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Os Escravos, por Antonio Frederico de Castro Alves, 34º Poema: Vozes d'África, de Os Escravos, de Castro Alves

34º Poema: Vozes d'África, de Os Escravos, de Castro Alves

Vozes d'África Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia

Do deserto na rubra penedia

— Infinito: galé! ...

Por abutre — me deste o sol candente,

E a terra de Suez — foi a corrente

Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno

Sob a vergasta tomba ressupino

E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,

Quando o chicote do simoun dardeja

O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas...

Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas

Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes

Embala-se coberta de brilhantes

Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...

Ganges amoroso beija a praia

Coberta de corais ...

A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,

— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...

A mulher deslumbrante e caprichosa,

Rainha e cortesã.

Artista — corta o mármor de Carrara;

Poetisa — tange os hinos de Ferrara,

No glorioso afã! ...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...

Ora uma c'roa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz.

Universo após ela — doudo amante

Segue cativo o passo delirante

Da grande meretriz.

....................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada

Em meio das areias esgarrada,

Perdida marcho em vão!

Se choro... bebe o pranto a areia ardente;

talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! Não descubras no chão...

E nem tenho uma sombra de floresta...

Para cobrir-me nem um templo resta

No solo abrasador...

Quando subo às Pirâmides do Egito

Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!..." Como o profeta em cinza a fronte envolve,

Velo a cabeça no areal que volve

O siroco feroz...

Quando eu passo no Saara amortalhada...

Ai! dizem: "Lá vai África embuçada No seu branco albornoz. . " Nem vêem que o deserto é meu sudário,

Que o silêncio campeia solitário

Por sobre o peito meu.

Lá no solo onde o cardo apenas medra

Boceja a Esfinge colossal de pedra

Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas

As cegonhas espiam debruçadas

O horizonte sem fim ...

Onde branqueia a caravana errante,

E o camelo monótono, arquejante

Que desce de Efraim

.......................................

Não basta inda de dor, ó Deus terrível? É, pois, teu peito eterno, inexaurível

De vingança e rancor?...

E que é que fiz, Senhor? que torvo crime

Eu cometi jamais que assim me oprime

Teu gládio vingador? ........................................

Foi depois do dilúvio... um viadante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Arará...

E eu disse ao peregrino fulminado:

"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...

— Serei tua Eloá. . " Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos ululando passa

O anátema cruel.

As tribos erram do areal nas vagas,

E o nômade faminto corta as plagas

No rápido corcel.Vi a ciência desertar do Egito...

Vi meu povo seguir — Judeu maldito —

Trilho de perdição.

Depois vi minha prole desgraçada

Pelas garras d'Europa — arrebatada — Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte

Teu sangue não lavou de minha fronte

A mancha original.

Ainda hoje são, por fado adverso,

Meus filhos — alimária do universo,

Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre

Condor que transformara-se em abutre,

Ave da escravidão,

Ela juntou-se às mais... irmã traidora

Qual de José os vis irmãos outrora

Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço

Role através dos astros e do espaço

Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito...

escuta o brado meu lá no infinito,

Meu Deus! Senhor, meu Deus! !...

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34º Poema: Vozes d'África, de Os Escravos, de Castro Alves 34th Poem: Voices of Africa, from The Slaves, by Castro Alves

Vozes d'África Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia

Do deserto na rubra penedia

— Infinito: galé! ...

Por abutre — me deste o sol candente,

E a terra de Suez — foi a corrente

Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno

Sob a vergasta tomba ressupino

E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,

Quando o chicote do simoun dardeja

O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas...

Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas

Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes

Embala-se coberta de brilhantes

Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...

Ganges amoroso beija a praia

Coberta de corais ...

A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,

— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...

A mulher deslumbrante e caprichosa,

Rainha e cortesã.

Artista — corta o mármor de Carrara;

Poetisa — tange os hinos de Ferrara,

No glorioso afã! ...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...

Ora uma c'roa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz.

Universo após ela — doudo amante

Segue cativo o passo delirante

Da grande meretriz.

....................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada

Em meio das areias esgarrada,

Perdida marcho em vão!

Se choro... bebe o pranto a areia ardente;

talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! Não descubras no chão...

E nem tenho uma sombra de floresta...

Para cobrir-me nem um templo resta

No solo abrasador...

Quando subo às Pirâmides do Egito

Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!..." Como o profeta em cinza a fronte envolve,

Velo a cabeça no areal que volve

O siroco feroz...

Quando eu passo no Saara amortalhada...

Ai! dizem: "Lá vai África embuçada No seu branco albornoz. . " Nem vêem que o deserto é meu sudário,

Que o silêncio campeia solitário

Por sobre o peito meu.

Lá no solo onde o cardo apenas medra

Boceja a Esfinge colossal de pedra

Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas

As cegonhas espiam debruçadas

O horizonte sem fim ...

Onde branqueia a caravana errante,

E o camelo monótono, arquejante

Que desce de Efraim

.......................................

Não basta inda de dor, ó Deus terrível? É, pois, teu peito eterno, inexaurível

De vingança e rancor?...

E que é que fiz, Senhor? que torvo crime

Eu cometi jamais que assim me oprime

Teu gládio vingador? ........................................

Foi depois do dilúvio... um viadante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Arará...

E eu disse ao peregrino fulminado:

"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...

— Serei tua Eloá. . " Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos ululando passa

O anátema cruel.

As tribos erram do areal nas vagas,

E o nômade faminto corta as plagas

No rápido corcel.Vi a ciência desertar do Egito...

Vi meu povo seguir — Judeu maldito —

Trilho de perdição.

Depois vi minha prole desgraçada

Pelas garras d'Europa — arrebatada — Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte

Teu sangue não lavou de minha fronte

A mancha original.

Ainda hoje são, por fado adverso,

Meus filhos — alimária do universo,

Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre

Condor que transformara-se em abutre,

Ave da escravidão,

Ela juntou-se às mais... irmã traidora

Qual de José os vis irmãos outrora

Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço

Role através dos astros e do espaço

Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito...

escuta o brado meu lá no infinito,

Meu Deus! Senhor, meu Deus! !...