Como os astronautas voltaram da Lua?
Esse é o famoso discurso do presidente Kennedy dado na Rice University em Setembro de 1962.
É um discurso muito inspirador.
Mas não é o primeiro dado por ele sobre o assunto.
Em 25 de Maio de 1961, apenas 20 dias depois do primeiro americano ir ao espaço, Kennedy discursou em frente ao congresso americano e defendeu que os Estados Unidos deveriam ir para a Lua e que a verba necessária para isso deveria ser dada para a NASA.
[Kennedy: "Eu acredito que essa nação deve se comprometer a alcançar o objetivo, antes desta década acabar, de pousar um homem na Lua e trazê-lo de volta para a Terra em segurança"].
Ouviu isso?
Pousar um homem na Lua e trazê-lo de volta em segurança para a Terra.
Mas como exatamente os astronautas voltaram da Lua?
A decisão sobre como seria a melhor maneira de fazer isso envolve um cara chamado John Houbolt, que teve grandes dificuldades de ser ouvido por pessoas importantes da NASA nos vários meses de discussão que se seguiram após o discurso de Kennedy.
Bom, vamos falar sobre isso!
A maior parte das ilustrações e imagens da Lua coloca o nosso satélite natural a uma distância bastante próxima da Terra.
Algo como isso aqui.
Mas na realidade a Lua está bem mais distante.
Algo próximo disso aqui.
A distância varia à medida que a Lua percorre sua órbita ao redor do planeta, mas esse número gira em torno de 385 mil km.
O diâmetro da Terra é de cerca de 12742 km.
Isso significa que cabem cerca de 30 Terras entre o nosso planeta e a Lua.
Bem longe, né?
Intuitivamente pensamos que a trajetória de uma missão Lunar seria algo direto, sem muita firula.
Cobrindo a menor distância possível no menor tempo possível e sem exigir manobras que podiam dar errado e colocar a vida dos astronautas em perigo.
Talvez algo como isso aqui.
Mas não foi isso que aconteceu no Programa Apollo.
E se você intuitivamente pensou nessa trajetória direta, você não está sozinho.
Em Maio de 1961, quando pediram para pessoas da NASA para formar um plano concreto para chegar na Lua, um comitê elegeu a proposta de ascensão direta como a abordagem mais simples para cumprir o objetivo - o chamado "Direct Ascent".
Numa missão assim uma nave pousaria na Lua como um todo - e isso exigiria um foguete gigantesco.
E esse foguete era um projeto feito por engenheiros do Marshall Space Flight Center conhecido como Nova.
Um foguete bastante parecido com o Saturn V mas com oito motores F-1 no primeiro estágio ao invés dos 5 do Saturn V e com um diâmetro significativamente maior.
Do outro lado da mesa de propostas para a chegada na Lua havia outras alternativas.
Uma alternativa envolvia um rendezvous em órbita da Terra e outra envolvia um rendezvous em órbita da Lua.
Era o Earth Orbit Rendezvous, ou EOR, e o Lunar Orbit Rendezvous, ou LOR.
"Rendezvous" é a palavra usada para descrever um encontro em órbita do planeta.
É o que acontece quando uma nave visita a ISS, por exemplo.
O EOR exigiria o lançamento de dois Saturn V para cada missão.
As naves lançadas se encontrariam em órbita do planeta, formariam uma nave maior, e poderiam seguir para a Lua.
Já o LOR envolveria um rendezvous em órbita da Lua.
Isso significa que um veículo dedicado para o pouso na Lua e um veículo que funcionaria como "nave-mãe" seriam necessários.
Depois de entrar em órbita da Terra, os dois veículos lançados juntos, que vieram a se tornar o Módulo de Comando e o Módulo Lunar mais à frente no Programa, partiam para a Lua impulsionados pelo terceiro estágio do Saturn V em uma manobra conhecida como Injeção Translunar.
Depois disso, os dois veículos conectados se separavam do terceiro estágio e seguiam seu caminho sozinhos.
Ao chegar lá, o conjunto desaceleraria para entrar em órbita da Lua.
O veículo dedicado ao pouso então se desprenderia e desceria ao solo sozinho.
