Covid-19: 5 dias que determinaram o destino da pandemia
No fim de 2019, começaram a surgir na China casos de uma doença misteriosa
Cerca de um mês depois, o governo chinês anunciaria um lockdown na cidade de Wuhan,
epicentro da epidemia
Até aquele momento, autoridades chinesas afirmavam que o surto estava sob controle
Mas o discurso oficial estava longe da verdade
A essa altura, o novo coronavírus já estava se espalhando pelo território chinês
Eu sou Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou viajar no tempo pra contar
como foram 5 dias cruciais do início do surto na China
Esse período vai de 30 dezembro de 2019 até 3 de janeiro de 2020
Ele foi determinante para o destino da pandemia – e até hoje gera muitos questionamentos
à China
Antes de começar, é importante dizer que o governo chinês negou diversos pedidos de
entrevista à BBC
Mandou apenas um comunicado ressaltando sua transparência, responsabilidade e celeridade
no combate à covid-19
Mas, sem demora, vamos ao primeiro desses cinco dias
A gente começa em 30 de dezembro
Por volta das 4 da tarde, a chefe da emergência do Hospital Central de Wuhan recebeu resultados
de testes de sequenciamento genético
Eles foram feitos a partir de amostras dos pulmões das pessoas infectadas por um vírus
desconhecido
A chefe de emergência suava frio, prestando atenção em duas palavras alarmantes no topo: Sars Coronavírus
Ela rapidamente circulou essas palavras em vermelho e enviou a colegas pelo
WeChat, o WhatsApp chinês
Ela pediu que a mensagem não fosse compartilhada fora do grupo de médicos
Mas, nas horas seguintes, milhões de pessoas receberam os prints, e passaram a falar sobre
esse vírus na China
O país já tinha sofrido uma epidemia de Sars em 2002 e 2003, uma doença também
causada por um coronavírus
Na época, Pequim também insistiu que tudo estava sob controle. 800 pessoas morreram
da infecção na China
Mas dessa vez o laboratório de sequenciamento genético tinha cometido um erro
Não era o vírus Sars que estava adoecendo as pessoas, mas um novo vírus bastante
parecido
Percebendo que havia algo de errado na cidade, o Comitê de Saúde de Wuhan ordenou que os
hospitais da região reportassem os casos da doença
O comitê não queria que os hospitais dessem declarações sem aviso prévio
Mas essas ordens foram vazadas na internet apenas 12 minutos depois
Aqui vale falar do papel da experiente epidemiologista americana Marjorie Pollack
Ela vive em Nova York e é editora da newsletter especializada ProMed-mail
Eles foram os primeiros a darem a notícia do primeiro surto de Sars no mundo, em 2003
E voltaram a ter um papel essencial no caso do novo coronavírus
Marjorie Pollack recebeu um email de Taiwan no mesmo dia 30, falando sobre os rumores
que circulavam na China
Ela disse para a BBC que sua primeira reação foi pensar: “Temos um grande problema”
Três horas depois, ela escreveu um texto na ProMed-mail pedindo informações sobre
o novo surto desconhecido, e conseguiu enviar a notícia para 80 mil seguidores a um minuto
da meia noite
No dia seguinte, em 31 de dezembro, a notícia já tinha começado a se espalhar
A Comissão de Saúde de Wuhan informou que 27 casos de pneumonia viral tinham sido identificados,
mas que não havia evidências de transmissão de pessoa para pessoa
Foi aí que o professor George F. Gao,
que é diretor-geral do Centro para Controle de Doenças da China, começou a receber ofertas
de ajuda do mundo inteiro
Mas cientistas que entraram em contato dizem que Gao não parecia preocupado com a situação
Peter Daszak, presidente do grupo de pesquisas EcoHealth, disse à BBC que enviou uma mensagem
oferecendo toda a ajuda que Gao precisasse
Mas que ele respondeu apenas desejando feliz ano novo
Outra polêmica tem a ver com a demora de Gao para liberar os resultados do sequenciamento
genético do vírus
Segundo o epidemiologista Ian Lipkin, Gao revelou a ele que tinha identificado um novo
coronavírus, mas disse que não era tão infeccioso
A China só divulgaria os resultados ao mundo 12 dias depois
Agora vamos ao primeiro dia de 2020, que foi marcado por uma frustração internacional
Isso porque a Organização Mundial da Saúde não tinha sido notificada oficialmente do
que estava acontecendo na China
O protocolo da OMS determina que surtos de doenças infecciosas que podem gerar preocupação
global devem ser reportados em até 24 horas
Membros da OMS tinham visto a publicação da Marjorie Pollack, que eu mencionei agora
há pouco, e coletaram informações pela internet
Por causa disso, a organização resolveu entrar em contato com a China, mas só recebeu
