O universo fake que alimenta as fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1)
Tradutor: Margarida Ferreira Revisora: Isabel Vaz Belchior
Quando eu me mudei para Portugal
eu decidi reservar um apartamento provisório
para poder procurar com calma um local definitivo.
Lá no Brasil, eu vi fotos do sítio pela Internet
mas eu não conseguia ver a cozinha.
Então, eu mandei uma mensagem ao dono e perguntei:
"Não consigo ver a cozinha. Está equipada?
E ele respondeu: "Sim, claro, está equipada.
"Tem frigorífico, tem máquina de café, tem até varinha mágica".
"Varinha... o quê, meu querido?
Para toda a gente aqui, esse é um diálogo que parece perfeitamente normal, eu sei.
Para mim, que nunca vim morar em Portugal,
varinha mágica é exclusivamente isso.
E a única coisa que me veio à mente naquele momento, foi:
"Se tem de facto uma dessas, o preço até que nem está mau".
(Risos)
Eu vou ser sincero com vocês.
Eu demorei um pouco mais de tempo do que devia para perceber
que varinha mágica só podia ser outra coisa.
Eu mudei-me para o apartamento
e usei a varinha mágica, que era um ótimo produto.
Não fazia magia, mas fazia sumo "detox".
Eu gostei tanto que, quando fui para um apartamento definitivo,
eu decidi comprar uma.
Na busca por uma varinha mágica, eu fiz o que qualquer pessoa faz:
foi pesquisar o produto na Internet.
Uma das coisas que é possível notar nesta imagem
são as estrelinhas em baixo do produto e o número ao lado das estrelinhas.
Isso indica que o produto foi avaliado por alguém,
e o número é a quantidade de pessoas que fizeram a avaliação.
Muita gente confia nessas avaliações,
para definir se compra ou não.
Se houver a seguinte avaliação,
uma estrelinha: "Não compre essa varinha mágica,
"eu comprei a minha e ela explodiu".
Eu não vou arriscar.
Varinha mágica que explode, ela já não faz magia e ainda explode...
Por outro lado, se houver uma única avaliação positiva,
mesmo que seja uma só,
é possível mudar o curso da história.
Dessa e de outras tantas.
Vejam o caso da Giovanna Pereira, de Custoias.
A Giovanna Pereira tem 49 anos.
É engenheira na The White Swan.
O carro de Giovanna é um Honda de 92.
O "email" da Giovanna é GiovannaPereira@direct.com.
O cartão de crédito que ela usa para fazer compras
— quem quiser pode anotar, ela não se incomoda —
é um Visa 4532...
Eu vou fazer mais fácil, vou colocar os dados da Giovanna,
para quem quiser copiar.
O cartão de crédito dela é esse número que começa com 4532,
código de segurança 035,
cartão válido até março de 2020,
Há uma série de informações aí sobre a Giovanna.
Digamos que a Giovanna tenha deixado uma avaliação
no mesmo "site" que eu estou a pesquisar.
E digamos que ela tem escrito: cinco estrelas.
"Magnífica! Faz tudo perfeitamente."
Resolvi o meu problema:
"Magnífica, perfeitamente."
Não.
Tudo isso seria ótimo, se não fosse um detalhe.
A Giovanna Pereira, de Custoias, não é uma pessoa real.
Ela não existe.
A Giovanna é o resultado de um perfil falso
gerado com uma imensa quantidade de detalhes
por um "site" gratuito que só existe para isso,
gerar perfis falsos.
Esta Giovanna, por exemplo, eu fiz ontem à noite, lá em casa.
Quatro cliques, 30 segundos.
Escolhi a origem do nome, do país, género, idade,
e cliquei em "Generate", só isso.
Tudo o resto: endereço, "email", profissão, número do cartão,
todas as outras informações são falsas,
geradas pelo "site".
Portanto, a Giovanna Pereira é "fake".
Se ela tivesse realmente deixado qualquer avaliação sobre qualquer produto,
essa avaliação seria tão "fake" quanto ela.
Mas quem se dá ao trabalho de fazer isso, de gerar perfis falsos, além de mim?
Aparentemente, muita gente.
Existe um universo de "click farms"
ou, como alguns chamam, "fábrica de 'likes' ".
E ninguém tem a mínima ideia de onde são
ou onde elas estão, ou de quantas elas sejam,
porque as fábricas de "likes" ocupam um espaço mínimo
e podem existir praticamente em qualquer lugar.
