A sangrenta história da mineração no Brasil
[Apr 2, 2019].
Mariana e Brumadinho.
Em instantes, ondas de lama soterraram trabalhadores, arrastaram casas, arrasaram ecossistemas.
Foram os episódios mais mortíferos da história da mineração no Brasil.
Mas não foram os únicos.
Desde que os portugueses puseram os pés aqui, a busca por riquezas embaixo da terra provocou uma série de tragédias e rebeliões.
Eu sou João Fellet, repórter da BBC News Brasil, e hoje eu vou contar a história da busca por minérios e metais preciosos no país.
Uma história de aventuras e grandes descobertas, mas também de muito sangue e vítimas anônimas.
Logo na carta em que descrevia as terras alcançadas pelas primeiras naus portuguesas, o escrivão Pero Vaz Caminha cita gestos promissores feitos pelos índios que receberam os exploradores.
"...um deles pôs olho no colar do capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro.
Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata".
A coroa portuguesa agiu para resguardar as riquezas.
Em 1521, são editadas as Ordenações Manuelinas, leis que reservavam a Portugal a posse do ouro e de qualquer outro metal nos solos das colônias.
Súditos podiam explorar as riquezas, mas tinham de reservar um quinto dos ganhos para o Império Português.
Exploradores paulistas se lançaram em grandes expedições atrás de metais preciosos.
Eram os famosos bandeirantes.
O historiador Luiz Felipe de Alencastro conta que essas viagens também tinham objetivo de capturar indígenas, levados para aldeias vizinhas, a portos e cidades.
Mal alimentados, expostos ao trabalho forçado num ambiente epidemiológico que lhes era particularmente hostil, os índios aldeados pereciam em grande número, escreveu Alencastro.
No fim do século 17, são descobertos depósitos de ouro na região que viria a ser chamada de Minas Gerais.
Poucas décadas depois, praticamente não havia mais indígenas por lá.
A antropóloga Berta Ribeiro encontrou uma carta em que o governador de São Paulo na época declarava que todos os índios da região das minas haviam sido exterminados pelos paulistas sem que a história sequer registrasse seus nomes.
Naqueles anos, milhares de portugueses se mudavam para a região mineradora.
Junto deles vinham africanos escravizados para trabalhar nas minas e construir as cidades que iam se formando.
Uma das mais concorridas era Ouro Preto, na época batizada de Vila Rica.
Também naqueles tempos surgiram Mariana, Congonhas do Campo e Sabará, que em tupi quer dizer pedra brilhante.
Já naquela época eram comuns os registros de escravos que morriam soterrados ou afogados após o rompimento de barragens de contenção.
Enquanto as minas eram exploradas, Portugal apertava o cerco sobre a região aurífera.
A coroa nomeou um intendente para fiscalizar a cobrança de impostos, organizar a distribuição de lotes e administrar conflitos.
As tensões cresciam conforme a população na região se multiplicava.
Os paulistas, primeiros a descobrir o ouro, hostilizavam os que chegaram depois, a quem chamavam de emboabas.
Entre 1707 e 1709, os dois grupos travaram confrontos violentos na chamada Guerra dos Emboabas, e Portugal teve de enviar um governador à região para acalmar os ânimos.
Uma década depois, outro conflito eclodiu quando a coroa instalou uma casa de fundição em Vila Rica para acolher sua quinta parte mais perto das minas e dificultar a sonegação de impostos.
Um grupo liderado por Pascoal da Silva Guimarães e Filipe dos Santos se insurgiu contra as autoridades.
Contida a revolta, Filipe dos Santos foi preso e condenado à forca.
O corpo dele acabou esquartejado e exibido pela cidade como exemplo.
Após a independência e a proclamação da república, mudanças nas leis abriram caminho para grandes projetos de mineração, mas mineradoras brasileiras enfrentavam dificuldades para concorrer num mercado dominado pelas potências.
As duas guerras mundiais criaram oportunidades para que a atividade finalmente deslanchasse, e o Brasil aproveitasse a maior demanda por matérias primas para a indústria bélica.
Em 1941, a Companhia Siderúrgica Nacional foi criada para impulsionar a produção de aço no Brasil.
No ano, seguinte uma negociação entre Brasil, Estados Unidos e Grã Bretanha deu origem à companhia Vale do Rio Doce, criada para abastecer as duas potências com minério de ferro brasileiro.
Em menos de uma década, a empresa se tornou responsável por 82% das exportações brasileiras desse minério.
Inicialmente focada em Minas, a Vale expandiu as operações para a Amazônia com a descoberta de grandes reservas minerais no Pará.
Nos anos 70 e 80, a implantação do projeto Grande Carajás levou 90 mil trabalhadores para a região.
Outros tantos foram atraídos pela construção das rodovias, Transamazônica e Belém-Brasília, obras concebidas pela ditadura militar para povoar a Amazônia.
A mineração em larga escala era acompanhada pela difusão de focos de garimpo pela floresta.