Depois de realizar o pouso e as atividades na superfície, apenas parte dessa nave decolaria e se encontraria com o veículo em órbita (da Lua), e realizaria o acoplamento.
Então, recapitulando.
De um lado a NASA tinha a opção Direct Ascent, que exigiria um veículo muito grande por conta do perfil de missão ineficiente.
De outro o Earth Orbit Rendezvous, que resolvia um pouco dos problemas técnicos já que não envolvia um foguete tão grande, mas que ainda era ineficiente e exigiria dois lançamentos, aumentando muito o custo por missão.
E de outro lado o Lunar Orbit Rendezvous, que era muito mais eficiente.
À medida que a missão progredia, partes desnecessárias eram descartadas e isso diminuía MUITO a massa do veículo necessário e, consequentemente, seria possível realizar a missão com apenas UM lançamento de um Saturn V.
Essas técnicas de rendezvous não eram uma preocupação nova nesse momento.
Antes mesmo do Projeto Mercury colocar seu primeiro astronauta no espaço pessoas dentro da NASA já estavam interessadas nisso.
Afinal, qualquer passo mais ousado dos Estados Unidos no espaço depois do Projeto Mercury acabaria envolvendo um rendezvous.
Podia ser uma estação espacial como a que temos hoje, por exemplo.
E satélites e operações militares de reconhecimento podiam se beneficiar muito da possibilidade que essas técnicas criavam.
E um engenheiro chamado John Houbolt, que trabalhava no Langley Research Center, estudava rendezvous há algum tempo.
Os estudos realizados por ele e por seus colegas foram apresentados para vários grupos diferentes dentro da NASA, incluindo o Space Task Group, que talvez você já tenha ouvido falar se estiver assistindo a série do Disney+ Os Eleitos.
Em 14 de Dezembro de 1960, antes de Kennedy estabelecer o objetivo lunar naquele discurso, Houbolt apresentou sua defesa da importância das técnicas de rendezvous para um grupo de pessoas importantes da NASA, incluindo Max Faget e Werner Von Braun.
Com números ele mostrou as vantagens desse tipo de técnica.
A economia de massa e consequente possibilidade de usar veículos lançadores menores.
Depois de terminar, Faget se levantou e disse: "Os números dele mentem. Ele não sabe do que está falando. ".
E apesar de meio grosseiro, esse ceticismo em relação aos números era justificado.
Apesar de você economizar peso ao deixar parte dos sistemas em órbita da Lua, você ainda vai precisar de duas naves.
Ou seja, duas cabines pressurizadas, dois sistemas de suporte à vida, dois sistemas elétricos, e assim por diante.
Então, pensando de forma prática, o que você ganha de um lado você perderia do outro.
O Space Task Group via esses números como "otimistas demais".
Faget, Von Braun e outras pessoas importantes dentro da NASA acreditavam que o Direct Ascent ou o EOR eram as abordagens mais seguras para chegar na Lua.
Alguns meses de avaliações, estudos e discussões se seguiram com mais detalhes que um vídeo no YouTube consegue colocar.
Mas em resumo: Houbolt publicou um grande relatório com todos os principais achados dos estudos sobre rendezvous e detalhando uma missão lunar com essas características em 31 de Outubro de 1961.
Aliás, vou deixar esse estudo linkado aqui na descrição.
Depois disso, ele ignorou toda a hierarquia existente nas diversas organizações da NASA e enviou uma carta de 9 páginas para Robert Seamans, um dos administradores da NASA na época, defendendo seu ponto e denunciando uma certa má vontade de ouvirem o que ele queria propor.
Seamans respondeu, prometendo que a NASA avaliaria cuidadosamente todas as opções.
Nos meses seguintes o LOR foi considerado como uma opção séria.
E isso, segundo Houboult e as pessoas que trabalham com ele, fez toda a diferença.
Com o tempo mesmo os grupos a favor das outras abordagens mudaram de opinião.
Em Junho de 1962 a NASA adotou oficialmente o Lunar Orbit Rendezvous como o perfil de missão escolhido para as missões lunares.
Essa decisão pode parecer um pouco óbvia em retrospecto, mas naquela época ninguém havia feito um rendezvous ou um acoplamento.
