Covid-19: os impactos que a variante da Índia pode ter no Brasil
A descoberta da variante B.1.617 não é exatamente uma novidade: os primeiros relatos dessa nova
versão do coronavírus foram publicados ainda em outubro de 2020.
Mais recentemente, o interesse e a preocupação relacionados a essa linhagem aumentaram bastante.
Isso porque o número de casos de covid-19 provocados por ela subiu consideravelmente
na Índia, seu provável local de origem.
Nas últimas semanas, essa cepa também foi detectada em mais de 40 países de todos os
seis continentes.
O Brasil teve seus primeiros casos de covid-19 provocados por essa linhagem confirmados recentemente:
Seis passageiros de um navio que chegou no Maranhão apresentavam essa nova versão do
coronavírus, de acordo com análises genômicas.
Meu nome é André Biernath, sou repórter da BBC News Brasil em São Paulo, e neste
vídeo vou contar o que a ciência já sabe e o que ainda não sabe sobre essa variante
do coronavírus.
O que faz essa linhagem ser tão preocupante assim?
E quais impactos ela pode ter no nosso país?
Bem, desde o final de abril, a Índia vive seus piores momentos desde que a pandemia
começou, com recordes nos números de infectados e óbitos pela covid-19, embora essa variante
não seja o único fator que explique esse agravamento da crise sanitária por lá.
No Reino Unido, a subida vertiginosa de pacientes infectados com a B.1.617 até ameaça a saída
do lockdown: já existem dúvidas se as atividades sociais e econômicas serão 100% retomadas
até junho, como planejado.
Mas o que a variante tem de tão diferente?
Essa linhagem possui três versões, com pequenas diferenças entre elas: a B.1.617.1, a B.1.617.2
e a B.1.617.3.
Todas elas foram descobertas na Índia, entre outubro e dezembro de 2020.
A análise genética revelou que o trio apresenta mutações importantes nos genes que codificam
a espícula, aquela proteína que fica na superfície do vírus e é responsável por
se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.
Entre as alterações, três delas chamam mais a atenção dos especialistas: a L452R,
a E484Q e a P681R.
Sim, é uma sopa de letras e números mesmo!
A mutação L452R, que é a mais discutida por especialistas da área, já havia sido
observada em duas outras variantes detectadas em Nova York e na Califórnia, nos EUA
A E484Q tem algumas similaridades com a E484K, que foi uma alteração encontrada em outras
três linhagens que ganharam bastante destaque nos últimos meses: a B.1.1.7, detectada pela
primeira vez no Reino Unido, a B.1.351, encontrada na África do Sul e a P.1, descrita no Brasil.
Já a mutação P681R parece ser exclusiva das versões flagradas na Índia e não se
sabe muito bem o que ela pode significar na prática.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul,
me explicou que essas mutações estão surgindo em lugares onde que há o relaxamento das
medidas de proteção e onde se acreditava que a população já estava imunizada, seja
pela infecção natural ou pela vacinação.
Ainda segundo o especialista, essas mutações genéticas melhoram a capacidade de transmissão
do vírus e permitem que ele consiga invadir nosso organismo com mais facilidade.
Antes, com as versões anteriores, era necessário ter contato com uma quantidade considerável
do vírus para ficar doente.
Agora, com as novas variantes, essa carga viral necessária para desenvolver a covid-19
é um pouco mais baixa, o que certamente representa um perigo.
Bom, agora que já entendemos o panorama geral, vamos partir para as coisas que a ciência
ainda não sabe sobre a variante B.1.617.
Não se sabe ao certo se a variante está relacionada a quadros de covid-19 mais graves,
que exigem internação e intubação.
Com base nas poucas informações disponíveis, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico
para Emergências, do Reino Unido, montou algumas projeções para entender como a cepa
pode influenciar a pandemia por lá.
Se a B.1.617 for de 30% a 40% mais transmissível que a B.1.1.7, que é a variante dominante
até o momento no Reino Unido, é possível que a região volte a viver uma situação
tão grave quanto a que ocorreu nas ondas anteriores, com aumento considerável no número
de hospitalizações.
Ah, importante saber que o Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de vigilância
genômica do mundo: todas as semanas, eles fazem o sequenciamento genético de dezenas
de milhares de amostras.
E os resultados recentes indicam um aumento considerável na presença da B.1.617 em terras
britânicas: em uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou.
Em 12 de maio, 1.331 amostras analisadas apresentaram a linhagem descoberta originalmente na Índia.
Na semana anterior, eram 520.
Nos últimos 30 dias, a participação relativa dela no total de casos que foram sequenciados
geneticamente subiu de 1 para 9%.
Em alguns locais da Inglaterra, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, a B.1.617 representa
a maioria dos casos analisados e já se tornou dominante.
Um gráfico compartilhado no Twitter pelo analista de políticas públicas Duncan Robertson
dá uma ideia do crescimento vertiginoso da variante B.1.617 no Reino Unido.
A linha amarela do gráfico, que representa essa nova linhagem, tem uma subida enorme
a partir do dia 21 de abril, superando todas as outras versões do vírus rapidamente.
Mas e as vacinas?
Será que elas continuam efetivas contra essa nova variante?
Os primeiros indícios mostram que sim: uma análise feita no Reino Unido observou que
duas vacinas utilizadas por lá, de Pfizer e BioNTech, e de AstraZeneca e Universidade
de Oxford, continuam eficazes contra a B.1.617.
O estudo foi conduzido pelo sistema de saúde público local e descobriu que duas doses
desses imunizantes, que são também são usados no Brasil, fornecem um nível de proteção
satisfatório contra essa linhagem.
