficou claro desde então o perigo de instalar barragens perto de cidades e áreas de preservação ambiental.

Os promotores que atuaram na força tarefa de investigação do desastre de Mariana defenderam que houvesse uma área de segurança de pelo menos 10 quilômetros ao redor da barragem para evitar que um eventual vazamento destruísse comunidades próximas.

Um projeto de lei chegou a ser apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Mas até hoje não foi votado.

Em Brumadinho, a própria área administrativa da Vale e o refeitório da empresa foram instalados logo abaixo da barragem, a menos de dois quilômetros dela.

Os primeiros a serem engolidos pela lama foram os próprios funcionários da empresa.

A Pousada Nova Estância e a comunidade Vila Ferteco, que também foram destruídos, ficavam a dois quilômetros da barragem.

Da pousada, não sobrou absolutamente nada.

O dono, a esposa e o filho morreram e mais de 30 pessoas estão desaparecidas.

Eu mesma fiquei hospedada lá dois anos atrás com a minha família toda: pai, mãe, irmã, primos.

Agora, famílias inteiras assim se perderam na lama.

Segunda lição ignorada: sistema de sirenes.

A preocupação imediata do Ministério Público depois do acidente de Mariana foi exigir um sistema de alerta à população que funcionasse.

A mina de Fundão, onde ficava a barragem que rompeu em 2015, como a gente viu não tinha qualquer sistema de sirenes.

Depois da tragédia, a instalação de sistema de alerta por sirenes passou a ser exigida por lei.

No caso de Brumadinho, elas chegaram a ser instaladas nas comunidades próximas e na barragem.

Mas os moradores disseram à BBC News Brasil que elas não tocaram.

Eu conversei com a Beatriz Vignolo, que trabalha para uma ONG que fica bem perto da barragem.

Vamos ouvir o que ela falou....

"...Pelas informações da comunidade, não houve a sirene, não teve o acionamento da sirene, e também não teve treinamento da população para evacuar. É mais uma violação que agrava ainda mais esse cenário, né".

E sabe por que essas sirenes não funcionaram?

Porque o sistema que desencadeia esse alerta, ou seja as primeiras sirenes, foram as primeiras a serem engolidas pela lama, disse o próprio presidente da Vale numa entrevista de imprensa.

Sirenes só tocaram no domingo, três dias depois do rompimento, quando surgiram ameaças de rompimento em outras barragens da região.

Um morador registrou o momento desse alerta, e a repórter Amanda Rossi, enviada especial da BBC News Brasil a Brumadinho, conseguiu essa gravação.

"...Rompimento de barragem! Abandonem imediatamente suas residências. Sigam pela rota de fuga até o ponto de encontro..."

Que rotas de fuga? Que ponto de encontro?

Bom, sem treinamento e informação, como é que os moradores iam seguir essa instrução?

"...Mais uma vez aconteceu um crime. E dessa vez foi pior ainda porque foi humano, né. Achei que essa daqui serviu de alerta, e eles tinham aprendido. Mas, sinceramente eles não aprenderam, não!"

Terceiro ponto: autofiscalização.

Outro aspecto que foi muito questionado depois do desastre em Mariana é o fato de que são as próprias empresas mineradoras que contratam os fiscais para fazerem inspeções anuais de segurança nas barragens.

É a chamada autofiscalização.

No caso de Brumadinho, o presidente da Vale disse que uma empresa alemã, a TÜV SÜD, havia atestado a estabilidade da estrutura em setembro de 2018.

Funcionários dessa empresa e da Vale foram presos depois do rompimento, diante da suspeita de fraude nesse procedimento.

Eu conversei com o promotor que atua em investigações sobre mineradoras, e ele fez o seguinte questionamento: você acha que uma empresa contratada pela própria mineradora vai apontar todas as potenciais irregularidades possíveis?

Pode ser que aponte, existem, claro, profissionais muito sérios no mercado, mas o fato é que a gente teve em três anos dois acidentes com perdas humanas em barragens que tinham sido classificadas como seguras.

Tanto a barragem de Mariana quanto a de Brumadinho tinham recebido o aval de estabilidade por empresas contratadas pela Vale e a Samarco.

Nessa autofiscalização, existe o famoso, mas nem sempre levado a sério, conflito de interesse.

Mas por que essa inspeção não é feita pelo governo?

O órgão responsável pela fiscalização é a Agência Nacional de Mineração.

O problema é que só existem 35 técnicos capacitados para inspecionar barragens.

E são 790 barragens em todo o Brasil.

Por isso, o poder público transfere essa função para as próprias mineradoras.

Última lição ignorada: licença ambiental.