Garimpeiros avançavam pelo alto e médio Tapajós, pelo Norte do Mato Grosso e pelo Rio Madeira, em Rondônia.
Em 1980, a notícia da descoberta de ouro na região de Serra Pelada correu rápido pelo país.
Dois anos depois, 80 mil homens buscavam metal numa mina gigante a céu aberto.
90% dos trabalhadores eram conhecidos como formigas, diaristas que passavam o dia carregando sacos de terra por escadarias e barrancos sem direito a qualquer percentual da produção.
Quedas e deslizamentos causaram acidentes frequentes.
Em 83, por exemplo, quase 30 trabalhadores morreram de uma só vez quando um barranco cedeu.
Para tentar controlar Serra Pelada, a ditadura nomeou um major do exército como interventor na região.
Militares bloqueavam os acessos à mina para limitar a entrada e saída de trabalhadores.
Quem tentava furar as barreiras podia ser preso ou morto.
Em 84, os militares ampliaram o controle sobre os garimpeiros ao entregar a mina para o Departamento Nacional de Produção Mineral.
Enquanto isso, a companhia Vale do Rio Doce se movia nos bastidores para explorar o ouro de Serra Pelada.
Os garimpeiros reagiram.
Em 87, um grupo de trabalhadores fechou a ponte sobre o Rio Tocantins, por onde os trens da Vale escoava minério de ferro.
A polícia do Pará e soldados do exército encurralaram os manifestantes na ponte.
Alvejados com metralhadoras e fuzis ao longo de 15 minutos, muitos se jogaram do vão de 76 metros.
Os garimpeiros dizem que 79 colegas foram mortos na operaçã, que ficou conhecida como Massacre de São Bonifácio.
As crescentes dificuldades em Serra Pelada levaram muitos garimpeiros a buscar metais preciosos em outras partes da Amazônia.
Ao menos 40 mil homens instalaram nos afluentes do Rio Branco, território do povo indígena Yanomami, em Roraima.
Garimpeiros aliciaram indígenas que largaram as aldeias e passaram a viver nos garimpos.
Doenças levadas pelos forasteiros, a prostituição e o sequestro de crianças agravavam a desagregação social.
Estima-se que um quarto da população Yanomami tenha morrido por efeitos diretos ou indiretos da invasão garimpeira.
Em 93, as tensões no território provocariam um massacre.
Em vingança pela morte de quatro indígenas, os Yanomami tiraram a vida de dois garimpeiros, que reagiram atacando uma aldeia.
Doze indígenas foram assassinados, entre os quais idosos e crianças.
O episódio ficou conhecido como Massacre de Haximu e gerou a primeira condenação da história do Brasil pelo crime de genocídio.
O garimpo ilegal jamais foi completamente erradicado do território Yanomami.
Nas últimas décadas, a atividade avançou por várias outras terras indígenas, como as dos povos Kaiapó e Munduruku, no Pará.
O uso de máquinas pesadas ampliou o poder destrutivo do garimpo e abriu grandes cicatrizes na floresta.
Enquanto o garimpo ganhava escala, a mineração empresarial também se expandia pelo Brasil.
Nos anos 70, a crise global do petróleo reavivou a extração de carvão mineral, iniciada um século antes na região Sul.
As condições precárias nas minas expunham os trabalhadores a grandes riscos.
Em 84, o acúmulo de gás metano provocou uma explosão em uma mina a 80 metros de profundidade em Urussanga, Santa Catarina.
Todos os 31 homens que trabalhavam no local morreram asfixiados ou incinerados.
Foi o maior acidente já registrado na indústria de carvão do Brasil.
Nem mesmo o setor mais próspero da mineração nacional ficaria livre de tragédias.
Privatizada nos anos 90, a Vale virou a segunda maior mineradora do mundo graças ao apetite da China pelo minério de ferro brasileiro.
Até que, em 2015, uma barragem se rompeu numa mina gerenciada pela Vale e pela mineradora anglo-australiana BHP em Mariana, Minas Gerais.
A descarga de rejeitos destruiu um bairro, matou 18 pessoas e contaminou o Rio Doce, prejudicando o abastecimento de várias cidades mineiras e capixabas.
Foi o maior acidente ambiental da história do Brasil.
Três anos e alguns meses depois, outra tragédia em Minas, agora em Brumadinho.
Uma barragem da Vale cedeu, deixando mais de 300 mortos ou desaparecidos.
Muitos eram operários que almoçavam quando os rejeitos engoliram o refeitório da empresa.
Brumadinho, Mariana, Carajá, Serra Pelada, Roraima, Vila Rica.
Em cinco séculos, a busca por metais e minérios embaixo da terra custou vidas e deixou várias feridas abertas no Brasil.
Na corrida às riquezas que seduziram a coroa e empresários foram soterrados muitos corpos, lares e sonhos.
Esse vídeo faz parte da nossa série "Que História", com acontecimentos extraordinários do passado.
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