Nos últimos cinco anos,
inúmeras fábricas de "likes" foram descobertas e fechadas
na Tailândia, no Camboja, Bangladesh, Macedónia.
Essa da Tailândia, por exemplo, fechada recentemente,
operava com 500 telemóveis e 400 000 SIM "cards".
O que significa 400 000 números de telefone diferentes
ao serviço da criação de perfis falsos.
Mas porque alguém tem uma estrutura desse tamanho?
Dinheiro. Eles vendem esse serviço.
E há quem compre.
Há quem compre fãs no Facebook, por 200 euros.
Há quem compre "retweets" por 800 euros.
Vários "sites" oferecem a venda de "likes", seguidores e perfis falsos.
Quem precisar de um exército "fake" nem precisa de procurar muito
porque até no eBay há esse tipo de oferta.
Claro que há outras operações muito mais sofisticadas.
No ano passado, uma reportagem do New York Times
mostrou que uma empresa bem influente
vendia a clientes VIP, seguidores no Twitter
visualizações no YouTube,
e até recomendações profissionais no Linkedin.
Depois da divulgação da reportagem,
a empresa publicou um aviso
dizendo que não aceitava mais novos clientes.
Mas ela continuou em operação.
Não só ela continuou em operação,
como ela oferece alternativas a quem precise do serviço.
Essas empresas alternativas fazem exatamente a mesma coisa.
Criar um exército de perfis falsos
capaz de tudo, na Internet,
desde tarefas simples, como inflacionar o número de seguidores em redes sociais,
a atividades um pouco mais complexas,
como debater com pessoas reais no Twitter
e espalhar notícias falsas em qualquer plataforma,
Facebook, Instagram, WhatsApp.
Tenham em mente que, onde há "fake news",
há um exército "fake".
E, muito provavelmente, alguma definição bem distorcida
do que é, de facto, "fake news".
Pois, ao contrário do que
políticos, celebridades, e o Cristiano Ronaldo,
repetem todos os dias,
"fake news" não é nem sinónimo de calúnia,
nem discurso para miúdo mimado.
"Ah, não gostei dessa notícia que saiu contra mim".
Não.
O termo "fake news" significa apenas o seguinte:
alguém inventou uma informação falsa,
de preferência, completamente descolada da realidade.
Embrulhou num papel jornalístico
e distribuiu como se fosse verdade.
As minhas favoritas:
"Papa proíbe católicos de votar em Hillary Clinton".
"Robert de Niro muda de lado e decide apoiar Trump".
Isso, para dar dois exemplos reais de notícias falsas.
Esses exemplos são da eleição americana de 2016.
De lá para cá, tudo piorou assustadoramente.
Mais grave ainda,
hoje, para você criar um "site" com uma notícia falsa
nem precisa de um "site" de "fake news".
Basta uma imagem que pareça jornalística
e transmita mensagem.
O objetivo é fazer com que essa mensagem chegue a pessoas reais
porque são as pessoas reais que vão passar a notícia falsa adiante
e dar-lhe credibilidade.
Isso acontece em qualquer plataforma
mas ocorre muito mais rapidamente em programas de mensagem instantânea
como o WhatsApp.
Vamos a um exemplo prático.
Digamos que eu quero criar uma notícia falsa.
Uma notícia qualquer.
Não é para influenciar ninguém,
não tenho interesse em promover ninguém.
Eu faço o quê?
Crio uma imagem que pareça jornalística.
Eu tenho certeza que a minha mãe
vai achar que se trata de uma notícia muito verdadeira.
E vai espalhar em todos os grupos do WhatsApp dos quais ela faz parte.
Mas eu tenho uma tia, desconfiada, que acha que é mentira.
Vai mandar para o meu primo para perguntar se é verdade.
E esse é o erro que muitos não percebem.
Mesmo com a melhor das intenções — que é a de me desmascarar —
a minha tia está só contribuindo para espalhar ainda mais a notícia.
Até que o meu primo, quando recebe a mensagem dela,
está tomando uns copos, ele nem percebe a ironia.
e também acha que é verdade.
e espalha nos grupos dos quais ele faz parte
e a que eu jamais teria acesso.
E essa é uma corrente sem fim.
Agora vamos imaginar toda essa engenharia
potencializada à escala profissional.
As últimas eleições no Brasil ficaram famosas
por terem exposto os eleitores a uma quantidade imensa de notícias falsas
a uma escala jamais vista.
Dois motivos para isso.