No caso do desastre em Mariana, o Ministério Público apontou falhas e omissões no processo de licenciamento ambiental para as operações da Samarco, que na verdade é de propriedade da Vale e da BHP, uma empresa holandesa.

Essas licenças não teriam considerado riscos de rompimento da barragem e impacto ambiental.

Os promotores que investigaram o caso passaram a defender maior participação das comunidades afetadas e do próprio Ministério Público no processo de aprovação dessas licenças.

Mas, de lá pra cá, em vez de tornar as regras mais rígidas, o governo de Minas Gerais afrouxou a legislação.

Em dezembro de 2017, por uma decisão do Conselho de Política Ambiental do Estado, Copam, foi aprovada a possibilidade de uma licença express, que permite que o processo de licenciamento ocorra em apenas uma etapa.

O licenciamento tradicional exige três e pode demorar anos.

Foi exatamente com esse tipo de licenciamento rápido que a Vale obteve autorização em dezembro de 2018 para retomar as atividades na barragem de Brumadinho 1.

O objetivo da empresa era reutilizar parte do rejeito depositado lá.

Menos de um mês depois, a barragem se rompeu, como a gente está vendo.

A Vale disse que não tinha começado qualquer operação, mas moradores falam que viram rejeitos sendo retirados de lá.

É uma pergunta crucial que a investigação vai ter que responder.

A gente vai continuar acompanhando de perto todas as informações.

Assine o canal da BBC News Brasil no Youtube para ficar por dentro.

Até logo!

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Barragem de Brumadinho: As lições ignoradas do desastre da Samarco em Mariana Brumadinho Dam: The ignored lessons of the Samarco disaster in Mariana ブルマディーニョ・ダム:マリアナにおけるサマルコ社事故の無視された教訓

[Feb 5, 2019].

'Mariana nunca mais'.

Foi com esse lema que o atual presidente da Vale tomou posse em dezembro de 2017.

A ideia era aprender as lições com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, em 2015, a maior tragédia ambiental do Brasil.

Três anos depois, com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a gente pode estar diante da pior tragédia humana.

Se Mariana era para servir de exemplo para evitar novos desastres, que ensinamentos foram esses que o governo e as empresas ignoraram.

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil aqui em Londres e vou falar aqui de quatro lições que pelo visto não foram levadas a sério.

Primeira: proximidade das barragens com as comunidades.

Em Mariana, o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, arrasou o subdistrito de Bento Rodrigues, que ficava a seis quilômetros do local do acidente.

19 pessoas morreram.

A tragédia só não foi maior em termos de mortes humanas porque uma funcionária de uma empresa que prestava serviços para a Samarco e que era moradora de Bento Rodrigues, a Paula Geralda, conseguiu descer de moto até a cidade e alertar a população.

Em vez de fugir para uma área segura, ela arriscou a vida para salvar a comunidade.

Foi a sirene que não tocou.

Eu conversei com ela pra lembrar essa história.

Vamos ouvir....

"...Eu peguei e saí correndo, peguei a minha moto. Saí para a rua gritando: Corre, a barragem estourou. Corre! Aí as pessoas foram acreditando e foi todo mundo correndo, um ajudando o outro. Praticamente atravessei na frente do tsunami de lama para avisar à comunidade. Quando eu cheguei lá no alto do morro onde a gente ficou, que olhou para atrás... que eu vi que o Bento tinha acabado".

Bento Rodrigues tinha cerca de 600 habitantes. A cidade ficou destruída.

Ficou claro desde então o perigo de instalar barragens perto de cidades e áreas de preservação ambiental.

Os promotores que atuaram na força tarefa de investigação do desastre de Mariana defenderam que houvesse uma área de segurança de pelo menos 10 quilômetros ao redor da barragem para evitar que um eventual vazamento destruísse comunidades próximas.

Um projeto de lei chegou a ser apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Mas até hoje não foi votado.

Em Brumadinho, a própria área administrativa da Vale e o refeitório da empresa foram instalados logo abaixo da barragem, a menos de dois quilômetros dela.

Os primeiros a serem engolidos pela lama foram os próprios funcionários da empresa.

A Pousada Nova Estância e a comunidade Vila Ferteco, que também foram destruídos, ficavam a dois quilômetros da barragem.

Da pousada, não sobrou absolutamente nada.

O dono, a esposa e o filho morreram e mais de 30 pessoas estão desaparecidas.

Eu mesma fiquei hospedada lá dois anos atrás com a minha família toda: pai, mãe, irmã, primos.

Agora, famílias inteiras assim se perderam na lama.

Segunda lição ignorada: sistema de sirenes.

A preocupação imediata do Ministério Público depois do acidente de Mariana foi exigir um sistema de alerta à população que funcionasse.

A mina de Fundão, onde ficava a barragem que rompeu em 2015, como a gente viu não tinha qualquer sistema de sirenes.