retorno dois dias depois
E a resposta foi vaga: o país dizia que havia registrado 44 casos de uma pneumonia viral
desconhecida
Documentos de reuniões obtidos pela agência Associated Press, a AP, e compartilhados com
a BBC mostram que havia uma frustração grande dos funcionários de alto escalão da OMS
por causa da dificuldade de se comunicar com os chineses
Mike Ryan, diretor de emergências da OMS, afirmou numa reunião que não era suficiente
só dizer que "não havia evidência de transmissão entre pessoas"
Era preciso ver os dados
Mas a OMS era legalmente obrigada a reproduzir as informações dadas pela China
E só conseguiu confirmar a transmissão do vírus entre humanos 3 semanas depois
Como só a narrativa das autoridades chinesas era divulgada, a impressão para o público
era a de que o problema estava sob controle
Chegamos no dia 2 de janeiro, que foi marcado pela pressão contra médicos na China
Enquanto mais e mais pessoas procuravam os hospitais de Wuhan, a imprensa estatal chinesa
começou uma campanha para silenciar profissionais de saúde
Naquele dia, a emissora estatal da China veiculou uma reportagem desqualificando médicos
que falaram sobre o surto quatro dias antes
No material, eles eram tratados como espalhadores de rumores na internet
Os médicos também foram chamados para prestar depoimento
O caso que mais chamou atenção foi o do oftalmologista Li Wenliang, que tinha escrito
um relato que viralizou
Ele teve de assinar uma carta onde era acusado de divulgar informações falsas e perturbar
a ordem social
Li morreu no mês seguinte, vítima da covid-19
O governo chinês afirma que suas ações não foram censura, mas um esforço para não
espalhar informações ainda não confirmadas
Só que o impacto dessa postura foi significativo
Isso porque ficava cada vez mais claro para os médicos que havia transmissão entre humanos
Só que esses profissionais eram impedidos de se manifestar publicamente
O governo chinês argumentava que era preciso “seguir um rigoroso processo científico
para determinar se um vírus pode ser transmitido de pessoa para pessoa"
As autoridades do país continuaram negando a transmissão entre humanos por mais
18 dias
O último desses 5 dias foi marcado pelo início de uma descoberta
Foi no dia 3 de janeiro que um renomado virologista de Xangai, Zhang Yongzhen, começou a fazer
o sequenciamento do novo vírus
Ele trabalharia incansavelmente por dois dias seguidos, e descobriria que esse vírus era
semelhante ao da Sars
E, logo, que era transmissível entre humanos
O problema é que, no mesmo dia do início da análise, a Comissão Nacional de Saúde
da China enviou um memorando sigiloso aos laboratórios
O documento proibia que cientistas analisassem o vírus e divulgassem informações sem autorização
Isso fez com que Zhang não conseguisse revelar o seu achado
Nem ele e nem nenhum outro laboratório
Só seis dias depois é que foi divulgado que estávamos lidando com um novo coronavírus
Mesmo assim, o sequenciamento genético não foi compartilhado
E isso impediu que outros países analisassem os dados para mapear a situação do vírus
Três dias depois, no dia 11 de janeiro, Zhang tomou uma decisão arriscada
Ele permitiu que um colega australiano divulgasse seus resultados
A consequência foi que o laboratório de Zhang foi fechado pelo governo chinês
Segundo a versão oficial, para retificação
Mas, àquela altura, outros cientistas também publicaram seus achados
A confirmação da transmissão entre humanos só veio da China, mesmo, no dia 20 de janeiro
Especialistas afirmam que essa demora na divulgação de informações a respeito do coronavírus
dificultou ações que poderiam ser tomadas contra a doença
Lawrence Gostin, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, diz que foi uma oportunidade
que a gente perdeu de controlar a disseminação do vírus
Para ele, quando todos foram informados da transmissão entre pessoas, a situação já
era grave
Já o virologista Wang Linfa, que pesquisa morcegos em Cingapura, diz que "a China poderia
ter feito muito mais" antes do dia 20 de janeiro, quando o país finalmente reconheceu a transmissão
entre humanos
O governo só decretou um lockdown em Wuhan, restringindo fortemente a circulação e o
contato entre pessoas, no dia 23 de janeiro
Hoje, estima-se que entre 2,3 mil e 4 mil pessoas já tinham sido infectadas naquele
momento, segundo cálculos de pesquisadores da Universidade de Northeastern, dos Estados Unidos
Bom, é isso!
Eu fico por aqui e espero que você tenha gostado do vídeo
Deixem seus comentários aqui embaixo que a gente sempre lê
E até a próxima