Coronavírus: o número de reprodução, porque é essencial para o fim da quarentena
[May 23, 2020].
Existe um número que é fundamental para entender a pandemia do novo coronavírus.
Ele está guiando muitos governos nas decisões sobre estratégias para proteger a população e tem sido usado para avaliar quando e como é possível começar a relaxar as quarentenas que paralisam grande parte do mundo.
Sou a Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil em São Paulo, e neste vídeo vou falar sobre o tal do número básico de reprodução.
Nunca ouviu falar?
Talvez você o conheça como R0, como também é chamado.
Ele sinaliza a quantas pessoas, em média, um indivíduo infectado pode transmitir o vírus, supondo que ninguém tenha imunidade ou esteja tomando medidas ativas para prevenir a doença.
Em outras palavras, é o número que define o quão contagioso é o vírus.
O R0 do sarampo, por exemplo, que é uma doença muito contagiosa, vai de 13 a 18.
Ou seja, uma só pessoa pode infectar entre 13 e 18 outras pessoas.
O da gripe comum é de 1,3.
A estimativa é que o novo coronavírus, o Sars-Cov-2, tenha um R0 de cerca de 3.
E por que está todo mundo de olho nesse número?
Ele permite aos especialistas prever a rapidez com que uma doença vai se espalhar, neste caso, a covid-19, que criou uma crise sem precedentes no mundo, e ajuda as autoridades a decidir que tipo de medidas vão tomar para conter um surto.
Se o R0 é maior que 1, significa que o agente infeccioso é “autossustentável”, ou seja, que ele não será extinto por si só.
No caso do novo coronavírus, cada pessoa doente infecta outras duas ou três, que por sua vez contagiam a outras duas ou três e por aí vai.
Assim, sem medidas pra conter essa propagação, o vírus se espalha pela população de forma exponencial.
Para conter a pandemia, o que precisamos é que essas duas ou três pessoas infectadas no início se transformem em menos de uma - estatisticamente, claro - pra que o volume de infectados possa ir diminuindo.
Um caminho para isso são as medidas de isolamento e distanciamento social implementadas em diversos países.
E é aí que entra em cena outro termo - o Rt, que é o número efetivo de reprodução, o ritmo de contágio de fato, influenciado pelas medidas de controle de disseminação da doença.
Assim, ele varia no tempo.
Pra deixar isso mais claro, vou usar como exemplo um modelo feito pelo diretor de estatística da BBC: uma redução à metade de um R de 2,5 diminui o número total de pessoas infectadas por um doente de 406 para 15 por mês.
Ou seja, se cada pessoa passar a transmitir o vírus para 1,25 pessoa em vez de 2,5 - porque está saindo menos de casa, por exemplo - no fim do mês a rede de pessoas infectadas por ele cai de 406 para 15 indivíduos.
Foi isso que levou governos a fecharem escolas, restaurantes e bares, e a pedirem que você não saia de casa, que não veja familiares e amigos e, se possível, trabalhe de casa.
Reduzir ao máximo o contato entre as pessoas é a principal ferramenta usada até agora para diminuir a velocidade de contágio.
Como falei antes, o número de reprodução varia de acordo com a adesão ao distanciamento social, mas também à medida que a população vai adquirindo imunidade ao vírus.
No caso do novo coronavírus, os cientistas ainda tentam descobrir a extensão dessa imunidade: se ela é permanente ou de curta ou longa duração.
Entender isso vai ajudar a prever o comportamento do vírus no futuro, e o que precisamos fazer para que ele não cause mais estragos.
Os epidemiologistas estão observando e recalculando o Rt constantemente desde a implementação das quarentenas.
Quando se avalia a possibilidade de relaxar as medidas de distanciamento social, o objetivo é sempre manter o número de reprodução abaixo de 1.
O grande desafio é conseguir que as mudanças nas quarentenas não impliquem um aumento exponencial dos contágios.
Um exemplo desse impasse é a Alemanha, que agiu desde o início com testes em massa e no rastreamento de doentes, além de ter um sistema de saúde bem equipado.
Lá, o número de reprodução havia caído para menos de 1.
Com isso, o país relaxou sua quarentena - permitindo que todas as lojas abrissem, que as crianças voltassem gradualmente para a escola e que os campeonatos de futebol fossem retomados.
Mas há pouco dias, a agência do governo responsável pelo controle de epidemias anunciou que o R já era maior que 1 novamente.
Até o momento em que eu gravei esse vídeo, o governo alemão dizia que ainda não era motivo para alarme.
Para eles, só haveria motivo para preocupação se o indicador alcançasse 1,2 ou 1,3 por vários dias seguidos, o que ainda não acontecer.
No Brasil, o número esteve em 2,81 no fim de abril, indicando que cada pessoa infectada no país transmitia o vírus para cerca de outras 3, segundo pesquisadores que estudam o tema no Imperial College de Londres.
Na semana iniciada no dia 5 de maio, esse número teria caído para 2 (mais especificamente entre 1,63 e 2,43), o terceiro pior entre estimativas para 54 países, atrás apenas de Porto Rico e Bangladesh.
Na contagem anterior, o Brasil estava no topo da lista.
Nos EUA, o país hoje mais afetado pelo coronavírus, o R0 é de 1,11.
O esforço para reduzir o número de reprodução tem gerado mudanças radicais na vida de muita gente.
E, infelizmente, não há um manual que estipule como cada medida impacta a velocidade de propagação do vírus.
Por isso, as autoridades e especialistas deverão ir observando com muito cuidado o que acontece quando se relaxa algumas dessas medidas, como o fechamento de escolas e a proibição de eventos que aglomerem pessoas.
Em paralelo, é preciso aplicar outras medidas que também ajudam a controlar a disseminação do vírus: fazer testes diagnósticos em massa e usar aplicativos que rastreiem e localizem os contágios, por exemplo.
Uma vacina seria outra forma - bastante eficiente - de baixar o número de reprodução do vírus.
Se um paciente com coronavírus pode transmitir a doença, em média, a outras três pessoas, mas duas delas estão vacinadas, o número de reprodução cai de 3 para 1.
Mas é provável que a gente precise de um pouco de paciência até poder contar com essa ferramenta, já que os especialistas dizem que uma vacina contra a covid-19 não deve estar disponível pelo menos até a metade de 2021.
Eu fico por aqui, tchau!