Por enquanto, ainda não temos informações se a eficácia CoronaVac é afetada pela nova
cepa.
Mesmo assim, todas as autoridades em saúde seguem reforçando que todo mundo tome a vacina
quando chegar a sua vez.
E como está a situação na Índia?
Enquanto o país asiático bate recorde atrás de recorde no número de casos e de mortes,
muito se questiona sobre o papel da B.1.617 nesse cenário.
Não há dúvidas de que a variante tem influência no contexto indiano, mas as autoridades em
saúde pública sabem que ela não é a única culpada por todo esse caos.
Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 de maio afirma que
a guinada e a aceleração da transmissão da covid-19 na Índia está relacionada a
uma série de fatores, "incluindo a proporção de casos provocados por variantes com maior
transmissibilidade".
Mas o relatório da entidade não ignora também outros ingredientes fundamentais para entender
a crise sanitária indiana, "como aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos
e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso
de máscaras e o distanciamento físico.
A própria OMS, inclusive, apontou recentemente a B.1.617 como uma "variante de preocupação
global" pelas evidências de maior transmissibilidade.
Por outro lado, outras instituições, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC), dos Estados Unidos, ainda aguardam mais dados para fechar uma classificação.
Na visão desses órgãos, a B.1.617 segue como uma "variante de interesse", que precisa
ser melhor estudada e acompanhada.
Agora que já falamos do cenário internacional, vamos entender um pouco melhor como o Brasil
se encaixa no meio de tudo isso.
Essa nova variante foi detectada oficialmente por aqui no dia 20 de maio, em seis passageiros
do navio MV Shandong da Zhi, que chegou ao Maranhão no dia 15 de maio.
O caso é acompanhado de perto pela Secretaria de Estado da Saúde do Maranhão, pelo Ministério
da Saúde e pela Anvisa.
Alguns indícios já aumentavam a preocupação sobre a entrada da linhagem no país.
O primeiro deles aconteceu, no dia 10 de maio, quando a Argentina anunciou a descoberta de
dois casos de covid-19 causados pela B.1.617.
O vírus foi flagrado por lá em dois menores de idade, que voltavam de uma viagem a Paris,
na França.
Como a Argentina faz fronteira com o Brasil e há um constante fluxo entre os dois países,
o risco de a nova versão do vírus "pular" para cá aumenta consideravelmente.
Mas, é preciso ir além desses dois fatos: especialistas ouvidos pela BBC News Brasil
entendem que nosso país não possui um sistema com capacidade de barrar a entrada de novas
variantes.
O virologista Flavio da Fonseca, que é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor
da Universidade Federal de Minas Gerais, me disse que a introdução da variante no país
é alarmante, ainda mais quando consideramos que a segunda onda da covid-19 começa a dar
sinais ainda tímidos de diminuição.
Portanto, a perspectiva de uma piora repentina das coisas preocupa a todos.
Para evitar que isso aconteça, os especialistas com quem conversei disseram que o país deveria
cuidar melhor de suas fronteiras e ter um sistema de vigilância genômica amplo e ágil.
Assim, as pessoas infectadas que entrassem no país por meio de navios e aviões poderiam
ser identificados e isolados antes de transmitirem as novas versões do vírus dentro de nossas
fronteiras, criando cadeias de transmissão internas.
Mas, por enquanto, as medidas sanitárias são tomadas sem muita pressa, como revela
um episódio recente.
No dia 4 de maio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, sugeriu que o Governo
Federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição da chegada de voos vindos
da Índia.
Mas uma medida sobre o tema só foi tomada dez dias depois: uma portaria que proíbe
temporariamente a entrada de passageiros vindos não só da Índia, mas também de África
do Sul, Reino Unido e Irlanda do Norte, foi publicada no Diário Oficial da União no
dia 14 de maio.
O virologista Fernando Spilki me disse o seguinte:
"O clamor é o mesmo desde o início da pandemia: necessitamos de uma coordenação central
e de medidas que possam servir de barreira às variantes, como os testes, a quarentena
e a diminuição ou o corte de voos de países que estejam com a pandemia descontrolada".
Mesmo com a chegada oficial da B.1.617 ao Brasil, uma coisa que ninguém sabe é como
ela vai se comportar e competir com as outras variantes que dominam a situação de momento,
especialmente a P.1.
Há a especulação que a variante detectada na Índia não encontre espaço no Brasil
para se desenvolver, já que nós temos aqui uma linhagem mais adaptada e agressiva.
Foi isso que parece ter acontecido com outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7,
aquela do Reino Unido, e a B.1.351, da África do Sul: essas linhagens até foram encontradas
por aqui, mas a participação delas na pandemia é relativamente pequena e não evoluiu, ao
contrário do que ocorreu em outras nações.
Detectada pela primeira vez em Manaus, a P.1 se alastrou para o país inteiro e, em questão
de semanas, se tornou a linhagem mais frequente das cadeias de transmissão.
Em meio a tantas incertezas e projeções, uma coisa é certa: do ponto de vista individual,
as medidas de prevenção contra o coronavírus seguem iguais, não importa qual a variante
de maior circulação no momento.
Distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem das mãos e cuidados com a circulação
do ar pelos ambientes continuam imprescindíveis.
Ah, e claro, também é essencial tomar a vacina quando chegar a sua vez.
Bom, eu continuo por aqui, acompanhando as últimas novidades sobre a covid-19 e a vacinação.
Espero que você tenha gostado do vídeo!
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Um abraço, se cuida e até a próxima.