O primeiro é que a batalha eleitoral brasileira
ocorreu quase exclusivamente nos telemóveis.
O grosso da campanha não estava nos comícios, na televisão,
nem na Internet tradicional.
Ela estava ali, na privacidade do telemóvel.
Então, receber e enviar, partilhar uma notícia duvidosa,
é uma atividade privada, quase secreta.
(Sussurrando) Ninguém vai saber.
E embora privada, era sempre acompanhada de "habeas corpus" preventivo.
"Não sei se é verdade, mas estou repassando".
O segundo motivo.
Imaginem que uma empresa contrate mil pessoas
e cada uma delas esteja encarregada
de administrar 50 perfis falsos por dia,
como aquele perfil da Giovanna.
Durante o período contratado, seis meses antes da eleição,
haverá 50 000 perfis ativos
— basta imaginar o estádio do Dragão lotado —
mas, lembrem-se, são perfis falsos
então, o estádio do Dragão lotado com quê?
Adeptos do Benfica, hem?
(Risos)
Ah! Agora vocês perceberam o drama, finalmente.
Haverá 50 000 perfis ativos que vão estar, diariamente,
distribuindo notícias falsas no WhatsApp,
comentando em redes sociais
e tentando influenciar pessoas reais.
Empresas como estas que eu acabei de descrever
disfarçam-se de serviços de "marketing" digital.
Em alguns casos, elas criam e administram grupos no WhatsApp.
Em outros, elas entram em grupos que já existem
e enviam aos utilizadores mais de mil mensagens por dia,
criando um efeito dominó.
O que no Brasil é um efeito dominó digno do Guiness,
porque o país é o quarto no uso proporcional do WhatsApp no mundo
com mais de 120 milhões de utilizadores.
O que é que as pessoas fazem
com essa quantidade absurda de "fake news"?
Podiam ignorar, podiam deitar na sanita,
Várias opções.
Mas não.
Elas passam adiante.
Há várias pesquisas que tratam do real alcance das "fake news",
mas há duas que, no momento, são citadas quando se toca nesse tema.
A primeira é um levantamento dos BuzzFeed
que fizeram, nos três meses que antecederam a eleição americana,
as 20 "fake news" de maior audiência,
que tiveram mais engajamento, que foram mais partilhadas,
do que as 20 notícias verdadeiras de maior audiência.
E o estudo do MIT — o maior já feito sobre o tema —
realizado no ano passado,
analisou quatro milhões de "tweets"
e também constatou que as "fake news" são muito mais partilhadas
do que as notícias verdadeiras.
Mas porque é que isso acontece? Tem uma explicação.
O que nem o estudo do MIT nem a pesquisa do BuzzFeed mostram
é que há uma razão clara
para as "fake news" serem mais partilhadas.
As "fake news" não é uma obra do acaso.
não é um fenómeno meteorológico.
"Lamentavelmente, este mês choveu mais 'fake news' do que previsto".
Não é isso.
(Risos)
Fui à Serra da Estrela em janeiro e não vi "fake news" como no ano passado.
Não tem isso.
Na imensa maioria das vezes, "fake news" têm um interesse por detrás.
Foram criadas para alcançar um objetivo.
Eu vou reformular.
Foram criadas para alcançar dois objetivos.
O primeiro, enganar-vos a vocês.
O segundo é fazer com que você partilhe e ajude a enganar mais pessoas.
Não é só um trabalho sujo,
eles querem que vocês trabalhem de graça, também.
Não importa se o alvo é eleição no Brasil, as eleições americanas,
o Brexit ou as próximas legislativas portuguesas — não se iludam.
Pode ocorrer em qualquer lugar.
Então, em quem podemos confiar para combater as "fake news"?
Há várias organizações dedicadas em checá-las e denunciá-las
e elas, de facto, fazem um trabalho bem importante.
O First Draft é uma das mais importantes do mundo
e coordena projetos em diversos países.
E aqui em Portugal, recentemente, fez o lançamento do Polígrafo
que tem esse mesmo objetivo, combater notícias falsas.
Em caso de dúvidas sobre a veracidade de uma informação,
esses talvez sejam os melhores sítios
para saber se uma notícia é verdadeira ou não.
Mas isso não responde completamente à pergunta, eu sei.
Em quem nós podemos confiar mesmo?
Antes, eu quero contar um segredo.
Sabem quem não tem muito interesse em combater esse fenómeno?
Até tem, mas não com muito afinco?
O poder público, que adora a possibilidade de disfarçar parte dos seus absurdos