Além das coisas que expliquei, havia uma preocupação séria em relação à segurança dos astronautas.
Se um rendezvous em órbita da Lua falhasse, os astronautas não conseguiriam voltar para a Terra.
E o programa espacial americano pós (Programa) Projeto Mercury se desenhou a partir dessa decisão.
O Programa Gemini se tornou um peça-chave do Programa Apollo para desenvolver as técnicas de rendezvous e docking necessárias para o sucesso das missões (lunares) Apollo.
Um questionamento bastante comum aqui no canal é sobre como sistemas de propulsão à combustão funcionam se não há oxigênio no espaço.
E a resposta para isso é curta: levando seu próprio oxigênio em tanques.
E era o que havia dentro dos tanques dos três estágios do Saturn V, mas não da nave Apollo.
A nave Apollo é composta pelo conjunto do Módulo de Serviço com o Módulo de Comando - essa era a nave que ficava orbitando a Lua e do Módulo Lunar - a nave que descia até a superfície.
E como eu falei no vídeo sobre o Módulo Lunar ele tinha duas partes diferentes - O Estágio de Descida e o Estágio de Subida.
Cada um com um motor próprio.
Os dois motores do Módulo Lunar e o Motor do Módulo de Serviço não usavam oxigênio como comburente.
Eles funcionavam com propelentes hipergólicos.
Mais especificamente Aerozine 50 e Tetróxido de Nitrogênio.
Substâncias como essa queimam assim que entram em contato.
E isso é muito interessante para sistemas que precisam ser MUITO confiáveis pois diminui consideravelmente a quantidade de componentes que precisam trabalhar juntos.
Afinal, esses eram os motores usados na Lua.
Qualquer problema com eles provavelmente significaria uma tragédia.
Na hora de voltar para a órbita da Lua, o Estágio de Descida do Módulo Lunar servia como uma plataforma de lançamento.
O motor do Estágio de Subida era ligado e as conexões entre os estágios eram cortadas com ajuda de sistemas pirotécnicos.
E essa imagem que você está assistindo é uma filmagem real da decolagem da Apollo 17, a última missão do Programa.
A câmera responsável por essa gravação fantástica estava no Lunar Roving Vehicle e foi programada para se mover e acompanhar a nave durante a subida.
É possível ver fragmentos das mantas de isolamento térmico e pedaços do estágio de descida sendo arremessados pela exaustão do motor.
O Módulo Lunar, agora sem o estágio de descida, entrava em órbita da Lua e realizava o rendezvous com o Módulo de Serviço.
Depois de acoplar novamente com o Módulo de Comando e os astronautas transferirem para a cabine toda a carga de amostras coletadas durante a estadia na Lua, o Módulo Lunar era ejetado.
No momento certo, o motor do Módulo de Serviço fazia a queima necessária para os 3 astronautas voltarem para a Terra.
Toda a história por trás da decisão de realizar as missões Apollo dessa maneira mostra muito bem como processos de desenvolvimento tecnológico não são tão óbvios quanto a gente pensa.
O Rendezvous em Órbita Lunar se provou mais seguro não só na teoria, mas também na prática.
Quando a Apollo 13 rolou e a NASA viu sua tripulação em uma situação de muito risco, o Módulo Lunar serviu como um bote salva-vidas.
Se um problema semelhante tivesse acontecido em uma missão com ascensão direta, não haveria essa opção.
O peso da contribuição de Houbolt e os engenheiros que trabalhavam com ele para o curso do Programa Apollo é diferente dependendo da pessoa para quem você pergunta.
Nem mesmo as pessoas que participaram disso tudo concordam em como as coisas aconteceram.
Max Faget e Robert Gilruth acreditam que o trabalho de Houbolt foi "útil", mas não tão essencial como outras pessoas acreditam.
E há detalhes o suficiente para muito debate.
Se você estiver interessado no assunto e quiser entender um pouco mais profundamente tudo isso, eu vou deixar um link de uma monografia no site da NASA que você mesmo pode ler.
Por enquanto é isso.
Eu vou ficando por aqui e até a próxima!