Depois da tragédia, a instalação de sistema de alerta por sirenes passou a ser exigida por lei.

No caso de Brumadinho, elas chegaram a ser instaladas nas comunidades próximas e na barragem.

Mas os moradores disseram à BBC News Brasil que elas não tocaram.

Eu conversei com a Beatriz Vignolo, que trabalha para uma ONG que fica bem perto da barragem.

Vamos ouvir o que ela falou....

"...Pelas informações da comunidade, não houve a sirene, não teve o acionamento da sirene, e também não teve treinamento da população para evacuar. É mais uma violação que agrava ainda mais esse cenário, né".

E sabe por que essas sirenes não funcionaram?

Porque o sistema que desencadeia esse alerta, ou seja as primeiras sirenes, foram as primeiras a serem engolidas pela lama, disse o próprio presidente da Vale numa entrevista de imprensa.

Sirenes só tocaram no domingo, três dias depois do rompimento, quando surgiram ameaças de rompimento em outras barragens da região.

Um morador registrou o momento desse alerta, e a repórter Amanda Rossi, enviada especial da BBC News Brasil a Brumadinho, conseguiu essa gravação.

"...Rompimento de barragem! Abandonem imediatamente suas residências. Sigam pela rota de fuga até o ponto de encontro..."

Que rotas de fuga? Que ponto de encontro?

Bom, sem treinamento e informação, como é que os moradores iam seguir essa instrução?

"...Mais uma vez aconteceu um crime. E dessa vez foi pior ainda porque foi humano, né. Achei que essa daqui serviu de alerta, e eles tinham aprendido. Mas, sinceramente eles não aprenderam, não!"

Terceiro ponto: autofiscalização.

Outro aspecto que foi muito questionado depois do desastre em Mariana é o fato de que são as próprias empresas mineradoras que contratam os fiscais para fazerem inspeções anuais de segurança nas barragens.

É a chamada autofiscalização.

No caso de Brumadinho, o presidente da Vale disse que uma empresa alemã, a TÜV SÜD, havia atestado a estabilidade da estrutura em setembro de 2018.

Funcionários dessa empresa e da Vale foram presos depois do rompimento, diante da suspeita de fraude nesse procedimento.

Eu conversei com o promotor que atua em investigações sobre mineradoras, e ele fez o seguinte questionamento: você acha que uma empresa contratada pela própria mineradora vai apontar todas as potenciais irregularidades possíveis?

Pode ser que aponte, existem, claro, profissionais muito sérios no mercado, mas o fato é que a gente teve em três anos dois acidentes com perdas humanas em barragens que tinham sido classificadas como seguras.

Tanto a barragem de Mariana quanto a de Brumadinho tinham recebido o aval de estabilidade por empresas contratadas pela Vale e a Samarco.

Nessa autofiscalização, existe o famoso, mas nem sempre levado a sério, conflito de interesse.

Mas por que essa inspeção não é feita pelo governo?

O órgão responsável pela fiscalização é a Agência Nacional de Mineração.

O problema é que só existem 35 técnicos capacitados para inspecionar barragens.

E são 790 barragens em todo o Brasil.

Por isso, o poder público transfere essa função para as próprias mineradoras.

Última lição ignorada: licença ambiental.

No caso do desastre em Mariana, o Ministério Público apontou falhas e omissões no processo de licenciamento ambiental para as operações da Samarco, que na verdade é de propriedade da Vale e da BHP, uma empresa holandesa.

Essas licenças não teriam considerado riscos de rompimento da barragem e impacto ambiental.

Os promotores que investigaram o caso passaram a defender maior participação das comunidades afetadas e do próprio Ministério Público no processo de aprovação dessas licenças.

Mas, de lá pra cá, em vez de tornar as regras mais rígidas, o governo de Minas Gerais afrouxou a legislação.

Em dezembro de 2017, por uma decisão do Conselho de Política Ambiental do Estado, Copam, foi aprovada a possibilidade de uma licença express, que permite que o processo de licenciamento ocorra em apenas uma etapa.

O licenciamento tradicional exige três e pode demorar anos.

Foi exatamente com esse tipo de licenciamento rápido que a Vale obteve autorização em dezembro de 2018 para retomar as atividades na barragem de Brumadinho 1. |||||||||||||||||||||dam||

O objetivo da empresa era reutilizar parte do rejeito depositado lá.

Menos de um mês depois, a barragem se rompeu, como a gente está vendo.

A Vale disse que não tinha começado qualquer operação, mas moradores falam que viram rejeitos sendo retirados de lá.

É uma pergunta crucial que a investigação vai ter que responder.

A gente vai continuar acompanhando de perto todas as informações.

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Até logo!